Para ministro português do Meio Ambiente, o combate às emissões deve ser prioritário nas indústrias
2006-07-05
Quando o presidente da Associação Nacional de Municípios ameaça correr à pedrada os inspectores do Ambiente e o controle
das emissões de dióxido de carbono tira o sono a largos sectores da economia, Nunes Correia, ministro do Ambiente de Portugal, diz que está apenas a cumprir o programa do Governo. E, vindas de quem vêm, há incomodidades que até lhe sabem bem.
Correio da Manhã – Tem medo de ser apedrejado no Conselho de Ministros?
Nunes Correia – [Risos] Não tenho medo nenhum. Pelo contrário. Estamos a executar minuciosamente o programa do
Governo, que é o programa que o PS apresentou aos eleitores e com o qual ganhou a maioria absoluta. Todos os membros do
Governo, sem exceção, são solidários com esse programa, que põe a temática do ambiente e do desenvolvimento
sustentável num lugar muito alto, atribuindo-lhe importância não só como setor individual mas também na relação com os
outros. Temos tido o melhor relacionamento com os outros setores. Há questões difíceis mas temos conseguido resolvê-las.
– Está de volta a velha dicotomia ambiente/desenvolvimento?
– Recusamos o modelo de desenvolvimento dos anos 50 em que primeiro temos de desenvolver o País e depois cuidaremos
do ambiente. É um modelo completamente ultrapassado. Não podemos ter uma economia predadora das condições naturais
quando os recursos naturais, a biodiversidade e a paisagem são um dos principais patrimónios de Portugal. O nosso papel é
mobilizarmos essa riqueza ao serviço da economia e não contra ela. Por sua vez, a economia tem de valorizar essa riqueza e
não ter um papel predador.
– Esse não parece ser o entendimento de alguns setores da economia, que se referem ao ambiente como fonte permanente
de obstáculos...
– Porventura alguns promotores – empresários, por exemplo – poderão querer aproveitar a situação difícil do País, em que o
investimento é uma enorme prioridade, para tentar fazer passar projetos que são predadores, que causam danos irreversíveis
ao património ambiental. O Ministério do Ambiente tem de opor-se a isso. Felizmente, tem havido muito poucos casos de não
aprovação por parte do Ministério. O que é mais comum é trabalhar, muitas vezes com os próprios promotores, para encontrar
soluções que mitiguem os impactos ambientais.
– Sente-se sob fogo?
– Esse clima é, em grande parte, resultado de especulação jornalística. Admito que há pessoas a quem as coisas nem
sempre correm bem, que procuram por vezes um bode expiatório. Outras têm uma mentalidade formada no modelo dos anos
50, mas esse não é o sentido do Governo.
– E qual é o sentido do Governo?
– Enquanto entidade coletiva, o Governo está vinculado a um programa e nós conhecemos bem aquilo que o primeiro-ministro
fez pela política do ambiente em Portugal. Estamos a fazer o trabalho que temos de fazer e até encaramos com satisfação
algumas incomodidades, pois mostram que o Ministério do Ambiente é ativo a defender valores essenciais para os
portugueses.
– O ministro da Economia, Manuel Pinho, virou as costas ao secretário de Estado do Ambiente, Humberto Rosa, numa
reunião do Conselho de Ministros?
– Esse incidente não foi confirmado por qualquer das partes. Eu estava numa reunião em Bruxelas. Mas posso dizer-lhes que
na sexta-feira [23 de Junho] tive uma excelente reunião de trabalho com o secretário de Estado Humberto Rosa e o ministro
Manuel Pinho. Não podia ser mais cordial e chegámos a excelentes resultados.
– Divergências entre os ministérios do Ambiente e da Economia impediram a entrega a tempo à Comissão Europeia do Plano
Nacional de Atribuição de Licenças de Emissão [PNALE]. Ou não?
– Encarar uma opção que o País tem de tomar como antagonismo entre o Ministério do Ambiente e o Ministério da Economia
é completamente errado. Tenho a certeza de que o ministro da Economia dirá o mesmo. Não há qualquer antagonismo. O que
há é determinações internacionais a que Portugal está vinculado: o Protocolo de Quioto e um conjunto de directivas
comunitárias que se lhe seguem. Tanto o Ministério do Ambiente como o da Economia, Portugal enquanto Estado-membro,
têm de cumprir essas determinações.
