Responsabilidade social, ambiental e muito charme (Artigo)
2006-07-03
Independente da categoria de um hotel ou pousada, a expectativa do hóspede contemporâneo, ultrapassa o desejo de encontrar uma cama confortável, um ambiente limpo e um bom café da manhã. Ele busca algo de novo, uma experiência inesquecível. Algo que possa transformá-lo, que seja marcante em sua vida. Quer aprender, descobrir e interagir.
Um fator determinante para os viajantes tem sido a questão ecológica, que já não é apenas modismo e tampouco caracteriza exclusivamente os atrativos naturais dos destinos. Cada vez mais, em todo o mundo, um grande número de clientes toma suas decisões de compra e escolhem os hotéis que vão se hospedar com base em conceitos ambientais.
Atualmente, engajar-se à proposta de um mundo melhor, mais verde, humano e sadio, virou uma prática coletiva, através da qual busca-se garantir o equilíbrio ecológico e social condizente à realidade de cada sociedade. E, também, dentro do enfoque turístico, destacamos a preferência por produtos e serviços comprometidos com o meio ambiente, sem esquecer, é claro, do engajamento social. Nesse contexto, não somente como cidadão mas, sobretudo, enquanto personagem ativo nas relações humanas, o profissional do turismo se vê na necessidade de acompanhar a evolução do pensamento holístico, equiparando-o às tendências mercadológicas, uma vez que os termos desenvolvimento sustentável e turismo sustentável estão intimamente interligados, pois tanto um como o outro depende da preservação da viabilidade de seus recursos. Os profissionais precisam estar atentos para não ficarem presos ao discurso e, sim, aplicarem os conceitos sócio-ambientais na prática diária em todas as suas atividades. Dessa forma, vai estar na frente quem se diferencia e agrega autenticidade cultural, respeito ao meio ambiente, inclusão social da comunidade local e promoção de contínua viabilidade econômica.
Percebemos que o setor de serviços tem passado por grandes transformações, com clientes cada vez mais experientes, viajados e exigentes, o que demanda a individualização dos serviços. O conceito de alto padrão de qualidade está ultrapassado, ou seja, qualidade é condição mínima e nem se questiona. Já não é diferencial suficiente para atrair clientes. É preciso proporcionar experiência ou impacto positivo, que deixe emoções. Conforme Chieko Aoki, renomada empresária da Rede Blue Tree Hotels, é preciso “tocar a alma do cliente”.
Assim, a hotelaria, enquanto segmento no qual predomina a prestação de serviços, deve conhecer e aprofundar a dimensão do seu papel na sociedade transformando o meio de hospedagem, que seria um simples equipamento de apoio, em um artifício para conquistar seu cliente, ou melhor, sensibilizá-lo, encantá-lo.
Aqui falamos em agregar valores, o que simbolicamente, poderíamos interpretar como lapidar um diamante bruto. Aproveitando a inspiração da natureza, tomaremos como exemplo uma preciosidade encontrada na Chapada Diamantina, coração da Bahia e um dos mais belos cenários naturais do Brasil. Preciosidade esta, exclusiva e única, que lapidada com muito carinho durante duas décadas se transformou em um empreendimento de sucesso que soube aliar charme, conforto e um atendimento especial com preservação da natureza e um expressivo engajamento com a comunidade em seu entorno.
Estamos falando do Hotel Canto das Águas, situado às margens do rio Lençóis. Não foi por acaso, que este empreendimento de 44 leitos tornou-se membro da Associação de Hotéis Roteiros de Charme. Há quatro anos o hotel compartilha com a filosofia desta entidade privada e sem fins lucrativos que, além de ser uma referência de requinte, qualidade e responsabilidade sócio-ambiental, é uma grife da hotelaria brasileira, da qual atualmente 44 empreendimentos se orgulham de fazer parte. Vale lembrar que os membros desta associação são independentes e mantém seu estilo peculiar, o que é exatamente um dos seus atrativos mais marcantes. Além da localização privilegiada, o que os une é o empenho em praticar a arte da hotelaria buscando um objetivo comum e não o conflito entre a preservação do meio ambiente e a sobrevivência da empresa hoteleira. A Associação desenvolveu e pratica um Código de Ética e Conduta Sócio-Ambiental, pioneiro em meios de hospedagem no Brasil. Além de ser uma iniciativa exemplar, é de extrema importância, uma vez que a maioria de seus hotéis está localizada em ecossistemas frágeis e, daí a necessidade de um contínuo e sólido programa ambiental.
