Vinte anos depois das primeiras resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente sobre o licenciamento ambiental para plantios florestais, os órgãos ambientais ainda tentam ajustar sua conduta. No Rio Grande do Sul, pressionada pelos fatos, a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) trabalha há dois anos para criar normas que regulem o crescimento acelerado da área ocupada por plantios florestais. “O zoneamento ambiental é um instrumento técnico mais firme do que um plano diretor”, diz o assessor da presidência da Fepam, Mauro Moura.
Ele acompanha o trabalho do grupo que elabora as regras do zoneamento ambiental para a silvicultura. Se não houver nenhum problema, o regulamento deverá entrar em uso no início de 2007. A partir daí, além de licenciamento, será exigido monitoramento da área plantada. A silvicultura será a segunda atividade agrícola controlada pela Fepam. A primeira, enquadrada em 2004, é a lavoura de arroz irrigado, que ocupa pouco mais de 1 milhão de hectares no Estado.
A primeira fase do zoneamento ambiental foi concluída em novembro de 2005. O trabalho procurou identificar as diferentes “unidades paisagísticas” existentes no Rio Grande do Sul. A partir de janeiro de 2006 o grupo de trabalho passou a detalhar as características socioambientais de cada um desses biomas.
Estudo divide o Estado em 37 unidades paisagísticas
O grupo de trabalho do zoneamento ambiental é formado por 12 técnicos – quatro da Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler (Fepam), quatro da Fundação Zoobotânica e quatro do Departamento de Florestas e Áreas Protegidas (Defap) da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema).
No primeiro momento, no final de 2004, eles se dedicaram a definir a metodologia do trabalho, conta Silvia Pagel, engenheira florestal da Fepam. Em seguida levantaram as cartas temáticas contendo dados sobre os rios, solos, vegetação, topografia e clima do território gaúcho. Encerrado em novembro de 2005, esse trabalho resultou na divisão do Estado em 37 diferentes unidades paisagísticas.
A partir de janeiro de 2006 o grupo passou a detalhar as características socio-ambientais de cada um desses biomas. Os dados mais relevantes no caso são a existência ou não de espécies animais ou vegetais endêmicas, as alterações do meio ambiente, os usos do solo e o balanço hídrico, entre outros. Alguns levantamentos dependem de terceiros. Uma empresa de consultoria tem até o fim de junho para levantar a disponibilidade e o consumo de água em todas as regiões gaúchas.
Diversos órgãos públicos estão colaborando no esforço para organizar um zoneamento florestal eficiente. A Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) vai ceder dados do mapeamento do bioma pampa, encomendado pelo ProBio, do Ministério do Meio Ambiente.
A Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) recebeu verba da CaixaRS para atualizar seu estudo sobre a área ocupada por pinus, eucalipto e acácia, as três espécies madeireiras mais cultivadas no Estado. Sabe-se que o total situa-se entre 300 mil e 400 mil hectares e no mínimo deve dobrar com os plantios prometidos pela Aracruz, Votorantim e Stora Enso, que têm projetos de implantar três novas fábricas de celulose na Metade Sul.
Mais do que um levantamento, a equipe do professor Doadi Brena em Santa Maria está fazendo a identificação do potencial de mercado, das demandas e das necessidades do setor florestal no Rio Grande do Sul. Com recursos oferecidos pelo Corede da Zona Sul, técnicos da Embrapa de Pelotas estão mapeando as áreas mais adequadas para o incremento da silvicultura.
A Emater forneceu dados sobre áreas ocupadas por remanescentes de quilombos gaúchos – são mais de 100. As reservas indígenas somam duas dezenas. Com base nessas informações é que se vai licenciar o plantio de árvores visando à produção de matéria-prima para diversos ramos industriais, principalmente a indústria de celulose.
Na Fepam não existe má vontade com a silvicultura nem preconceito contra qualquer espécie vegetal. Há sim prevenção contra o risco do avanço de monoculturas. Mas é preciso relativizar as coisas, diz Mauro Moura, assessor da presidência da Fepam. “Em alguns aspectos a soja pode ser mais perigosa do que o eucalipto”, afirma ele.
A leguminosa chinesa se adaptou extraordinariamente ao Brasil, mas na sua arrancada provocou muita erosão no norte gaúcho. E seu cultivo exige o uso de herbicidas danosos para o meio ambiente. A engenheira florestal Silvia Pagel vê com horror a monocultura da cana-de-açúcar no interior de São Paulo. “Quando falam em deserto verde, eu me lembro dos canaviais. O cultivo de cana também exige muita água”, diz ela.
O balanço hídrico é o condicionamento fundamental para o avanço ou não da silvicultura comercial no Rio Grande do Sul. Onde houver déficit de água, as florestas artificiais não serão licenciadas. Do ponto de vista superficial, a maior preocupação é com a perda de habitats. Nesse sentido, “a silvicultura tem que ser integradora”, diz Silvia Pagel. Em outras palavras, a engenheira florestal da Fepam quer dizer que o plantio de árvores pode ser uma alternativa de uso de solo e de renda para o agricultor que sofre com o baixo rendimento da pecuária e apanha do mercado de grãos.
Num plano mais geral, o regramento da atividade florestal pode servir como alavanca para a recuperação de áreas degradadas ou nunca olhadas pela política econômica. “O bioma pampa está abandonado”, diz Mauro Moura, sugerindo que a silvicultura pode ser uma alavanca capaz de direcionar investimentos para a Metade Sul.
(Por Geraldo Hasse,
Jornal Já, 13/07/2006)