A política ambiental no Mato Grosso, um ano depois da operação Curupira
2006-07-03
Em entrevista ao ISA, o secretário de Meio Ambiente do Mato Grosso, Marcos Machado, faz um balanço sobre a atuação de sua pasta um ano depois da operação Curupira, que desbaratou a maior quadrilha de comércio ilegal de madeira da Amazônia. Machado fala sobre as mudanças propostas em sua gestão, desmatamento, o sistema de licenciamento ambiental estadual e sobre a campanha ´Y Ikatu Xingu.
Nos dias 2 e 3 de junho do ano passado, a Polícia Federal em articulação com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) desencadeou a maior operação policial contra o comércio ilegal de madeira na história do País, a chamada operação Curupira. Foram presas mais de 80 pessoas e indiciadas mais de 200, acusadas de retirar e vender ilegalmente quase 2 milhões de metros cúbicos de madeira. O esquema funcionava há mais de 14 anos, com a falsificação de documentos de Autorização de Transporte de Produtos Florestais (ATPFs) e contava com ajuda de madeireiros, empresários, despachantes, contadores e funcionários do próprio Ibama no Pará, Rondônia, Amazonas, Santa Catarina, Paraná, Distrito Federal e, principalmente, no Mato Grosso. Em agosto, a PF realizaria ainda a operação Curupira II, com objetivos semelhantes, tendo como alvo quadrilhas que atuavam em municípios de Rondônia e Mato Grosso.
No Mato Grosso, o presidente da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Fema), Moacir Pires, e o superintendente do Ibama, Hugo José Scheuer Werle, chegaram a ser presos. O comércio e transporte de madeira no estado, que contava com a participação de cerca de 430 empresas fantasmas, foi afetado pelas ações da PF porque o Ibama suspendeu por várias semanas a emissão das ATPFs. O fato provocou protestos de representantes da indústria madeireira e de vários prefeitos mato-grossenses.
A ação policial precipitou o processo de negociação que já estava em curso entre o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e o governo mato-grossense para transferir várias das atribuições de fiscalização e licenciamento ambiental do Ibama para a esfera estadual. A partir daí, o governo de Blairo Maggi (PPS) criou a Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema), que passou a realizar uma série de ações que, em tese, deveriam ser integradas com o Ibama. A Sema assumiu, de fato, várias responsabilidades, como as autorizações para planos de manejo florestal no estado, autorizações para circulação de madeira, autorizações para desmatamentos, fiscalização e controle de desmatamentos, dentre outras.
No âmbito da criação da nova secretaria e da assinatura do termo de gestão florestal compartilhada (Ibama-Sema/MT) foi criado o Comitê de Avaliação e Monitoramento da Gestão Florestal compartilhada. O comitê é composto por Sema, Ibama, GT Floresta do Fórum Brasileiro de ONGs, Fórum Mato-grossense para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, Federação dos Agropecuaristas do Mato Grosso e Federação das Indústrias do Mato Grosso.
Gestão florestal transparente
Na avaliação do Instituto Socioambiental (ISA), que integra o comitê representando o GT Florestas do Fórum Brasileiro de ONGs, embora haja avanços sensíveis na nova gestão, como por exemplo no diálogo com a sociedade e no fortalecimento institucional da secretaria, alguns dos principais problemas identificados na gestão anterior ainda não foram efetivamente resolvidos e precisam ser priorizados.
O primeiro deles é a necessidade de maior transparência na gestão florestal. Isso se daria por meio de disponibilização de acesso público, via internet, dos dados, imagens e informações sobre a emissão de autorizações de desmatamento, planos de manejo e licenças ambientais de imóveis rurais, assim como de desmatamentos ilegais e autuações florestais. Deste modo, a sociedade pode exercer seu papel de controle social da gestão. A Sema se comprometeu, durante a ultima reunião do Comitê da avaliação da gestão, a colocar na sua página na internet, até o início de junho deste ano, informações relevantes sobre o sistema de licenciamento ambiental em propriedades rurais do estado, conforme inclusive a própria legislação florestal estadual em vigor determina. Por problemas de ordem tecnológica, essas informações ainda não estão disponíveis em www.sema.mt.gov.br, embora hoje tanto o Ibama, como o Ministério Público Federal e o estadual já tenham acesso via internet ao sistema. Essas informações são essenciais para que a sociedade possa fazer a sua avaliação dos resultados da nova gestão a partir de indicadores objetivos e dados confiáveis.
