De carona no nacionalismo movediço insuflado pela Copa do Mundo de futebol, a Universidade de Brasília (UnB) promoveu, há três semanas, seminário com o seguinte tema: “O Brasil que deu certo: em terra, no mar e no ar”, como parte do Fórum Brasil em Questão, ciclo de debates sobre temas relacionados com a relação entre a universidade e as eleições presidenciais.
Foram convidados para a mesa representantes de três empresas: Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Petrobras e Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer), que desenvolvem atividades, respectivamente, “em terra, no mar e no ar”.
Aliomar Silva, assessor do presidente da Embrapa, exaltou conquistas da empresa estatal criada em 1973: o avanço das pesquisas que permitiram a garantia de abastecimento interno, as cifras significativas no campo da exportação de gêneros agrícolas nos últimos anos e o domínio sobre as últimas novidades na área de produção em áreas tropicais – ainda que haja desafios inconclusos como a apropriação da tecnologia por parte dos agricultores familiares e o aumento de produção sustentável de alimentos (por causa do crescimento da demanda populacional) em termos socioambientais.
Já o gerente executivo de Desenvolvimento de Sistemas de Gestão da Petrobras, Irani Varella, fez um breve relato de como a empresa se tornou a sétima maior empresa petrolífera de capital aberto (com ações na bolsa) do mundo. A chave do sucesso, garantiu Varella, foi o investimento em tecnologia aliado à necessidade da superação da dependência do petróleo, mesmo em períodos instáveis como nas crises dos anos 70 (1973 e 1979). “A estratégia de ir para o mar [para desenvolver a prospecção em águas profundas] mudou o destino da empresa e do País”, pontuou, ressaltando a cooperação das universidades no processo para que a Petrobras pudesse evoluir também na parte de refino do petróleo.
O modelo do Estado empreendedor e de empresas estatais estratégicas foi o motopropulsor, de acordo com Horácio Forjaz, vice-presidente executivo de Comunicação Empresarial Embraer, das conquistas da empresa aerospacial brasileira. Os esforços, lembrou ele, começaram ainda no pós-II Guerra Mundial, em 1946, com a criação do Centro Técnico da Aeronáutica (CTA), seguido pela inauguração do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em 1950. A primeira família de aviões veio em 1965, com o programa experimental IPD 6504, do avião Bandeirante e a Embraer foi instituída oficialmente apenas em 1969. A Embraer passou por graves crises a partir da década de 80, passou por um processo de privatização, e conseguiu se reerguer. Mantém hoje unidade fabril na China e unidades fixas nos EUA, em Portugal, na França e em Cingapura. Apenas cerca de 12 países têm domínio sobre o ciclo tecnológico completo de construção de aeronaves.
“São empresas que se salvaram do incêndio”, comentou o professor Dércio Munhoz, do Departamento de Economia (ECO) da Universidade de Brasília (UnB). As três passaram por situações complicadas – a Embraer, por exemplo, chegou a contrair empréstimos no mercado, como se não fosse uma empresa estatal, para garantir negócios - por conseqüência da destruição das políticas públicas de infra-estrutura estratégica. Um dos principais divisores de água, lembrou Munhoz, foi a assinatura do acordo de 1983 com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que determinou que investimentos em estatais deveriam ser contabilizados como déficit público. “Desde então, demos todo poder à tecnoburocracia”, resumiu.
Na opinião do acadêmico que mediou o debate sobre “O Brasil que deu certo”, a classe política não assumiu o poder com a redemocratização. “O primeiro presidente civil, José Sarney, não conseguia influenciar nas decisões da área econômica porque, a despeito de experiências interessantes, caiu na mão de ministros ligados ao sistema financeiro e ligados à especulação”. Munhoz cita um exemplo clássico: o presidente Sarney quis colocar no orçamento de 1989, uma verba para a estratégica ferrovia Norte Sul. O ministro da Fazenda, que já naquela época destinava verbas monumentais ao pagamento de juros, não pensou duas vezes em desautorizar publicamente o então presidente. Até hoje a prioridade aos pagamentos do sistema financeiro inviabiliza o País. “O Ministério da Fazenda e o Banco Central ditam as regras que influenciam todas as áreas, inclusive as empresas estatais. Há um estrangulamento de caráter político-administrativo que precisa ser superado. Para isso, o governo precisa ter força para se impor. Se o governo dá independência para o Banco Central praticar os juros que bem quer, faltam recursos no Orçamento”.
O processo de desestatização também foi imposto, de acordo com o professor, em grande parte pelo Banco Mundial, a partir do final dos anos 60, quando passou a exigir a formação de empresas organizadas como sociedade mista, com ações na bolsa, balanço contábil e política de preços, como condição para conceder financiamentos na área de infra-estrutura. “Hoje, curiosamente nós temos empresas na área energética que não morreram, como a Eletrobrás, que são fundamentais porque o setor privado está em busca apenas de rendimentos altos”, observou. “Mas não há recurso para nada, visão estratégica nenhuma”.
