Conivência de índios atrapalha a fiscalização
2006-07-10
Leomar Rosa, chefe do posto da Funai (Fundação Nacional do Índio) na Terra Indígena Aripuanã, da nação cinta-larga, é o primeiro a notar marcas frescas de pneu na estrada de terra que conduz à reserva. "Acho que vocês perderam essa máquina", sentencia aos dois agentes do Ibama no banco da frente da picape.
A máquina em questão era uma pá escavadeira, um tipo de trator usado na extração de madeira, que havia sido apreendido pelo Ibama e pela Polícia Federal dentro da terra indígena no dia 24 de junho. Alberto Paraguassu, chefe da base do Ibama em Aripuanã, conta que havia uma boa quantidade de toras já empilhadas no local. "Devia haver pelo menos três caminhões lá dentro", conta. "Mas tivemos de abortar a missão porque um dos caciques não nos deixou passar - ele sabia que seria um flagrante."
Impossibilitados de levar a escavadeira -único butim da operação- até Aripuanã, os fiscais a estacionaram num sítio do lado de fora da reserva. No dia 28, quatro picapes do Ibama e um caminhão passaram três horas em uma estrada de terra poeirenta e quente para recuperar o veículo. Mas os madeireiros chegaram antes. Os agentes do Ibama literalmente perderam a viagem.
A exploração de madeira nas terras dos cintas-largas diminuiu após a Operação Curupira, segundo Ibama, Funai e os próprios índios. Mas tem sido uma pedra no sapato das operações do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento do governo naquela região. Empobrecidos e queixosos de falta de assistência oficial, os índios se aliam com os madeireiros. Dão árvores e proteção em troca de dinheiro. "Sabemos quem são as empresas, mas só podemos prendê-los em flagrante", lamenta Paraguassu.
Na volta da operação frustrada do dia 28, durante uma parada no distrito de Conselvan, Rosa, da Funai (ele próprio um ex-madeireiro), apontava para caminhões estacionados em um posto. "Todos eles "puxam" madeira nos cintas-largas. São todos de Espigão D´Oeste [RO]. Quer saber as placas?" Acertou todas. Rosa é o único agente do Estado brasileiro fiscalizando uma área de 750 mil hectares. Diz temer os madeireiros. "Fico sozinho lá, armado com um canivete. Tenho dois filhos".
A denúncia mais recente partiu de um dos líderes da reserva, Naki Cinta-Larga. Ele próprio se beneficiou da extração de madeira no passado, mas parou com o negócio em 2004. "Agora ninguém chega comigo, não fala comigo, não recebo nada", reclama, falando dos madeireiros consorciados com outros líderes. Inquirido sobre se ganhou muito dinheiro com a exploração ilegal, Naki sorri amarelo: "Não sei, não".
(Por Cláudio Ângelo, Folha de S. Paulo, 07/07/2006)
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe0707200603.htm