Jean-Marie Messier perdeu bilhões de euros ao transformar a maior empresa
de abastecimento de água do mundo no conglomerado de entretenimento
Vivendi Universal. Deveria ter ficado com a água. A falta de água potável
no mundo a tornou mais valiosa do que o petróleo. O índice Bloomberg World
Water Index, de 11 empresas do setor, registrou o rendimento anual de 35%
desde 2003, em relação aos 29% das ações de petróleo e gás e aos 10% do
índice Standard & Poors 500.
Do gestor de fundos de hedge T. Boone Pickens ao especialista em compras
de empresas Guy Hands, os maiores investidores do mundo estão escolhendo
a água como o produto básico que poderá se valorizar mais nas próximas
décadas. As Nações Unidas calculam que até 2050, mais de 2 bilhões de
pessoas de 48 países sofrerão com a escassez de água.
"Há apenas uma direção para os preços da água na atualidade, e é para
cima", diz Hans Peter Portner, que administra o Water Fund, de US$ 2,9
bilhões, na Pictet Asset Management, de Genebra. O fundo aumentou 26% no
ano passado, e Portner prevê rentabilidade anual da água de 8% até 2020.
Jeffrey Immelt, presidente da General Electric (GE), diz que a "escassez"
de água potável em todo o mundo aumentará mais que o dobro a receita a ser
obtida com o tratamento e a purificação de águas, para US$ 5 bilhões até
2010. "Este será um mercado grande e em expansão por um longo período", a
medida que os governos lutam para levar água para 4 bilhões de pessoas
que moram nas áreas de grave escassez, disse Immelt na assembléia anual da
empresa em Filadélfia, EUA, em abril.
Albert Frère, o homem mais rico da Bélgica, tem investimentos de € 2,7
bilhões (US$ 3,4 bilhões) em água e energia por meio de cota mantida na
Suez, segunda proprietária mundial de empresas de água, depois da Veolia
Environnement, separada pela Vivendi em 2000.
Os indícios do abastecimento de água cada vez menores são evidentes em
todo o mundo. A maioria dos restaurantes já não estão oferecendo um copo
de água grátis aos seus comensais e as cidades restringem o seu uso em
piscinas privadas e jardins. Mais de 98% da água do mundo é salgada e a
maior parte do restante está congelada nos pólos.
Os lagos, rios e riachos do mundo representam só 1% da água doce. Os
cientistas dizem que qualquer redução das calotas polares agravaria o
problema do abastecimento ao elevar os níveis da água salgada. "A
qualidade da água, a sua disponibilidade e as disputas em torno dos
recursos aqüíferos vão piorar", disse Peter Gleick, presidente do Pacific
Institute, grupo de pesquisa de Oakland, na Califórnia, em entrevista
concedida por telefone.
O custo da água geralmente é estabelecido pelas agências governamentais e
pelas autoridades locais do setor. A água não é cotada em bolsas de
valores. Pictet monitora as tendências dos preços na Califórnia, o estado
mais populoso dos Estados Unidos, país em que os aumentos ficaram em média
6,3% ao ano entre 1989 e 2005. O petróleo aumentou em média nesse período,
segundo contratos futuros negociados na Bolsa de Mercadorias de Nova York.
Será preciso investir anualmente cerca de US$ 180 bilhões em
infra-estrutura de água em países em desenvolvimento como China e Índia,
o dobro do que se gasta atualmente, segundo o Conselho Mundial de Água, de
Marselha. "À medida que o Terceiro Mundo fica mais rico, come mais, em
especial mais carne", afirma Christopher Wyke, que monitora US$ 63 milhões
na Schroders Investment Management, de Londres, em uma conferência em Hong
Kong, em 14 de junho. "A produção de uma tonelada de carne requer 7
toneladas de milho. E para produzir 7 toneladas de milho são necessários
7 mil galões (26.460 litros) de água".
O uso da água doce para consumo humano, agricultura e indústria poderá
subir 22% até 2025, em relação aos níveis de 1995, segundo o Instituto
Internacional de Pesquisa de Política Alimentar".
Pickens, gestor de fundos de hedge e de petróleo de Dallas, gastou mais
de US$ 50 milhões para adquirir direitos de água em torno de sua fazenda
de 9,7 mil hectares no norte do Texas. Diz que tem água suficiente para
abastecer 20% da área de Dallas-Fort Worth. Até agora não conseguiu
convencer nenhuma cidade do Texas a comprar a sua água, e precisa de um
compromisso nesse sentido antes de construir o sistema de tubulação no
valor de US$ 2 bilhões.
As duas maiores empresas de água são Veolia e Suez. A Veolia tem
instalações que fornecem água e serviços de esgoto para 110 milhões de
pessoas e é dona de serviços de transporte e de energia separados pela
Vivendi.
Depois da cisão em 2000, Messier reduziu a parte da Vivendi na empresa de
águas de 152 anos a fim de arrecadar fundos para o seu império de
entretenimento. Ao completar cinco anos em 31 de maio, o retorno anual da
Veolia quase não variou, enquanto as ações da Vivendi perderam 16%. A
Vivendi sofreu a maior perda da história da França em 2001, depois da
série de compras de Messier no valor de US$ 100 bilhões.
A estratégia da General Electric, a empresa de maior valor do mundo depois
da Exxon-Mobil, é que a sua divisão de águas invista em estações de
desalinização e de purificação em países ricos em água doce. A Arábia
Saudtita, maior produtor mundial de petróleo, é um possível cliente. O
reino tem de gastar mais de US$ 80 bilhões até 2025 em estações de
desalinização e em sistemas de esgotos, segundo a ONU.
Na Argélia, uma estação de desalinização da GE fornece 50 milhões de
galões de água potável por dia a uma cidade próxima, segundo Jeff Connely,
vice-presidente e gerente-geral da divisão de águas. "Temos uma lista e 50
a 60 projetos como o da Argélia na Espanha, no Oriente Médio, Índia e na
China", informa Connelly. Só na China, lembra ele, "moram 20% da população
mundial, mas tem só 7% do fornecimento de água doce".
(Por Saijel
Kishan e Madeleine Pearson,
Gazeta Mercantil/Bloomberg News, 28/06/2006)