Outro problema da gestão anterior e que ainda não está resolvido – e que fora identificado em estudo desenvolvido pelo ISA em parceria com o Instituto Centro de Vida do Mato Grosso - diz respeito à não responsabilização efetiva dos infratores da legislação florestal. Embora exista um incremento nas ações de fiscalização de campo, ainda não há uma estratégia articulada de ação de fiscalização com Ibama. E, ainda que haja um maior volume de autuações em relação aos anos anteriores - o que precisa ser confirmado pela Sema -, estas não resultam na responsabilização dos infratores. Dados da própria Sema, interpretados pelo ISA, sobre desmatamentos na bacia do Rio Xingu durante o biênio 2004-2005 revelam que, embora tenha havido um declínio nos desmatamentos totais na bacia da ordem de 15 % e redução dos desmatamentos em 8% nas propriedades cadastradas pela Sema, houve um incremento de 26% dos desmatamentos em reservas legais em propriedades cadastradas no sistema da Sema.
Questionado a respeito deste problema, o secretário Marcos Machado discorda da avaliação do ISA. No entendimento do secretário o que ocorre é que ou a propriedade está no cadastro, mas não obteve licença - portanto o desmatamento foi ilegal – ou o proprietário que obtém a licença ambiental desmata a extensão autorizada fora da área delimitada, mantendo a extensão de vegetação nativa correspondente à reserva legal em outra localização dentro da propriedade. Este ponto deve ser objeto de esclarecimento pela Sema no âmbito do comitê, mas tanto uma quanto a outra hipótese merece atenção especial para garantir a confiabilidade do sistema.
Desarticulação entre União e estados
Além disso, o Ibama e o Ministério de Meio Ambiente têm estado totalmente ausentes dos debates sobre a avaliação da eficácia da gestão florestal “compartilhada”. Um exemplo desta desarticulação é que o Ibama vem desenvolvendo há três anos um sistema próprio para controle da circulação de madeira, em substituição às extintas ATPFs, enquanto que o estado do Mato Grosso já desenvolveu e vem implementando um sistema próprio (Sisflora) de emissão e controle de guias florestais por ela emitidas que, ao que consta, é incompatível com o sistema do Ibama. Essa desarticulação vem causando problemas para o controle, por outros estados, da madeira oriunda do Mato Grosso. Isso porque o sistema do MT ainda não é reconhecido oficialmente pelo Ibama e por outros estados como São Paulo, por exemplo, grande consumidor de madeira da Amazônia brasileira.
A desarticulação entre os órgãos federais e os governos estaduais tem sido uma das principais lacunas identificadas pelo ISA nas ações do Plano Nacional de Combate e Prevenção aos Desmatamentos na Amazônia. Se a tendência, inclusive na própria legislação depois da aprovação da Lei de Gestão de Florestas Públicas, é a de descentralização da gestão florestal para os estados - ficando o Ibama com atribuições estratégicas e suplementares - então o papel dos estados nas ações de prevenção e controle aos desmatamentos na Amazônia é central. O governo federal ainda precisa apresentar uma avaliação sobre a eficácia desta descentralização para a solução dos desmatamentos na Amazônia, que se resumiram até agora às assinaturas de termos de gestão florestal compartilhada.
Todas estas lacunas vêm sendo apontadas pelo ISA e pelo ICV nas três reuniões do Comitê de Avaliação da Gestão Florestas compartilhada. Na próxima semana, no dia 7 de julho está agendada a próxima reunião do comitê, que contará com a presença da diretoria de proteção ambiental do Ibama. Na pauta, a discussão e avaliação das estratégias de fiscalização e responsabilização dos desmatamentos ilegais desenvolvidas pelo Ibama e Sema após a celebração do termo de gestão florestal compartilhada entre ambos.
