O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) foi criado em 1989 para
preservar o patrimônio ecológico do país. Sua principal função é coibir
agressões ambientais. Para isso, mantém um departamento de fiscalização
com 1 776 funcionários. Nos últimos quatro anos, esses servidores
lavraram 100.000 autos de infração e aplicaram multas que, somadas,
chegam a 5 bilhões de reais. Todo esse trabalho pode ir para o lixo por
uma falha grosseira do regimento interno do órgão. Em 2002, o governo
Fernando Henrique Cardoso promoveu uma reformulação atrapalhada na
estrutura de cargos do instituto. O texto foi elaborado com tal
incompetência que não relacionou o cargo de "fiscal" no organograma da
repartição. Por isso, a expressão "fiscal do Ibama" tornou-se uma ficção
administrativa. Nenhum funcionário do instituto tem esse cargo do ponto
de vista formal. Isso significa que não há ninguém com respaldo legal
para aplicar multas em nome do órgão. Em vez de corrigir o erro, o
governo apelou para uma gambiarra: o Ibama editou uma portaria interna,
autorizando alguns de seus funcionários a atuar como fiscais.
Parte das empresas que foram multadas a partir de 2002 entrou na
Justiça, alegando que a portaria não tem valor jurídico. Elas se baseiam
no Artigo 37 da Constituição, que afirma que os funcionários públicos só
podem exercer as funções para as quais foram contratados. O Ibama
argumenta que a portaria autoriza o presidente do órgão a designar
qualquer um de seus servidores para a tarefa de fiscal. Até agora, os
juízes têm dado razão aos infratores. Em Brasília, o Tribunal Regional
Federal deu ganho de causa a uma empresa multada por um motorista do
Ibama investido na função de fiscal. Entusiasmado com a decisão, um
escritório de advocacia de Belém arregimenta clientes para entrar com
uma ação coletiva contra as autuações.
Mesmo integrantes do Ministério Público concordam com os infratores. O
procurador da República Alexandre Camanho afirma que o Ibama age à
margem da lei. "É inaceitável que se desobedeça à Constituição com base
em uma portaria interna", diz. Na semana passada, a causa dos multados
ganhou aliados no próprio Ibama. A Associação de Fiscais do Meio
Ambiente (sim, existe uma, apesar de a função ter deixado de existir
formalmente) orientou seus filiados a suspender a fiscalização enquanto
o governo não consertar o regimento. "Não dá mais para brincar de
fiscal", diz seu presidente, Geraldo Figueiredo. A inépcia federal
poderá custar caro aos cofres públicos. Os infratores já pagaram 650
milhões dos 5 bilhões de reais em multas aplicadas pelo Ibama desde
2002. Além disso, eles tiveram suas mercadorias, como madeiras nobres,
apreendidas. Se a Justiça confirmar que o Ibama agiu irregularmente, o
governo terá de devolver aos infratores não só o dinheiro das multas,
com juros e correção monetária, mas também o valor dos produtos
apreendidos. Isso, sim, é devastação.
Por Leonardo Coutinho,
Veja,
05/07/2006.