Em uma época em que tanto se discute sobre a escassez de combustíveis
fósseis dentro de algumas décadas, tecnologias baseadas em fontes
renováveis são sempre bem-vindas. E se estão associadas a um programa de
reciclagem e despoluição quase caseiro, melhor ainda. É o caso de um
projeto desenvolvido na cooperativa Ecocitrus, de Montenegro (RS). Ali,
alguns veículos estão rodando à base de óleo vegetal usado na fritura de
alimentos. O “combustível” é recolhido diretamente de cozinhas de
restaurantes.
“Era um material que antes ia para o lixo e contaminava o meio ambiente”,
conta Paulo Roberto Lenhardt, que se define como um curioso sobre
agroecologia. Ele estuda e trabalha com o assunto há 30 anos e é discípulo
direto de José Lutzemberger. Recentemente, Lenhardt percorreu os mais de
800 km que separam Montenegro de Curitiba (PR) para participar do
Seminário de Tecnologias Energéticas de Futuro com uma picape movida
100% a óleo vegetal. Ele garante que o veículo não fica devendo nada
para os modelos à gasolina, álcool ou diesel. A picape foi doada pela
Fundação Avina. “A proposta é desmontar o motor assim que ele atingir 80
mil quilômetros para produzir um estudo detalhado sobre o desgaste das
peças com o consumo de óleo vegetal”, explica.
Para se ter um veículo movido a óleo vegetal é necessário adaptar um motor
a óleo diesel. Segundo Lenhardt, o custo varia muito, de mil a cinco mil
reais, dependendo da qualidade que se quer atingir. São necessários
componentes que deixem a viscosidade a mais próxima possível do óleo
diesel. Caso contrário, a vida útil do motor é encurtada.
O Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) não reconhece o uso de óleo
vegetal como combustível. “Apesar disso, é um combustível muito barato. O
custo é o de recolhimento e limpeza, o que não passa de 30 centavos por
litro”, comenta o engenheiro florestal Stefano Dissiuta, um dos técnicos
da Ecocitrus.
Segundo o pessoal da cooperativa, as vantagens na adoção desse combustível
são: melhor lubrificação interna do motor; 40% menos emissão de fuligem e,
no geral, 75% menos poluição; emissão de menos carbono na atmosfera do
que o seqüestrado pela planta; e despoluição de esgotos com a reciclagem
do óleo usado em restaurantes.
Edição limitada
Contudo, o processo tem seus limites. Não há óleo reciclável suficiente em
Montenegro, que tem 60 mil habitantes, para colocar uma frota de veículos
inteira movida a óleo de cozinha na rua. A quantidade reciclada hoje é
suficiente para manter apenas 10 picapes rodando. Por isso, já está
começando o próximo passo do projeto, que diz respeito à recuperação do
plantio de tungue, uma oleaginosa que vive cerca de 80 anos e foi
bastante utilizada no pós-guerra como lubrificante. A idéia é usar o
tungue, que tem uma produtividade bastante superior à soja na produção de
óleo, para produzir diretamente óleo vegetal combustível e, com isso,
proporcionar a independência energética dos produtores. Além disso, os
resultados desse e de outros projetos da Ecocitrus são replicados em
cooperativas, associações e comunidades que fazem parte da Rede Ecovida
de Agroecologia, que abrange os estados da região Sul.
Permacultura
A Ecocitrus é uma cooperativa fundada em 1994 por 15 agricultores e que
hoje conta com 43 famílias associadas e outras 60 que se beneficiam dos
projetos desenvolvidos. O sistema de trabalho está baseado na permacultura,
que abrange uma forma de produzir ambientalmente correta. Ou seja, de
forma sustentável e com baixo custo de produção, conforme explica Lenhardt.
A proposta é que o produtor assuma toda a cadeia produtiva, desde a
produção de insumos, organização social, formação, geração de tecnologia,
certificação, industrialização até a comercialização. A produção de frutas
cítricas, principalmente tangerina, chega a 5 mil toneladas/ano e 20%
desse volume são transformados em sucos, comercializados em supermercados
com a marca Ecocitrus.
O sistema todo é resultado de 14 anos de pesquisas. A cooperativa cuida da
produção própria de insumos, feita na usina de compostagem. Ela absorve
resíduos de 23 agroindústrias da região, entre fabricantes de tanino,
laticínios, cerveja e fumo. Ali são produzidos biofertilizantes e compostos
para recondicionamento de solo, que são aplicados diretamente sobre os
pomares – mas isso depende do estágio da propriedade. Há áreas mais
avançadas nas técnicas agroecológicas em que não se aplica adubo há quatro
anos.
(Por Romeu Bruns,
O Eco, 30/06/2006)