Leia, a seguir, a entrevista com o secretário de Meio Ambiente do Mato Grosso, Marcos Machado, a pessoa escolhida por Blairo Maggi para coordenar todo o processo de transição da política ambiental no estado em meio ao verdadeiro terremoto político provocado pela Operação Curupira. Espécie de curinga na administração estadual, Machado, que é procurador de Justiça, já ocupou as pastas da Saúde e Segurança Pública no governo de Blairo Maggi. Na entrevista, Machado faz um balanço da atuação da Sema um ano depois das Operações Curupira I e II.
ISA - Na sua opinião, o que mudou concretamente com a criação da Sema em termos de prioridades e estrutura para a política ambiental no Mato Grosso?
Marcos Machado - Antes de tudo, uma cultura. A população mato-grossense reagiu às críticas nacionais e internacionais de que não havia responsabilidade ambiental no estado. Houve mobilização, articulação e discussão dos verdadeiros problemas ambientais no Mato Grosso. Governo, municípios e a entidades representativas do setor econômico, científico e ambiental ocuparam o novo órgão. Sugeriram, questionaram, apresentaram idéias e soluções. Mato Grosso efetivamente ingressou no Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama) e está simetricamente obediente à política nacional de Meio Ambiente. No estado, essa política está sendo construída com base em três vertentes: a científica, a institucional e a operacional. Tem por base a nova legislação aprovada e as parcerias governamentais e não-governamentais, entre estas a com o próprio ISA. Entre as prioridades: a aprovação do zoneamento sócio-econômico-ecológico; a regularização fundiária das unidades de conservação; o licenciamento ambiental rural, especialmente dos assentamentos; a descentralização do meio ambiente urbano.
Quais os principais resultados obtidos pela nova gestão?
Destacaria a organização e a ordem administrativa, em primeiro lugar. O sistema de tecnologia de informação da Sema prioriza a transparência, correções e segurança jurídica dos atos administrativos praticados pelo órgão. Em segundo plano, as ações de regularização de empreendimentos econômicos às normas ambientais, decorrente de termos de cooperação com municípios e da atividade fiscalizadora da Sema, que separou as unidades licenciadoras da unidade de fiscalização, fixando conceitos distintos entre estudo de impacto, inspeção, fiscalização de posturas ambientais.
Dados recentes do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) indicam uma queda nos desmatamentos no Mato Grosso nos últimos dois anos. No entanto, dados da própria Sema indicam que esta queda foi menos expressiva dentro de propriedades licenciadas pelo órgão, sendo que, na bacia do Xingu, houve aumento nos índices, em 2005, em Reservas Legais de propriedades cadastradas. A que atribui este fato?
Inicialmente, discordo da afirmação de aumento do desmatamento de reserva legal dentro da base. Estamos efetuando a revisão da base no tocante à metodologia antes aplicada, que era a de se colocar o polígono definido e inserido pela Cogeo (Coordenadoria de Geoprocessamento), o que não quer dizer que se concluirá como uma LAU (Licença Ambiental Única), ou até mesmo ser a área escolhida pelo proprietário. A título de exemplo, uma propriedade de mil hectares no cerrado, que deve ter sua reserva legal de 350 hectares, e que na base esteja do lado direito da propriedade, mas o proprietário faz o seu desmate e deixa os mesmos 350 hectares do lado esquerdo. A propriedade não deixa de ter sua reserva legal, desde que haja um projeto nesse sentido ou uma retificação do licenciamento inicial, seguido de retificação da matrícula do imóvel. Sendo assim, somente após essa revisão é que poderemos analisar a situação e promover a responsabilização de eventuais irregularidades.
