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2006-07-03
Da mesma forma que seus antecessores, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva também não conseguiu fazer a transposição das águas do Rio São Francisco para Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco. As obras da transposição - idealizada pela primeira vez no século 19 - não podem mais ser iniciadas no atual mandato de Lula, por causa da Lei Eleitoral. Agora, o projeto vai depender de quem for eleito em outubro.

A transposição recebeu, no atual governo, o nome de integração de bacias e era o principal projeto de investimento do presidente. A nova versão do programa pretendia levar água para uma região do semi-árido nordestino habitada por 12 milhões de pessoas, a um custo de R$ 4,5 bilhões, em sua primeira fase. Ao fim de três anos e meio de governo, Lula gastou pouco mais de R$ 100 milhões com o projeto, segundo dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi).

Os conflitos de interesses entre os Estados banhados pelo São Francisco e os que receberiam a água foi o principal motivo da paralisação do projeto. Os Estados que fazem parte da bacia do Velho Chico alegam que tirar 26,4 metros cúbicos de água por segundo do rio, como prevê o projeto de transposição, significa esgotar a possibilidade de eles desenvolverem novos projetos econômicos para utilizar seus recursos.

Atualmente existem 15 ações no Supremo Tribunal Federal que impedem o início das obras. Do total, 14 estão com ministro Sepúlveda Pertence e uma com o ministro Joaquim Barbosa. Ainda não há data para o julgamento dessas ações, mas o assunto agora só poderá voltar à pauta do Supremo depois do recesso de julho do Judiciário.

O projeto de transposição já tinha obtido, da Agência Nacional de Águas (Ana), a outorga de direito de uso da água e o certificado de avaliação de sustentabilidade da obra e poderia ter sido iniciado ainda em 2005, não fosse a batalha jurídica. A situação mais tensa ocorreu em outubro do ano passado, quando o bispo da diocese de Barra (BA), d. Luiz Flávio Cappio, entrou em greve de fome para suspender o início das obras da transposição.

A atitude do bispo comoveu o País e o governo foi obrigado a rediscutir o projeto. Lula chegou a recebê-lo em audiência no Palácio do Planalto. Prometeu que o governo voltaria a discutir o assunto com a sociedade. No início deste mês, por exemplo, será realizado um seminário em Brasília com a participação de d. Cappio, com o objetivo de debater soluções para o problema do semi-árido nordestino.

"A questão é o semi-árido, e a transposição é apenas um item do seminário", ressaltou o bispo de Barra. Ele continua contrário à transposição. "Quem conhece o projeto não pode ser favorável a ele", afirmou. D. Cappio espera que o próximo presidente "tenha um mínimo de bom senso e não comece o seu governo com uma obra tão polêmica".

O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) também é contrário ao projeto e não vê razão para mudar de opinião. "Houve uma deliberação do comitê contra o uso externo das águas do São Francisco para outros fins que não sejam o abastecimento humano e animal", disse a coordenadora-executiva do CBHSF, Yvonilde Medeiros. A maioria dos opositores acredita que o objetivo da transposição é garantir água para projetos de irrigação e outros empreendimentos privados no Ceará, na Paraíba e no Rio Grande do Norte.

Pelo projeto, a captação de 26,4 metros cúbicos de água por segundo do São Francisco será feita entre as barragens de Sobradinho (BA) e Itaparica (PE), por meio de dois sistemas independentes. O eixo norte, com aproximadamente 402 quilômetros, e o eixo leste, com cerca de 220 quilômetros. Em 2005, o governo incluiu no Orçamento Geral da União um montante de R$ 446 milhões para a obra, mas gastou apenas R$ 98,4 milhões.

Na perspectiva de que a transposição fosse iniciada este ano, o governo autorizou o empenho, ao apagar das luzes de 2005, de cerca de R$ 400 milhões para a obra. Além disso, incluiu no orçamento de 2006 uma verba de R$ 429 milhões. Em tese, o governo poderia utilizar mais de R$ 800 milhões na obra este ano. Mas teve de adiar o projeto por causa da Lei Eleitoral. O ministro da Integração Nacional, Pedro Brito, não quis falar sobre o novo adiamento do projeto.

Atraso criou ansiedade nos Estados ribeirinhos
O atraso na liberação das verbas orçamentárias deste ano para os programas de revitalização e recuperação do Rio São Francisco foi uma novela que criou ansiedade nas administrações dos Estados que fazem parte de sua bacia e de entidades ligadas ao meio ambiente. O governo Lula culpou o Congresso por ter aprovado o orçamento de 2006 apenas em maio.

Na primeira semana de junho, o Ministério da Integração Nacional tinha autorizado o empenho de somente 28% da verba orçamentária destinada às obras de recuperação e revitalização do Rio São Francisco e apenas 0,6% dos recursos destinados ao reflorestamento de nascentes, margens e áreas degradadas do Velho Chico, segundo dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi). A autorização de empenho é o primeiro passo para o gasto.

Na mesma época, o Ministério do Meio Ambiente, por sua vez, tinha autorizado somente 0,4% da verba do programa de recuperação e preservação da bacia do rio. "O governo federal não pode ser responsabilizado por essa situação, pois o orçamento só foi aprovado pelo Congresso em maio", rebateu o secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, Cláudio Langone. "A questão não é de deficiência de execução, pois o orçamento abriu muito tarde", defendeu-se.

O governo federal não conseguiu aprovar nenhum dos 12 projetos de recuperação e preservação, apresentados de acordo com os planos definidos para a bacia do São Francisco, segundo a coordenadora-executiva do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco (CBHSF), Yvonilde Medeiros. "A justificativa é sempre o atraso na aprovação do orçamento", disse ela. Outros quatro projetos apresentados pelo governo de Pernambuco também ficaram aguardando deliberação.

Mas todas as expectativas foram sepultadas desde ontem, quando começou a vigorar o prazo em que o governo federal fica proibido de fazer transferências voluntárias de recursos para Estados e municípios, por determinação da Lei Eleitoral. O desenlace ocorreu sem que o Ministério do Meio Ambiente tenha conseguido viabilizar a execução dos projetos e a liberação de R$ 15 milhões para avançar com a obra, a despeito de ter criado uma força-tarefa para tentar tornar os projetos operacionais até o dia 30 .R.O.
Por Ribamar Oliveira e Mariângela Gallucci, O Estado de S. Paulo, 02/07/2006.
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