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2006-06-29
A mineradora brasileira EBX foi expulsa recentemente da Bolívia em nome de uma lei que proíbe a exploração de áreas de fronteiras por estrangeiros. Discretamente, sem os lances pirotécnicos do presidente boliviano Evo Morales, o Brasil está vivendo uma situação parecida do outro lado da fronteira. Embora seja mais silenciosa, a disputa no Brasil é maior: envolve duas das maiores mineradoras do mundo, políticos, diplomatas e chefes de Estado.

O lance mais recente na batalha pelo uso da fronteira acaba de ser dado. Está pronto no Ministério das Minas e Energia a minuta de um projeto de lei que regulamenta a mineração em áreas de fronteira. Se não houver nenhuma observação de outros ministérios, como se espera, o projeto deve seguir em breve para a Casa Civil e, daí, ser encaminhado para votação no Congresso.

O projeto autoriza mineradoras estrangeiras a trabalharem em fronteiras, desde que atendam duas condições. A primeira delas é que não se limitem a explorar o solo, mas que também invistam e processem o mineral na região. A segunda condição é que o projeto seja analisado pelo Conselho de Segurança Nacional, órgão consultivo da Presidência da República que reúne ministros civis e militares.

Este projeto era uma reivindicação antiga da Rio Tinto, segunda maior mineradora do mundo. Desde 1991, a empresa de origem australiana e britânica tem uma mina em Corumbá, no Mato Grosso do Sul. A Mineração Corumbaense Reunida (MCR) produz dois milhões de toneladas de minério de ferro e fatura US$ 100 milhões por ano. A empresa tem planos de elevar sua produção para 15 milhões de toneladas até 2009, o que lhe renderia, nas atuais condições de mercado, US$ 750 milhões anuais.

Embora tenha até aumentado a produção nos últimos anos, a situação legal da Rio Tinto em Corumbá é frágil. Um parecer da Advocacia Geral da União (AGU), emitido em 2003, considerou ilegal a mineração em áreas de fronteiras por empresas estrangeiras. O parecer se baseia em uma lei de 1979 e contou com o apoio dos militares, que eram contra a atuação de estrangeiros na fronteira. A Rio Tinto também enfrenta a oposição da Vale do Rio Doce, maior produtora de minério de ferro do mundo.

Desde que o problema veio à tona, a Rio Tinto fez de tudo para desamarrar o nó político. A mineradora mobilizou os embaixadores do Reino Unido e da Austrália no Brasil para ajudá-la a negociar com o governo brasileiro. Conseguiu que o assunto fosse um dos temas da reunião entre o primeiro-ministro britânico Tony Blair e o presidente Lula, na visita feita ao Reino Unido, no início do ano.

Além da ofensiva diplomática, a Rio Tinto acenou com investimentos no Mato Grosso do Sul para facilitar as conversas com os governos estadual e federal. Segundo o projeto apresentado em 2005, a mineradora investiria US$ 1 bilhão no aumento da produção da mina e em logística até 2009. Além disso, atrairia empresas siderúrgicas para investir outro US$ 1 bilhão em usinas para beneficiar ali mesmo o minério de ferro.

“Temos convivido com a incerteza jurídica e com uma séria de dificuldades para a exploração do minério em Corumbá. Mas as mineradoras não podem escolher onde o minério vai estar. Temos confiança na viabilidade do projeto” , diz Eduardo Rodrigues, diretor-comercial da Rio Tinto.

As dificuldades da Rio Tinto, porém, estão longe de acabar. Antes de o projeto chegar ao Congresso, já enfrenta resistência política. No final de maio, o senador Antônio João, do PTB do Mato Grosso do Sul, subiu à tribuna do Senado pela primeira vez, como substituto de Delcídio Amaral, que se licenciou do cargo. Antônio João lançou uma campanha contra a Rio Tinto. “Eles retiram a nossa riqueza do subsolo, mandam agregar valor lá fora, e quando as nossas jazidas se exaurirem, vão nos abandonar”, atacou.

Dono de uma emissora de TV, um jornal e duas rádios no Mato Grosso do Sul, Antônio João pretende fazer uma campanha pública contra a Rio Tinto. Além disso, vai apresentar denúncia no Ministério Público Federal para que a multinacional pare suas atividades em Corumbá. “Eles estão em situação ilegal e o DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral) faz vista grossa”, diz o senador, que afirma não ter preferência por outra mineradora. “Esse projeto de investimento é conversa mole. Eles vão ter de arrumar um parceiro nacional para a siderurgia e limitar a exploração de minério.”

A Vale do Rio Doce também tem uma mina em Corumbá e está se movimentando para conter um eventual sucesso da concorrente em regularizar sua situação. A Vale apresentou ao governo estadual um projeto de investimento de US$ 1 bilhão em um pólo siderúrgico. Segundo fontes ligadas à empresa, sua intenção é dar uma alternativa ao governo para que não se sinta forçado a apoiar a concorrente.

As reservas de Corumbá oferecem o melhor e o pior dos mundos para uma mineradora. Em geral, as minas têm 70% de minério do tipo fino e 30% de minério granulado, de melhor qualidade. Em Corumbá, é o inverso.

Em compensação, a Rio Tinto enfrenta todo tipo de problema para viabilizar o negócio. Além dos questionamentos legais, a mineradora tem problemas para transportar o produto até os centros consumidores. O transporte é feito por barcaças até a Argentina, mas enfrenta as restrições ambientais do Pantanal.

Além disso, a mineradora apostava no gás da Bolívia para viabilizar a criação de um pólo siderúrgico na região. Agora não dá mais. "Vamos viabilizar a produção com carvão vegetal, com todos os cuidados ambientais", afirma Eduardo Oliveira, diretor-comercial da Rio Tinto.
(Por Ricardo Grinbaum, O Estado de S. Paulo, 28/06/2006) http://www.estado.com.br/editorias/2006/06/28/eco-1.93.4.20060628.48.1.xml

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