Outra característica da Associação Roteiros de Charme é a presença ativa dos proprietários no dia-a-dia dos hotéis. A caráter, revelam ambientes familiares muito acolhedores, como se fosse a extensão da própria casa e deixam seus hóspedes à vontade os tratando com muita atenção e carinho.
Ao definir turismo sustentável, o simpático casal de proprietários do Hotel Canto das Águas, Catan e Yasmin, declaram ser algo que vai muito além de esmagar latinhas...fazendo questão de privilegiar o bem – estar do ser humano. Basta observar o quadro de colaboradores, cujo índice é praticamente 100% oriundo da comunidade receptora local, incluindo os cargos de gerência.
A missão do Canto das Águas, enquanto empresa, é cuidar do seu hóspede e promover um turismo ecológico e sustentável na Chapada Diamantina. Por isso, compartilha com todos, entre hóspedes e funcionários, seus cuidados ambientais, em dispays caprichosamente confeccionados em papel artesanal, exibidos em cada apartamento e setor. Quanto à educação dos colaboradores em princípios construtores de consciência ambiental, podemos citar alguns encontros promovidos para discussão dos mais variados temas. Mesmo que estes sejam direcionados à parte operacional, sempre se procura uma ligação com a realidade local e ambiental.
Um bom exemplo foi um curso de capacitação, intitulado Atendimento Eficaz, no qual encontrou-se um tempinho para convidar uma representante de uma ONG da cidade para conversar a respeito da água no planeta, em Lençóis, e conseqüentemente, da água no hotel. A idéia é envolver todos no programa ambiental do Canto das Águas, o que gera auto-estima do colaborador e vontade de participar das ações, uma vez que ele compreende que o sucesso depende dele também e que, se as práticas ambientais são boas para o hotel, são melhores ainda para a natureza. Sob a visão macro, leva-se a mensagem de preservação ambiental às suas famílias e vizinhos. Por outro lado, não se trata de um mega programa social, mas basicamente, de atitudes singelas com grande resultado prático a exemplo da diminuição de desperdícios de materiais, reutilização e reciclagem. Concursos ecológicos também são promovidos e aceitos pela equipe. A premiação é bem vinda, sem dúvida, mas a participação parece ser mais estimulante.
Destacamos também o incentivo e o financiamento de 50% em cursos de idiomas para os funcionários, o que reflete a valorização dos colaboradores.
Ao comentarmos o charme que caracteriza o hotel, sem dúvida, imaginamos o cuidado em cada detalhe na decoração e muitas peças de artistas locais. Entretanto, o mais emocionante é reconhecer que a beleza traz alegria também aos bastidores, na forma de simpáticos informativos e objetos utilitários que colorem e adornam todas as áreas por onde circulam apenas a equipe interna.
Hospedar-se no Canto das Águas é um estímulo para exercitar todos os sentidos do corpo humano. Neste momento, lembramos do saboroso e farto café da manhã, servido em duas longas mesas de vidro, que exibem as maravilhas preparadas com carinho e produtos da região, estrategicamente posicionadas no meio de um amplo salão. Os mais atentos podem descobrir enormes bateias de madeira (utensílios utilizados no garimpo), relíquias vivas da época da extração de diamantes, que presenciaram junto à sociedade lençoense, certamente, toda a aventura, o luxo, a prosperidade e também a decadência em meados do século XIX.
Desajunar às margens e ao som do rio Lençóis é uma bênção de Deus. E é exatamente neste local que se entende o verdadeiro sentido do canto das águas....Ah, os ovos são do quintal de um funcionário e ficam expostos em uma cestinha....Você é convidado a escolher pessoalmente seu ovo e dizer ao garçom exatamente como o deseja. Não custa lembrar que aqueles ovos foram chocados por galinhas que, por sua vez, haviam sido alimentadas por resíduos cuidadosamente separados na cozinha do restaurante e que o colaborador trata de levar diariamente para sua casa. Todos os dias, ao término do café, uma representante da creche local vai buscar os itens fresquinhos que sobraram e são acondicionados em embalagens apropriadas e que serão consumidos imediatamente pelas crianças.
