No último dia 19 de abril algo inusitado ocorreu no gabinete da
presidência do Ibama em Brasília. O presidente Marcus Barros estava com o
diretor de licenciamento do órgão, Luiz Felippe Kunz Jr., à espera da
visita dos deputados João Ribeiro e Jorge Pinheiro, ambos do Partido
Liberal (TO e DF respectivamente). A audiência serviria para discutir o
licenciamento da ferrovia Norte-Sul. Mas ao chegarem, os parlamentares
não estavam sozinhos. Qual não foi a surpresa dos dirigentes do Ibama ao
notarem que acompanhando os deputados estava um funcionário da empresa de
engenharia Engevix.
A ferrovia Norte-Sul nem entrou na conversa, pois com o apoio dos
deputados, o funcionário – identificado apenas como Sérgio – explicou que
viera ali pedir que sua empresa não sofresse as penalidades impostas por
conta do caso Barra Grande. A Engevix foi autuada em R$ 10 milhões e teve
seu Cadastro Técnico Federal cassado (embora continue atuando) por ser
considerada a autora da fraude no Eia-Rima [estudo e relatório de impacto
ambiental] apresentado no licenciamento da Usina Hidrelétrica de Barra
Grande, no rio Pelotas, na divisa do Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
O engodo permitiu a inundação de uma área de 2.077 hectares de matas
primárias e mais 2.258 hectares de vegetação secundária em estágio
avançado de recuperação.
A reunião com Marcus Barros parece ter sido escolhida a dedo, uma vez que
está nas mãos dele decidir se a Engevix sofrerá ou não as sanções
previstas. Quando foi multada, a consultoria recorreu à gerência do Ibama
de Santa Catarina, a divisão que havia lavrado o auto de infração. Lá, o
recurso não obteve sucesso, e a Engevix passou a protestar nas instâncias
superiores, a procuradoria-geral e a presidência do Ibama. Se não
conseguir o perdão no órgão federal, a empresa pode ainda recorrer à
ministra de Meio Ambiente e, por fim, ao Conselho Nacional do Meio
Ambiente (Conama).
Exatamente por ser o juiz da vez, Marcus Barros indignou-se com a pressão
inesperada da Engevix. Afirmou, durante a audiência, que a situação era de
muito desconforto e que não aceitaria aquele artifício, ainda mais em
fase de julgamento. Em resposta, o representante da consultoria alegou
que sua empresa estava sendo perseguida pelo Ibama, pois estaria assumindo
a culpa por um erro cometido pelo órgão federal. A argumentação em defesa
da Engevix foi apoiada pelo deputado Jorge Pinheiro (mais conhecido como
Pastor Jorge, no Distrito Federal), que frisou, com certa intensidade
diga-se, que ele criaria um grupo de trabalho para investigar o Ibama na
Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) da Câmara
dos Deputados, da qual é vice-presidente.
Dito e (já) feito
A verdade é que quando o Pastor Jorge afirmou que mexeria os pauzinhos na
CMADS, um requerimento de sua autoria pedindo a formação de um grupo de
trabalho para acompanhar o processo de licenciamento de Barra Grande já
havia sido protocolado na semana anterior, no dia 12 de abril. Na sessão
seguinte, exatamente no mesmo dia 19 de abril da reunião no Ibama, a
formação do grupo foi aprovada. Pinheiro é o relator do grupo e o deputado
Oliveira Filho, do PL do Paraná, o coordenador. São membros também os
deputados, Gervásio Silva (PFL-BA), Sandro Matos (PTB-RJ) e Sarney Filho
(PV-MA).
Perguntado o porquê da criação do grupo, Jorge Pinheiro conta que desde a
audiência pública na Câmara sobre Barra Grande, em 30 de agosto de 2005,
que aconteceu a pedido do então vice-presidente da CMADS, Luciano Zica
(PT-SP), ele achava a história “estranha”. “Me perguntava como o Ibama
deu a licença e depois disse que o estudo estava errado?”. Na
justificativa para o requerimento da formação do grupo de trabalho, o
deputado afirma especificamente sobre a pena da Engevix que, após a
audiência pública, concluiu-se que o “Ibama agiu arbitrariamente e assumiu
prematuramente o dolo sobre o referido licenciamento e aplicou pesadas
sanções a uma empresa que tem participação em projetos equivalentes a
cerca de metade da potência de geração de energia elétrica instalada no
Brasil (...).”
