Para Eletronorte, usina no Xingu é viável
2006-06-30
O espírito de Cararaô continua a revirar-se na tumba. A empresa estatal Eletronorte contesta com veemência um estudo apontando possível prejuízo na construção da usina de Belo Monte (o novo nome de Cararaô) pela organização não-governamental Conservação Estratégica, no final de maio. Reabre-se, assim, a polêmica sobre o aproveitamento hidrelétrico do rio Xingu, que continua enredada num cipoal de informação e contra-informação.
Na quarta-feira da semana passada, por exemplo, uma manifestação na cidade de Altamira defendeu a usina, cujo licenciamento ambiental foi suspenso pelo Ministério Público. A ONG que levou água para o moinho dos opositores de Belo Monte é filial da americana Conservation Strategy Fund (CSF). Seu relatório sobre Belo Monte, noticiado pela Folha em 27 de maio, dizia que o empreendimento poderia dar prejuízo de até US$ 3,6 bilhões.
Esse resultado negativo surgia só no terceiro cenário analisado por Wilson Cabral de Sousa Júnior (Instituto Tecnológico de Aeronáutica, o ITA), John Reid (CSF) e Neidja Cristine Silvestre Leitão (ITA). Nos dois anteriores, a usina seria rentável, mesmo computado o valor de seu impacto ambiental. A perda ocorria só quando introduzido nas simulações um novo valor da chamada energia firme a ser gerada por Belo Monte -e, como seria de esperar, é nesse valor que se encontra agora o pomo da discórdia.
Belo Monte, se um dia for construída, terá uma capacidade instalada de mais de 11 mil megawatts (MW). Como nenhuma usina funciona a plena carga o tempo todo, o setor trabalha com a energia com que se pode contar, "firme". Para a Eletronorte, cerca de 4.700 MW. No terceiro cenário da CSF, entrou um valor muito menor, 1.170 MW, retirado da tese de doutorado de Marcelo Augusto Cicogna, da Unicamp, e da empresa HydroLab, que desenvolveu o modelo HydroSim apresentando na tese.
Segundo Paulo Cesar Domingues, gerente de Planejamento Energético da Eletronorte, há "inconsistências técnicas" e "equívoco conceitual" na tese de Cicogna e, portanto, também no relatório da ONG. Entre eles, o conceito de energia firme empregado (diverso do usado no setor elétrico brasileiro) e a simulação de Belo Monte como usina isolada, sem integrar o Sistema Interligado Nacional (SIN). Também teriam sido usados na tese dados antigos, de quando o aproveitamento do Xingu ainda incluía barragens acima de Belo Monte e a inundação pelo que ainda se chamava Cararaô de 1.225 km2 (e não os 440 km2 do projeto reformulado em 2002).
"Se Belo Monte tivesse sido simulada integrada ao SIN, ou seja, utilizando-se o período crítico de junho de 1949 a novembro de 1956, mas sem contemplar os empreendimentos de montante, os resultados teriam sido próximos dos que obtivemos", escreveu Domingues à Folha. "A interligação elétrica produz efeito similar ao proporcionado pela regularização das usinas de montante."
"A Eletronorte e a Eletrobrás sempre primaram pela excelência e retidão de seus projetos. Jamais fizemos ou faremos qualquer estudo com o intuito de ludibriar a sociedade brasileira", disse o gerente de Planejamento Energético. A empresa sustenta que não planeja novas hidrelétricas no Xingu.
Cicogna confirma a divergência sobre a noção de energia firme e que a Eletronorte usa aquela vigente no setor, mas acrescenta: "O cálculo de energia firme que fazemos é mais restritivo. Por exemplo, se uma usina gera em média 4.700 MW durante o período crítico do Sistema Sudeste, e nesse período verifica-se que a mesma usina gera um valor mínimo de 1.370 MW [valor recalculado com base no período 1949-1956], então, no meu ponto de vista, o valor de energia firme dessa usina é de 1.370 MW".
O pesquisador da Unicamp diz ainda que o valor de 1.170 MW era só uma "estimativa" e que o estudo da CSF não deveria usá-la como fez. "O valor de 1.170 MW foi equivocadamente interpretado de minha tese de doutorado, uma vez que meus estudos não consideraram o SIN e, portanto, outro período crítico foi analisado."
Segundo Sousa Júnior, o debate sobre energia firme ainda é "interno ao setor elétrico" e "não-consensual". "Não é lícito dizer que um ou outro posicionamento esteja "certo" ou "errado". O próprio manual de inventário da Eletrobrás está sendo revisto justamente por motivos como esse."
Para o pesquisador do ITA, seu relatório cumpriu o papel de fomentar um debate. "Esperamos sinceramente que este debate se amplie e contribua para um aumento significativo da transparência."
Pesquisador diz que dados são sólidos
Wilson de Sousa Júnior, autor do relatório que projeta prejuízo para a usina de Belo Monte, concede que considerá-la isoladamente "comprometeria a comparação direta dos resultados (...) com os da Eletronorte, já que partem de premissas diferentes".
Ele pondera, porém, que se trata de "uma "provocação", diante da informação errônea veiculada pela empresa" de que o custo da energia de Belo Monte seria de US$ 12,40/ Mwh. Não estariam computados, por exemplo, custos para instalação de linhas de transmissão.
Ele esclarece que a análise de risco que aventou prejuízo usou a energia firme de 4.700 MW como limite superior e a de Cicogna (1.170 MW) como limite inferior na produção de 10 mil simulações, além de outras variáveis." (ML)
(Por Marcelo Leite/ Folha de S.Paulo, 29/06/2006)
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