Ainda passeando pela gastronomia, que é divina, além da beleza visual dos pratos, fica a lembrança, sem dúvida, inesquecível, dos cardápios, verdadeiras obras de arte. Poderíamos falar da peculiaridade estética da apresentação encadernada em papel reciclado com aplicações em retalhos pela cooperativa local, exaltando a cultura popular. Porém, o charme, desta vez, fica por conta da primeira página que nos oferece um texto personalizado, destacando o nome de cada cozinheira e garçom, anunciando o imenso prazer que aquela equipe tem de levar sabor e beleza à mesa de cada um.
Fala-se muito na capacitação da mão-de-obra, principalmente a local, em melhorias na infra-estrutura, em toda a rede de serviços dos destinos turísticos, no desejado equilíbrio entre oferta e demanda, mas muitas vezes não abordamos a educação do turista. Neste hotel, por mais que se vivencie uma hospedagem de conforto e de satisfação plena das expectativas, o hóspede ainda percebe que pode aprender muito em apenas alguns dias naquele espaço e com aquelas pessoas que tão bem o recebem. Sem dúvida, o aprendizado é mútuo, cujo reflexo destaca um sadio intercâmbio cultural. Um exemplo como este, não deixa de ser um impacto positivo que o turismo pode e deve trazer à sociedade e ao meio ambiente que está inserido.
Sua filosofia ainda contempla o comprometimento de auxílio a vários projetos comunitários, que é expressivo, bem como a prioridade à indicação de guias locais e o apoio à brigada de combate a incêndios florestais. Entretanto, não poderíamos deixar de mencionar algumas ações diretas na esfera ambiental, como o cuidado com a contaminação da água, a exemplo do uso de produtos biodegradáveis na lavanderia e a piscina ionizada. O Canto das Águas também desenvolveu um projeto paisagístico de recuperação da mata ciliar na qual foram inseridas várias espécies da vegetação nativa. Embora, a limpeza regular do rio Lençóis seja uma prática corretiva de muitos anos, depositou-se energia no projeto da mata original, que mesmo sendo a longo prazo, indica ação preventiva. A bio-compostagem, hoje já é uma realidade e dá gosto de ver quem cuida do jardim, alegre ao observar os resultados significativos com o novo adubo. A arquitetura também é admirável e facilmente identificamos os cuidados com o aproveitamento da luz natural nos ambientes. Gradualmente, também se intensificou o uso da tecnologia de luz solar que atinge 100% dos aquecedores para banho nos quartos.
Não poderíamos concluir sem falar da coleta seletiva do lixo, que embora não seja totalmente eficaz, principalmente devido à dificuldade externa encontrada nas limitações públicas de manejo e destino dos resíduos sólidos, internamente, o hotel tem se preocupado, inclusive, com a redução de embalagens descartáveis. É realmente, muito simpática a bolsinha confeccionada de algodão cru, com bordados personalizados e um guardanapo quadriculado ao estilo piquenique, que neste caso, é realizado no Parque Nacional da Chapada Diamantina. Ao solicitar e saborear a merenda de trilha, como foi patenteada, percebe-se o carinho, a atenção e o bom gosto em toda a cadeia de elaboração deste produto exclusivo. Cada item da merenda é embalado em recipientes que devem retornar com a bolsinha e ser entregue à recepção.
O encantamento é mesmo uma experiência única e jamais esquecida por quem desce os degraus em direção à recepção do Canto das Águas...A fragrância de cedro, um óleo essencial produzido por um fornecedor da região penetra tanto na madeira reaproveitada quanto na alma eternizando-se em nossa memória olfativa.
Aliás, todos os sentidos aqui descritos foram, de fato, vivenciados pela autora e permanecem vivos na lembrança de quem teve o privilégio de ouvir o canto das águas. Dádiva de quem compreende que no Canto, a natureza canta e aplaude.
Por Gabriela de Mello, bacharel em turismo e especialista em turismo e antropologia.
Foi hostess e coordenadora ambiental do Hotel Canto das Águas, em 2002 / 2003 e atualmente, é responsável pelo departamento de reservas da Pousada Ilha do Papagaio (SC), também membro da Associação Roteiros de Charme.