Estudo recente do ISA identificou que os principais problemas da baixa eficácia do Sistema de Licenciamento Ambiental em Propriedades Rurais (SLAPR) no controle dos desmatamentos devem-se fundamentalmente à falta de transparência na gestão do sistema e na quase nula responsabilização dos infratores. O senhor concorda com esta análise? O que a Sema está fazendo para reverter esta baixa eficiência?
Sim, a dúvida, a informação incompleta, e dados imprecisos, certamente levam o órgão ambiental a um estado de incapacidade e os infratores à impunidade. Todavia, a Sema, com apoio e contribuição técnica do MMA através do sistema Deter, aperfeiçoou e desenvolveu seu instrumento de monitoramento e controle, batizado de “olho ecológico”, que vem mudando substancialmente esse quadro. Além disso, o sistema implantado em Mato Grosso está disponibilizado ao Ministério Público Estadual que, através de núcleos regionais, tem efetivamente acompanhando a evolução do desmatamento, e buscado saber se é legal ou ilegal. A Sema, por sua vez, está notificando via correio todos as alterações de desmatamento não autorizadas, dando oportunidade para explicação, ou licenciamento, para poder autuar com precisão e certeza. Cada notificação vira um processo, que pode recepcionar autos de infração e imputação de multa, ou Termos de Compromisso ou Ajustamento de Conduta. O problema do estado, porém, não está relacionado com as propriedades matriculas, mas sim com posses, invasões, áreas sobrepostas, e assentamentos.
Em agosto de 2005, a Sema assinou o termo de gestão florestal compartilhada com o Ibama, o que deveria resultar numa articulação mais orgânica com o órgão federal. Isso está acontecendo de fato? Se não, por quê?
O Termo de Gestão Florestal Compartilha vem sendo satisfatoriamente efetivado, desde 3 de janeiro de 2006, quando entrou em vigência. Antes, previa estudos e transições. É fato que ainda existem problemas de informações, dados e documentação de vários planos de manejo e autorizações de desmatamento, que tem gerado conflito, inclusive reclamações por parte de usuários. Entendo, porém, que com a sucessão de atos as pendências irão sendo resolvidas ou deverão ser submetidas ao Judiciário. Por outro lado, a fiscalização compartilha, infelizmente, ainda não se consolidou. A relação institucional da Sema com o Ibama nacional é muito boa, também em várias unidades regionais do interior. Todavia, embora tenha sido assinado um termo de cooperação específico para fiscalização compartilhada em março deste ano, e suscitada a criação de uma “sala de situação” entre os órgãos de fiscalização da Sema e Ibama no estado, as ações ainda são isoladas. Já manifestei à diretoria e à coordenadoria de fiscalização do Ibama a necessidade de designar um servidor responsável para concretizar esse elo entre as fiscalizações, isto é, que cuide do planejamento das ações, como autoridade para determinar o modo de execução das diversas ocorrências, inclusive dividindo tarefas e/ou emprestando apoio logístico e de pessoal as ações da Sema.
Como o senhor avalia a Campanha `Y Ikatu Xingu e de que maneira o governo estadual poderia contribuir com ela?
Avalio como extremamente louvável e necessária, pois a nascente do Xingu abrange uma área de enorme importância ambiental para o estado de Mato Grosso e ao próprio Brasil. O chamando Vale do Araguaia, cuja realidade histórica se confunde por um modelo de “desenvolvimento” e ocupação desordenada do espaço, gerou uma enorme área degrada de pastagens na região. Por sua vez, o programa Polocentro, tido como grande incentivador da ocupação de terras, baseado em condições edafoclimáticas (condições de solo e clima), também proporcionou a ocupação de grandes áreas de produção de grãos. Por tais conseqüências, a promoção de medidas de proteção do Parque Indígena do Xingu, com toda a sua diversidade ecológica e principalmente cultural, é uma iniciativa que tem e terá o absoluto apoio do órgão ambiental do estado de Mato Grosso.
Por André Lima, Instituto Socioambiental – ISA, 30/06/2006.
http://www.socioambiental.org/nsa/detalhe?id=2279