Syngenta: A invasão que não chega ao fim
2006-07-04
A multinacional suíça Syngenta, maior empresa do Brasil em sementes e defensivos agrícolas, está reavaliando seus planos de investimentos no Brasil, mercado que até recentemente era considerado estratégico por ser o maior da companhia depois dos Estados Unidos. O motivo é a invasão e a ocupação das instalações da sua área de pesquisas e desenvolvimento de sementes no Oeste do Paraná por militantes da organização Via Campesina, há quase quatro meses.
"O investimento para o ano que vem certamente vai tender a zero", afirma o diretor geral da Syngenta Seeds, o argentino Pedro Rugeroni. Este ano a empresa programou investimento de US$ 12 milhões para o Brasil, mercado onde fatura US$ 800 milhões por ano.
Até agora, a empresa estima que teve prejuízos de cerca de US$ 1,5 milhão com a invasão. Se a ocupação persistir, a situação pode piorar. "Temos uma perda potencial de quatro ou cinco anos, equivalente a US$ 50 milhões, por conta do material que estava armazenado nas câmaras frias do centro de pesquisa", explica Rugeroni. Ele se refere às sementes melhoradas ou em vias de melhoramento, chamadas de germoplasmas. São sete mil linhagens e oito mil híbridos guardados cuidadosamente por pesquisadores em saquinhos de papel de 200 gramas ao longo dos últimos de 20 anos.
"O trabalho de pesquisa é um processo demorado, pelo qual você desenvolve uma linhagem da planta até alcançar a variedade ideal para ser comercializada", diz o diretor geral da empresa. "Não vamos vender todas as sementes que estão armazenadas, mas daquele conjunto vão sair as seleções melhoradas". Todos os anos a Syngenta lança dois ou três híbridos, a partir das sementes cultivadas e aperfeiçoadas na estação paranaense. "Agora as sementes plantadas para utilização em pesquisa estão sendo usadas para alimentar porcos e galinhas dos invasores", queixa-se ele.
Os problemas da Syngenta, empresa que fatura US$ 8 bilhões por ano no mercado mundial, começaram no dia 14 de março, quando cerca de mil agricultures da Via Campesina ocuparam a estação de pesquisa da cidade de Santa Tereza, criada em 1987. Os invasores exigem que a área de 123 hectares seja transformada num centro modelo de agroecologia, com a destruição das áreas de cultivo de sementes transgênicas. Eles alegam que a invasão foi feita para denunciar o experimento ilegal de transgênicos na área localizada próxima ao Parque Nacional do Iguaçu. Segundo eles, o cultivo na área é crime ambiental.
A Syngenta alega que não praticou nada ilegal e que o cultivo foi liberado pelo Ibama. A empresa reclama que os invasores levaram porcos, gado e cavalos e que estão danificando as plantações experimentais. Também estão retirando madeira da área de preservação ambiental de 50 hectares para construir barracos.
Cinco dias após a invasão, a companhia obteve na Justiça a reintegração de posse. O juiz concedeu mais cinco dias para a desocupação pacífica. Vencido o prazo, o governador do Paraná, Roberto Requião, deveria ser notificado para determinar a desocupação com força policial. "O juiz levou quase três meses para conseguir entregar a notificação ao governador", diz Rugeroni. "A demora preocupa muito as companhias que atuam no agronegócio, pois demonstra que falta segurança jurídica no País, o que é um grande problema para os investidores".
Ele cita outros casos semelhantes, como o da Aracruz e da Monsanto, que também enfrentaram invasões recentes de agricultores. A Monsanto teve sua unidade experimental de pesquisa ocupada pelo MST em Ponta Grossa, no Paraná, em 2003. A Aracruz teve o seu laboratório e viveiro invadido este ano em Barra do Ribeiro (RS). No caso da Monsanto, a espera para recuperar a posse foi de um ano e seis meses.
Algumas semanas depois da invasão da Syngenta, um grupo de associações empresariais ligadas ao agronegócio e as principais empresas do setor procuraram o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Manifestaram preocupação sobre a sensação de falta de segurança para os investidores. "O ministro concordou que é necessário defender a pesquisa e a inovação, mas poderia ter feito uma crítica mais explícita aos invasores", diz o executivo da Syngenta.
Rugiero diz que a invasão é um caso emblemático. "O episódio causa um grande constrangimento entre as empresas de agronegócio. Se essa situação avança, estou seguro que muitas empresas vão repensar seus investimentos no Brasil", diz Rugiero.
Rugeroni reclama que é difícil explicar para a matriz suíça como funciona a Justiça no Brasil. "Eles nos dizem o óbvio: por que as autoridades não resolvem isso?"
Um dirigente da matriz já esteve em São Paulo para iniciar a discussão sobre o futuro da filial brasileira. "A primeira decisão que devemos tomar é se vamos continuar a trabalhar no Estado do Paraná. Hoje, não há muita vontade de continuar. Não temos uma defesa do governador a respeito da defesa das leis, que existem, mas não são cumpridas".
A empresa estuda a possibilidade de transferir as pesquisas para Rio Grande do Sul, São Paulo ou Mato Grosso. Outra alternativa é fechar a estação. "Vamos continuar brigando para recuperar a nossa área, pois o direito à propriedade é assegurado pela Constituição".
O diretor geral da Syngenta conta que tentou visitar a área junto com pesquisadores. Temendo ser tomado como refém, preferiu não se identificar. Chegou ao portão de entrada mas foi impedido de entrar. Nos mandaram embora e começaram a gritar Via Campesina, Syngenta assassina. Pareciam torcedores do Corinthians", exagera o diretor da multinacional.
Via Campesina diz que ocupou área para denunciar plantação ilegal
A coordenação nacional do movimento A Via Campesina, organização internacional de pequenos agricultores, acusa a Syngenta de desrespeitar as leis ambientais do País e promete resistir na área, que pretende transformar numa espécie de parque de preservação de espécies nativas.
"A Syngenta atropelou a lei brasileira que proíbe experimentos com transgênicos em áreas próximas aos parques nacionais, numa faixa de proteção de dez quilômetros chamada zona de amortecimento", disse Roberto Baggio, integrante da coordenação nacional do Movimento dos Sem-Terra (MST) e da Via Campesina. "A área de pesquisas da Syngenta fica a quatro quilômetros do Parque Nacional do Iguaçu, que já foi declarado pela Unesco como patrimônio da humanidade. Isso é um ato criminoso, agravado pelo fato de não terem autorização da Cntbio, nem do Ibama", diz Baggio.
Segundo o Baggio, as famílias que ocupam a área da empresa já começaram a plantar árvores nativas da região. "Vamos recuperar a biodiversidade e amenizar os impactos negativos dos experimentos", disse ele. A Via Campesina conta com o apoio de organizações como o Greenpeace.
Por Cley Scholz, O Estado de S. Paulo, 03/07/2006.
http://www.estado.com.br/editorias/2006/07/03/eco-1.93.4.20060703.18.1.xml
http://www.estado.com.br/editorias/2006/07/03/eco-1.93.4.20060703.20.1.xml