– A que opção está a referir-se?
– Num extremo, podemos investir pesadamente no Fundo de Carbono [para comprar créditos de emissão de gases com efeito
de estufa], de forma a aumentar o nosso tecto de emissão. Noutro, não investimos no Fundo de Carbono e temos menos
licenças para atribuir à economia ou temos de reduzir as licenças que já estão atribuídas à economia. Entre os dois extremos
há-de estar a solução. O Ministério do Ambiente não tem uma posição particularmente defensora de uma ou outra solução. O
Ministério do Ambiente está empenhado, em primeiro lugar, em que, no quadro do Programa Nacional para as Alterações
Climáticas, se faça o mais possível para que o País reduza as emissões não apenas no sector da indústria mas também nos
outros sectores: nos transportes, nos edifícios. Isso está a ser feito.
– O PNALE II [versão em discussão pública que obriga a indústria a reduzir em nove por cento as emissões de gases de efeito estufa] vai ser alterado no sentido de permitir mais emissões?
– O que se entendeu, para cumprir na medida do possível os prazos determinados, foi pôr em discussão pública uma solução
intermediária. A decisão de Portugal pode ser um valor intermediário, algo acima ou algo a baixo. O Ministério do Ambiente não tem estados de alma relativamente a esta matéria. O Ministério do Ambiente tem é a obrigação, junto de Bruxelas, de entregar
o plano de atribuição das licenças. O Governo tem de decidir sobre esta matéria, que é complexa, e o nosso papel é transmitir
o resultado a Bruxelas.
– Considerando que os transportes representam 35 por cento das emissões, estão previstas medidas do género das
adoptadas em Madrid ou Londres para limitar o uso do automóvel?
– Em Madrid ainda está a discutir-se [a possibilidade de interditar a entrada na cidade de carros com mais de 15 anos, mais
poluentes]. Em Londres criaram-se portagens à entrada da cidade. O Ministério do Ambiente é favorável a que se caminhe na
adopção dessas medidas. Têm de ser tomadas em concordância com os ministérios sectoriais respectivos. São medidas
positivas para o Protocolo de Quioto, podem ser nalguns casos extraordinariamente impopulares, porque as pessoas
sentem-se muito restringidas na sua vida do dia-a-dia.
– Em Portugal fala-se há muito tempo de portagens diferen-ciadas para veículos com dois ou mais passageiros. Para quando?
– Existe a convicção de que ainda há uma margem de manobra muito grande do lado da indústria. É justo exigir-lhe maior
eficiência antes de bulir com o dia-a-dia dos cidadãos. Há um conjunto de medidas que vai ter de ser adoptado a pouco e
pouco, mas entendemos que nesta fase há muito a fazer do lado da produção energética – há uma grande aposta nas
energias renováveis, um sector da área do Ministério da Economia – e em matéria de eficiência energética. As licenças que
foram emitidas no primeiro PNALE mostraram-se, não sempre mas em muitos casos, bastante generosas. Actuar nestas
frentes tem de ser ponderado com outras medidas.
– Produzir energia com recurso a combustíveis fósseis implica emissão de gases de efeito de estufa. Não será a energia
nuclear, sem emissões, a única forma de cumprir o Protocolo de Quioto?
– Pode haver razões para algumas pessoas gostarem do nuclear, mas uma delas não é de certeza o Protocolo de Quioto. Se
fosse agora tomada a decisão de investir no nuclear, ele estaria a produzir lá para 2013 ou 2014. O Protocolo de Quioto diz
respeito ao período entre 2008 e 2012. Ou seja, o contributo do nuclear para Quioto seria zero.
– O que pensa sobre a construção de uma central nuclear em Portugal?
– Não me vou pronunciar. O nosso primeiro-ministro disse que o assunto não estava na agenda. Basta-me essa palavra do
primeiro-ministro.
– Nos tempos mais próximos vai enfrentar uma guerra por causa da co-incineração de resíduos perigosos. Mas essa não é
uma causa do primeiro-ministro?
– Não é um guerra nem, muito menos, uma causa do primeiro-ministro José Sócrates.
– Sabe decerto que as populações de Setúbal e Souselas vão mobilizar-se e as câmaras vão interpor providências cautelares
para evitar o processo...
