Sem festa, sem alarde, suave como a brisa do rio, a notícia da construção
da segunda unidade da Aracruz em Guaíba não causou surpresa na população.
Ao contrário: a cidade tratou o anúncio como notícia velha.
- A cidade já sabia que isso ia acontecer - disse o empresário Marcelo
Batista, proprietário de duas óticas no centro de Guaíba.
A informação circulava na cidade desde o final do ano passado quando a
Aracruz passou a comprar, relatam os moradores, terrenos e residências ao
redor da atual unidade. Pelo menos uma das supostas aquisições não passa
de boato, mas se espalhou como rastro de pólvora acesa: o posto de
gasolina em frente ao portão de entrada da Aracruz teria sido comprado
pela fabricante de celulose. Ubirajara Marchaki Pires, proprietário do
estabelecimento, nega o negócio alegando que a Aracruz jamais fez uma
proposta.
Como o local é ponto de encontro de jovens nas madrugadas de sexta
e sábado, o boato ganhou status de verdade com o passar dos meses. Em
março, quando tudo parecia decidido a favor do município, veio a
destruição do laboratório e viveiro da Aracruz pela Via Campesina, mas
Marcelo acredita que a depredação não chegou a assustar a população com
um possível recuo.
- Eles não tinham como voltar atrás, investiram muito dinheiro - conta o
empresário.
A nova unidade é o segundo grande passo econômico da cidade, avalia o
prefeito Manoel Stringhini (PMDB). O primeiro foi no distante 1966, quando
a Borregard decidiu instalar a primeira fábrica de celulose na cidade. A
planta chegou a ser responsável por 70% da renda do município, mas agora
divide o posto de propulsora econômica com o centro de distribuição da
Toyota.
Apesar da aparente indiferença, a notícia de ontem tirou uma espinha
atravessada na garganta dos guaibenses há sete anos. Após a desistência
da Ford de se instalar na cidade, Guaíba olhava para o progresso de Porto
Alegre com rancor do outro lado do rio. A chegada da Toyota em 2005 e da
Aracruz, que comprou a fábrica de celulose da Klabin em 2003, amenizaram o
sentimento de derrota. Mas só agora a cidade sente-se verdadeiramente
vingada.
- Recuperamos a Ford com juros e correção monetária - comentou o prefeito.
A nova unidade começa a ser construída em cinco anos e, por isso, os novos
empregos vão demorar a chegar. Mas o investimento já dá esperanças aos
desempregados. Aos 15 anos, Juliana Lisboa é uma das jovens em busca de
oportunidades e que terá boa idade para bater na porta da Aracruz quando
a unidade estiver pronta. Dois irmãos trabalharam na fábrica e os patrões
da mãe de Juliana são empregados da Aracruz.
- Foi o melhor serviço que o meu irmão teve. Era Aracruz isso, Aracruz
aquilo - conta Juliana.
Agora, o único temor de Juliana e dos demais jovens quanto ao futuro da
cidade é pelo fechamento do posto de gasolina.
- Estamos apavorados. É o nosso ponto de encontro - diz Ana Franco da
Silva, 30 anos, amiga de Juliana e monitora de trânsito.
Sorte que esta informação não passa de boato.
(Por Lúcia Ritzel,
Zero Hora, 30/06/2006)