UnB faz do cerrado usina de remédios
2006-07-06
O Banco de Extratos do Bioma do Cerrado, da Universidade de Brasília (UnB), guarda algumas das maiores riquezas vegetais da região. Trata-se de um acervo com mais de mil espécies catalogadas, de onde os pesquisadores esperam extrair, por exemplo, remédios contra as chamadas doenças negligenciadas - para as quais as indústrias farmacêuticas destinam pouca atenção -, como a leishmaniose, malária, dengue e doença de Chagas.
O projeto busca princípios ativos que possam se transformar em novos antibióticos, antifúngicos, antiparasitários e anticancerígenos. “Hoje nossas empresas farmacêuticas só manipulam princípios ativos importados”, diz a coordenadora do banco de extratos, Laíla Salmen Espíndola. Um dos resultados das investigações é a recente descoberta da capacidade do extrato das folhas de Jitó, ou Guarea sp, árvore do cerrado, de matar o parasita causador da leishmaniose cutânea, o Leishmania amazonense. O princípio ativo obtido a partir da planta é letal ao parasita, sem atacar as células dos tecidos humanos.
De acordo com levantamento da Organização Mundial da Saúde (OMS), 90% dos casos de leishmaniose ocorrem em países como Brasil, Bolívia, Peru, Índia e Nepal . O principal medicamento usado nos casos de leishmaniose cutânea ainda é o antimônio pentavalente, administrado em injeções de cinco a dez mililitros - um tratamento doloroso que pode se estender por até 40 dias.
O uso do medicamento, no entanto, tem alguns inconvenientes. Os casos de interrupção no tratamento e subdosagem são freqüentes. “O antimônio não é uma droga ideal, com nível de insucesso de até 30%”, diz Marcelo Nascimento Burattini, professor da Universidade Federal Paulista.
Entre as doenças endêmicas negligenciadas pelas indústrias farmacêuticas, a malária é a com o maior número de casos no Brasil. O tratamento ainda é feito com drogas à base de sulfato de quinina, como a cloroquina e a primaquina. Os efeitos colaterais como vertigens, cefaléias e outros sintomas no sistema nervoso são constantemente descritos como piores que a própria doença e sua eficácia perdeu efeito com o tempo.
O Camboatá Branco, ou Matayba sp, é uma das esperanças do Banco de Extratos para o tratamento da malária. A planta tem propriedades ativas sobre o Plasmodium falciparum, parasita causador da doença, sem os efeitos colaterais do quinino.
O mesmo acontece com a Guaçatonga, ou Casearia sp, um arbusto do cerrado. Com características químicas que podem ser usadas no combate ao parasita Trypanosoma cruzi, causador da Doença de Chagas, a planta tem baixa toxicidade para as células humanas.
O Instituto Farmanguinhos , da Fundação Oswaldo Cruz, é o principal fornecedor do Ministério da Saúde de medicamentos para doenças negligenciadas. Remédios contra doenças endêmicas no País são desenvolvidos com princípios ativos na grande maioria importados.
“Já temos capacidade técnica para a pesquisa de princípios ativos”, diz Jamaira Giora, coordenadora de assistência farmacêutica da instituição. “O que falta são os investimentos na capacidade operacional.”
Para ela, o investimento em desenvolvimento de novos medicamentos a partir de recursos naturais significaria grande avanço para a farmacologia nacional. “Mas a riqueza da flora brasileira é subaproveitada”, lamenta.
(Por Emilio Sant´Anna, O Estado de S. Paulo, 05/07/2006)
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