– Eu gostava de ver os municípios e as populações mais preocupados com o destino que hoje, em muitos casos, é dado aos
resíduos perigosos: abandonados no meio ou armazenados nos estabelecimentos industriais, constituindo um perigo potencial
gravíssimo. Este é um problema que o País anda a tentar resolver há 20 anos. Nós estamos determinados a resolvê-lo
metodicamente, com segurança para os portugueses.
– Não podia resolver-se o problema sem recurso à queima, só com os CIRVER [Centros Integrados de Recuperação
Valorização e Eliminação de Resíduos]?
– A co-incineração é apenas a solução para cerca de 15 por cento dos resíduos industriais perigosos. Todos os outros têm
formas de tratamento, de valorização, de reutilização que nós queremos explorar. Mas há uma fracção que só tem duas
alternativas: ou é exportada para ser co-incinerada no estrangeiro ou é co-incinerada em Portugal. Estamos apostados em
levar até ao fim os CIRVER e, simultaneamente, o processo da co-incineração que foi iniciado pelo primeiro-ministro José
Sócrates. Mas isso não quer dizer que seja uma causa dele. É uma causa do País.
PERFIL
Pode não estar habituado ao calor do embate político, mas a Francisco Nunes Correia, 55 anos, doutorado em Engenharia
Civil, ninguém regateia méritos do ponto de vista técnico e científico. Muito antes de entrar para o Governo já produzira trabalho
importante em áreas relacionadas com a água e a desertificação. Independente dos partidos, foi coordenador do Plano
Nacional de Política do Ambiente de Teresa Patrício Gouveia, ministra do Ambiente de Cavaco Silva. É casado e pai de dois
filhos. Entre o Ministério do Ambiente e a família sobra-lhe pouco tempo, mas, sempre que pode, nos fins-de-semana, deixa o
bulício da capital e refugia-se numa casa que tem nos arredores. Leva uma pasta cheia de papéis para ler. Nunes Correia não
se lembra do último filme a que assistiu numa sala de cinema. Em casa, em DVD, não perde as séries baseadas em livros de
Agatha Christie. Gosta de Poirot, o detective de bigodinho. Também gosta de música clássica e aí não lhe falha a memória.
"O Ouro do Reno", de Wagner, foi a última ópera a que assistiu, noTeatro de S. Carlos, em Lisboa.
"VERÃO SEM PROBLEMAS DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA"
CM – Choveu mais este ano do que nos anteriores, mas, ainda assim, não tivemos um Inverno especialmente chuvoso. Pode
garantir que não vai faltar água no Verão, nomeadamente no Alentejo e no Algarve?
N.C. – Toda a informação que tenho é de que este é um ano em que não há seca e, portanto, não haverá problemas
particularmente graves de abastecimento às populações.
– O que falta para completar o dossiê da Lei da Água?
– A Lei da Água foi aprovada na Assembleia da República com mais de 90 por cento dos votos dos deputados. Isso dá uma
grande credibilidade ao diploma. Em Março, publicámos os chamados anexos técnicos e agora temos dois diplomas muito
importantes que estão quase concluídos: os títulos de utilização dos recursos hídricos e o regime económico e financeiro.
Este vem pôr alguma ordem nas taxas. Muitas delas já hoje são cobradas.
– Quanto é que os consumidores vão pagar a mais na sequência da aprovação da Lei da Água?
– Efectivamente, todas as entidades que captam água vão passar a pagar uma pequena taxa por isso, mas o valor foi
calculado de forma a não perturbar a economia. É quase simbólico. É desejável que a cobrança se faça porque a água é um
bem comum que deve ter um preço. De qualquer forma, quer quiséssemos quer não, a directiva europeia obriga-nos a cobrar
essa água.
– De quanto será o aumento?
– O valor não é cobrado directamente ao consumidor.
– Sim, mas, de qualquer modo, as entidades que captam a água farão recair o valor da taxa sobre o consumidor final...
– É coisa de poucos cêntimos. Da ordem de um cêntimo ou um cêntimo e meio por metro cúbico.
(Correio Amanhã, 02/07/2006)
http://www.correiomanha.pt/noticia.asp?id=207024&idselect=9&idCanal=9&p=200