Janela de oportunidade
Não é bem assim, garantiu o secretário-geral do Núcleo de Assuntos Estratégicos (NAE), Coronel Oswaldo Oliva Neto. O NAE, guiado pelo ex-ministro Luiz Gushiken, é um braço da Presidência da República e vem desenvolvendo o projeto estratégico de longo prazo batizado de Brasil 3 Tempos. São três datas-referência: 2007 – início do projeto, 2015 – prazo definido pela Organização das Nações Unidas (ONU) para os Objetivos de Desenvolvimento Milênio, e 2022 – comemoração dos 200 anos da Independência do Brasil.
O trabalho do Brasil 3 Tempos advém da interação entre a percepção da sociedade com a visão de especialistas e está dividido em duas vertentes. A primeira delas busca atender demandas internas específicas – no momento, está em curso um esforço específico voltado para a qualidade da educação básica - e a outra diz respeito a janelas de oportunidade. “O desafio que o projeto lança é o seguinte: o que nós temos que fazer até 2022 para que, quando chegarmos lá, nós e o mundo nos vejamos como uma nação desenvolvida”, explicou Oliva, em entrevista exclusiva à CARTA MAIOR ( Diferencial do Brasil está no agronegócio, defende secretário do NAE).
Na categoria de janela de oportunidade – na qual se encaixam bem os exemplos de Embrapa, Petrobras e Embraer - uma questão em especial está sendo trabalhada com maior atenção: os biocombustíveis, para o qual Oliva Neto não descarta, em última instância, até a criação de uma nova estatal, caso a Petrobras não assuma esse papel. Dentro de uma década, a produção máxima de petróleo no mundo será atingida. “Deverá ser uma fase de tensão internacional muito grande”, projetou o secretário-geral do NAE.
Existem três fontes principais de biocombustível: o etanol, o biodiesel e o H-Bio. O biodiesel, segundo Oliva, é um grande programa com uma “vertente social muito forte”, pois viabiliza a produção na região do Semi-Árido Nordestino, mas esbarra em limites incontestáveis. “A viabilidade econômica do biodiesel não sinaliza para um projeto de escala”, colocou.
O H-Bio é um projeto de uso de óleo vegetal para produção do diesel. De forma inovadora, a Petrobras desenvolveu uma mistura de óleo vegetal direto com o óleo cru e fez o refino. Esse refino gera o óleo diesel e gera como subproduto o gás de cozinha. “Esse produto tem uma lógica de mercado e tem uma escala. Os testes iniciais foram feitos com soja – produto que gera o maior volume de óleo no País -, mas não impedem que outras oleaginosas sejam utilizadas”.
A principal aposta estratégica do NAE, contudo, se volta para o etanol, oriundo da cana-de-açúcar. Adicionado à gasolina, o etanol pode reduzir parcialmente o consumo do combustível. “Em se tratando de etanol, somos imbatíveis no mundo”, definiu o coronel Oliva. Mesmo a agricultura dos EUA, segundo ele, padece ainda de dificuldades para competir com os brasileiros por causa da grande diferença no custo de produção.
Matéria publicada no diário norte-americano The New York Times, no último dia 25 de junho, vai de encontro às condições pré-concebidas pelo NAE. O texto focaliza um “boom do etanol” que estende do Tennessee a Kansas. Dúzias de fábricas que transformam milho em etanol estão se espalhando pelo interior dos EUA. As perspectivas de lucro têm atraído cooperativas de pequenos agricultores, fundos do sistema financeiro e até investimentos de multimilionários como Bill Gates, dono da Microsoft.
Antes “sonho verde dos ambientalistas”, o etanol está no centro da “corrida pelo ouro dos dias de hoje”. Três são os fatores fundamentais que sustentam essa corrida: os subsídios governamentais, a demanda real (etanol como suplemento para a gasolina), e a mistura potente da sagacidade dos fazendeiros com as perspectivas de produção (o lucro com etanol cresceu mais de 100% em menos de dois anos).
A explosão do produto, relata a matéria, colocou duas gigantes em lados opostos. Executivos da Cargill têm ressaltado que conseqüências involuntárias que não estão sendo consideradas e que a produção de combustível em larga escala pode resultar em aumento dos preços dos alimentos para os consumidores, bem como a transformação de vastas áreas preservadas em plantações. A Archer Daniels Midland (ADM), por sua vez, é pioneira na produção de etanol desde os anos 70 e segue apostando alto no comércio do produto.
O boom do etanol dos EUA sofre, porém, com limitações. Para atingir o patamar de 50 bilhões de galões por ano (meta para auto-abastecimento), será preciso ocupar metade da área agricultável dos EUA e o custo do etanol brasileiro a partir da cana-de-açúcar, permanece com um custo menor em cerca de 30%. Por ora, o etanol já provocou, segundo o jornal The New York Times, uma mudança da economia rural dos EUA. Para 2008, a produção deve aumentar 30% e – oito bilhões de galões ao ano. E nos próximos 12 meses, 39 plantas industriais sairão do papel, número suficiente para que a produção norte-americana supere a brasileira.
Por Maurício Hashizume, Carta Maior, 03/07/2006.
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