A Caramuru Alimentos, que sempre optou pela produção de soja convencional,
começa a repensar sua tradicional resistência aos transgênicos. A empresa,
maior processadora de grãos de capital nacional, reuniu-se recentemente
com clientes europeus e avalia a possibilidade começar a utilizar grãos
geneticamente modificados (OGMs) a partir da próxima safra.
"Houve um arrefecimento na cobrança por não-OGMs em alguns mercados. Vamos
procurar saber como se dará a oferta desses produtos para definir a melhor
estratégia", adianta César Borges de Sousa, vice-presidente da Caramuru.
Na semana passada, o executivo visitou alguns de seus principais clientes
na Holanda, na Itália e na Alemanha.
O mercado europeu, segundo ele, continua impondo fortes restrições a
produtos destinados ao consumo humano produzidos a partir de transgênicos.
No caso da lecitina de soja, por exemplo, os europeus chegam a pagar por
um produto sem OGMs o dobro do valor de uma lecitina que contenha algum
índice de transgenia. "E é essa combinação de produtos não transgênicos e
de alto índice de proteínas é o que tem nos salvado até agora em termos de
rentabilidade", pondera Sousa.
Ele observa, porém, que os produtores de carnes arrefeceram a cobrança por
produtos não-transgênicos. "Como as carnes não são rotuladas por uso de
ração transgênica, os produtores ficaram menos exigentes". Mas, segundo
Sousa, o mercado europeu ainda paga prêmio de até 10% sobre o preço
internacional de óleo e farelo produzidos com soja convencional.
A empresa definirá, no mês que vem, se começará a aceitar soja transgênica
na safra 2006/07. Tudo dependerá da relação de oferta e demanda
internacionais pelos produtos não-transgênicos e os prêmios pagos por
esses itens. "Hoje os não-OGM são um nicho rentável. Quando deixarem de
oferecer prêmios, a saída para o Brasil será exportar grãos massivamente",
prevê Sousa.
A Caramuru também está atenta ao desenvolvimento do mercado de biodiesel,
também considerado estratégico. O grupo já tem aval da Agência Nacional
do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para instalar uma usina
em Itumbiara (GO) com capacidade para 110 milhões de litros de por ano,
mas, por enquanto, prefere não detalhá-lo.
Neste ano, a empresa prevê investir, no total, R$ 45 milhões, ante os R$
35,2 milhões de 2005. Conforme Sousa, os recursos serão dirigidos
principalmente à consolidação de projetos nas área de logística e gestão
de vendas. Ele destaca a construção de um armazém em Itumbiara (GO), que
centralizará cargas que depois serão distribuídas em todo o país. Em abril,
a empresa também anunciou gasto de R$ 9 milhões, em parceria com a
Ferronorte, para elevar a capacidade de um de seus terminais no porto de
Santos de 135 mil para 180 mil toneladas - projeto que será concluído em
2007.
"Os investimentos na área de logística têm como principal objetivo
facilitar o transporte e reduzir custos de produção", diz. Mesmo com as
obras em andamento, a Caramuru prevê para o ano um crescimento de 28% nos
embarques de produtos pelos terminais, passando de 2,5 milhões para 3,2
milhões de toneladas.
No caso das exportações de soja, afirma Sousa, a previsão é de redução,
em consequência da queda da demanda por produtos brasileiros no exterior
decorrente da menor competitividade em relação à Argentina e aos Estados
Unidos.
A expectativa da empresa é processar 1,05 milhão de toneladas de soja em
2006, ante 1,026 milhão no ano passado. Mas, desse total, 907,4 mil
toneladas devem ser embarcadas a clientes no exterior, ante 949 mil em
2005 - o que corresponde a uma redução de 4,4%.
"A exportação de farelo e óleo brasileiros torna-se cada vez menos
competitiva em relação ao produto da Argentina, o que se deve às
diferenças cambiais, tributárias e ao custo menor no país vizinho por
conta da escala de produção maior", avalia Sousa. No longo prazo, a
Caramuru faz parte do grupo que acredita que o Brasil será um exportador
de grãos ainda mais expressivo. Mas as indústrias esmagadoras só se
manterão no país, de acordo com seu vice-presidente, se houver expansão
na produção interna de carnes e uma demanda firme por biodiesel.
Nesse cenário, a empresa não descarta a possibilidade de construir uma
fábrica no exterior nos próximos anos. O país com melhor potencial,
segundo Sousa, são os EUA, devido à forte demanda por biocombustíveis em
seu mercado.
Ainda no campo dos investimentos, Sousa diz que parte deles será destinada
à mudança das embalagens da linha de óleos vegetais. A meta, segundo o
vice-presidente da Caramuru, é que 80% do óleo refinado comercializado no
país seja envasado em embalagens pet. Há dois anos, eram 40%. A empresa
também fará aportes em marketing para divulgar uma linha de bebidas à base
de soja lançada em maio. No ramo, a meta é abocanhar 10% do mercado em
três anos.
Sobretudo em razão dos resultados de sua aposta nos produtos
não-transgênicos, a Caramuru deverá faturar R$ 1,517 bilhão em 2006, ante
R$ 1,369 bilhão em 2005. A empresa tem capacidade para esmagar 1,2 milhão
de toneladas de soja e 677 mil toneladas de milho e refinar 230 mil
toneladas de óleos vegetais por ano. O grupo emprega 2,4 mil pessoas e
opera cinco fábricas - Itumbiara e São Simão (GO), Apucarana (PR),
Petrolina (PE) e Fortaleza (CE).
(Por Cibelle Bouças,
Valor Econômico, 11/07/2006)