Pinheiro, que menciona freqüentemente sua preocupação com o risco de
“apagão”, não exagera quando diz que a Engevix tem importância em grandes
empreendimentos pelo país afora. Ela é líder no mercado de engenharia e
sua carteira de projetos, estimada em US$ 180 milhões, inclui obras como
a ampliação da usina de Tucuruí, no Pará. Por isso, o deputado considera
que cassar o Cadastro Técnico Federal seria “o mesmo que acabar com a
empresa”. Poderia, diz ele, estar cometendo uma “grande injustiça”. “Eu
não acredito que uma empresa com mais de 40 anos de mercado cometa erros
tão grosseiros”, completa. Para o Pastor Jorge, o grupo de trabalho na
Câmara seria a forma de saber quem é o verdadeiro culpado do caso Barra
Grande, o Ibama ou a Engevix. “Se alguém cometeu um erro, terá que pagar”,
garante.
As atividades do grupo de trabalho para investigar o licenciamento da
usina começarão de fato agora, pois foi no último dia 21 de junho que o
seu plano de ação foi aprovado. Além de uma viagem a Lages, município em
que está Barra Grande, a investigação concentra-se em um pedido de
explicação (Requerimento de Informações 3471/05) feito ao Ibama no ano
passado e cuja resposta os membros do grupo de trabalho consideraram
insatisfatória. As informações complementares são as seguintes: cópias das
Autorizações para Transporte de Produto Florestal (ATPFs) emitidas na
ocasião da supressão da vegetação no local em que o lago de Barra Grande
foi construído, uma justificativa sobre a razão da multa aplicada e uma
justificativa para a cassação do Cadastro Técnico Federal.
Nota-se que a promessa de pegar no pé do Ibama não foi vazia. Jorge
Pinheiro não esconde que promoveu a audiência inusitada entre o presidente
do Ibama e o representante da Engevix. Segundo ele, a motivação para
assumir a causa da consultoria foram antigas desavenças com o órgão
ambiental federal. “Quando fui secretário de Meio Ambiente do Distrito
Federal eu tive vários problemas com o Ibama. Fui também relator do
processo de ampliação do Parque Nacional de Brasília e fui contra a
proposta deles. Desde então nos estranhamos”. Na opinião do deputado, o
que mais chama atenção no caso de Barra Grande são os quatro processos
internos de investigação que já ocorreram dentro do Ibama. Desde que a
fraude veio à tona, o órgão federal já realizou duas sindicâncias e dois
processos administrativos disciplinares.
O Eco contatou a Engevix para perguntar sobre as razões que a levaram a
buscar este método heterodoxo para encontrar o presidente do Ibama.
Procurado no escritório de São Paulo, o presidente da empresa, Cristiano
Kok, não retornou a ligação. Em novo contato telefônico, no dia seguinte,
a secretária de Kok informou que ele estava viajando, e que entraria em
férias. A reportagem perguntou ainda se não havia qualquer pessoa
designada para dar entrevista, mas foi informada que também no escritório
de Brasília, todos estavam viajando.
Mesmo com as investigações dentro do Ibama ainda em curso, a
procuradoria-geral já está trabalhando sobre o seu parecer ao recurso da
Engevix. Não se sabe quando a resposta final será dada, mas a Diretoria
de Licenciamento já enviou sua análise técnica ao processo. De acordo o
diretor de licenciamento, Luiz Felippe Kunz Jr., a interpretação de que a
Engevix cometeu uma infração será mantida e as penalidades previstas
deverão ser efetuadas. No entanto, ele diz não poder revelar detalhes dos
argumentos que embasam a análise técnica.
O argumento de que não merece ser punida porque o Ibama assinou embaixo um
Eia-Rima que dizia haver “(...) pequenas culturas, capoeiras ciliares e
campos com arvoredos esparsos” onde havia uma rica floresta primária de
araucárias é desde o princípio a estratégia de defesa da Engevix, As
sindicâncias consideradas “estranhas” pelo deputado Jorge Pinheiro indicam
que uma possível omissão do órgão federal não foi descartada. Mas as
investigações no Ibama, informou sua assessoria de imprensa, continuam
independente de qual for o resultado do recurso da Engevix. O erro de um
não anula o do outro. Aqui sim, poderíamos fazer nossas as palavras do
deputado Jorge Pinheiro: “Quem errou, tem que pagar”.
(Por Gustavo
Faleiros,
O Eco, 01/07/2006)