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2006-07-03
As experiências de manejo florestal comunitário nos países que integram a Amazônia são ineficientes, não atendem aos interesses das comunidades tradicionais da região, que só obtêm poucos benefícios e de forma indireta, além de estarem fadadas ao fracasso. Por outro lado, as comunidades dependem da relação paternalista dos madeireiros e na outra ponta, das Organizações Não-Governamentais (ONGs). O resultado é a desmobilização dos povos tradicionais da Amazônia. Em grande parte a proximidade com o setor madeireiro e com as ONGs impossibilita a mobilização local e mina a capacidade de organização de modelos próprios de desenvolvimento sustentável, em detrimento dos modelos oficiais impostos pelo Estado. Cada mais estes povos dependem das regras impostas, alheias as suas tradicões.

Estas são as conclusões prévias do projeto de pesquisa “ForLive”, que estuda o uso florestal por comunidades amazônidas na Bolívia, Peru, Brasil e Equador e que está sendo realizado desde o início de 2005 por uma equipe de 50 estudantes de vários países do curso de doutorado em Meio Ambiente da Universidade de Freiburg, na Alemanha. A pesquisa está sendo realizada em parceria com a Universidade Rural da Amazônia (Ufra) e Instituto do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e é liderada pelo estudante paraense Gabriel Medina, 26, natural de Altamira. Algumas entidades locais também contribuem com a pesquisa, como é o caso da Fundação Viver Produzir e Preservar (FVPP), Comitê de Desenvolvimento de Porto de Moz, Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Medicilância e outros.

Uma das constatações do grupo de pesquisadores é que as relações entre as comunidades da Amazônia são semelhantes nos quatro países, onde prevalecem o atrelamento econômico dos povos tradicionais aos madeireiros e em parte às ONGs, que, na maioria das vezes, são financiadas por capital internacional.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em toda a Amazônia brasileira, apenas 46 comunidades praticam manejo florestal formal, determinado pelo próprio órgão. Na visão dos pesquisadores, esta é uma constatação de que as comunidades locais não se adaptam ao modelo econômico imposto. Gabriel Medina explica que além de cara - a contratação de engenheiro agrônomo para elaborar um projeto de manejo custa em média R$ 3 mil -, o processo de autorização dos órgãos públicos é muito burocrático e não atende às reais necessidades dos povos que habitam a região.

O resultado é a constatação de que 99% dos projetos implantados na Amazônia estão ilegais, ou seja, não atendem às exigências dos órgãos que regulam o trato com o meio ambiente no País. Os projetos legais que se mantêm são dependentes de capital externo da região e quando são descapitalizados pelas entidades que os financiam não assimilam capacidade de auto-sustentação. “O modelo está errado. As comunidades precisam ser ouvidas. O modo de trato com a floresta dos povos tradicionais deve ser respeitado por madeireiros, ONGs e governos. É a única forma para que os projetos realmente se tornem sustentáveis”, define Medina.

As primeiras conclusões do projeto já foram debatidas com representantes de entidades de agricultores em Altamira no mês de junho. Outros dois ciclos de debates estão programados para Santarém e Belém, ainda este ano. A intenção dos pesquisadores, segundo Gabriel Medina, é discutir com os produtores familiares o papel da floresta em seus meios de vida, a partir de suas perspectivas.

Famílias na miséria
Apesar da riqueza madeireira da Amazônia, em especial do Pará, as comunidades tradicionais que lidam há séculos com os recursos florestais continuam vivendo na miséria, já que as relações continuam paternalistas, onde as empresas madeireiras usam a mão-de-obra local de forma quase gratuita e pagam um preço vil pela madeira. No município de Porto de Moz, um dos grandes pólos de exploração madeireira nobre da Amazônia, uma árvore de cedro, por exemplo, com cerca de 200 anos de existência, é comprada por R$ 25 às famílias de trabalhadores rurais. Na Amazônia peruana, o preço que a indústria madeireira paga pela derrubada da floresta nobre é ainda mais desolador. Os pesquisadores constataram que o valor pago aos trabalhadores pelo corte de uma árvore de ipê não passa de R$ 6.

Claro que os preços são impostos pelos compradores. Segundo o coordenador da pesquisa, ao negociar com grupos mais fortes, a melhor arma dos fracos é evitar conflitos diretos e buscar benefícios indiretos. “Nestas relações, o modelo de manejo florestal foi sempre definido pelos madeireiros: espécies a serem extraídas, número de árvores, diâmetro das árvores, formas de transporte, enfim, toda a relação”, explica Gabriel Medina. Tem sido assim, no Brasil e em todo o resto da Amazônia peruana, boliviana e equatoriana.

Modelo é ineficiente
A pesquisa avalia a política de ocupação da Amazônia entre os anos 1960 e 1980, quando os governos militares dos países pesquisados promoveram políticas para atrair capital externo, visando a ocupar a região. A partir da década de 1990, mudou o modelo das políticas públicas, mas a ineficiência continuou. Apesar do discurso oficial de auto-sustentação dos projetos florestais, a constatação é que os benefícios econômicos recebidos pelas comunidades estudadas são muito pequenos, em geral, restritos a algumas famílias. “Como normalmente a floresta é considerada um recurso de uso comum entre as comunidades amazônidas, algumas famílias fazem a extração da madeira ou negociam os direitos da extração com os madeireiros e recebem o pagamento de forma individual. A madeira de valor é toda retirada em poucos anos e logo o pólo madeireiro migra para novas fronteiras”, especifica a pesquisa.

Em todos os casos estudados, aponta o coordenador do projeto, as relações são paternalistas, onde os madeireiros oferecem alguns favores em troca da madeira, como aviamento de mercadorias, que acabam se tornando créditos adiantados pela troca da madeira.

Apesar da pesquisa não estar ainda concluída, os pesquisadores já defendem que o manejo florestal comunitário é a forma ideal de desenvolvimento da Amazônia, em especial, nas áreas de reservas extrativistas (resex) e os Planos de Desenvolvimento Sustentável (PDS), projetos defendidos pela missionária Dorothy Stang, assassinada em 2005 por fazendeiros por defender a organização das famílias de trabalhadores para usar a floresta de forma sustentável.
Por Aline Brelaz, O Liberal-PA, 02/07/2006.
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