Proposta em março passado durante a 8ª Conferência das Partes da Convenção sobre Biodiversidade (COP-8), em Curitiba, uma articulação macro-regional de ONGs de defesa dos direitos humanos e socioambientais, entidades de consumidores, movimentos sociais e acadêmicos finalmente foi criada neste último fim de semana (24 e 25) em Córdoba, na Argentina, para internacionalizar a oposição e as críticas ao chamado agronegócio. Duas monoculturas que vem se alastrando rapidamente no Cone Sul — a soja e os reflorestamentos de eucalipto para produção de papel e celulose — são prioridades do Fórum de Resistência ao Agronegócio.
Reunindo cerca de 200 participantes de Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai, Bolívia, Equador e Peru, o seminário de criação do Fórum apresentou um estudo resumido dos impactos da agricultura extensiva nos diversos países. Como diagnóstico, apontou-se esse setor como a força econômica mais importante em praticamente todos os Estados da região – mesmo com Uruguai, Paraguai e Bolívia largamente “invadidos” por sojeiros brasileiros –, sendo que no Equador a bioprospecção tem sido o grande atrativo para um número cada vez maior de multinacionais, explica a advogada Maria Rita Reis, da ONG Terra de Direitos.
Segundo as entidades sociais, os impactos como perda da biodiversidade, consumo exacerbado dos recursos naturais (principalmente solo e água), desalojo de comunidades tradicionais, intoxicação e envenenamento pelas fumigações e aplicações de agrotóxicos – casos extremos com mortes não são incomuns na Bolívia, mas já ocorreram na Argentina - não são contrabalançados pelo suposto alto rendimento do setor.
“Ainda que a atividade tenha peso na balança comercial, é questionável a participação real do agronegócio no desenvolvimento das economias nacionais. Isso porque a maior fatia deste negócio está nas mãos de quatro multinacionais, o que significa que boa parte do rendimento também é transnacionalizado. O mesmo ocorre com os insumos consumidos na agricultura. Assim, a capacidade real do setor de gerar renda é bastante questionável”, afirma Maria Rita.
Segundo Christiane Campos, que representou o MST e a Via Campesina Brasil no encontro, o diferencial desta nova articulação é que desta vez, com a participação de entidades de consumidores, o debate será levado ao meio urbano.
“Um dos elementos centrais desta discussão será a contraposição dos conceitos de segurança e soberania alimentar. O primeiro é defendido pelo agronegócio e prevê a produção de alimento padronizado para combater a fome a qualquer custo e de qualquer forma. A soberania alimentar prega o direito de cada povo definir o tipo de alimento que quer consumir, e sua forma de produção”, explica Christiane.
Soja e papel
Um dos elementos cada vez mais comuns aos países da região, detectou o Fórum de Resistência ao Agronegócio, é que são duas as monoculturas que vem se alastrando rapidamente no Cone Sul: a soja e os reflorestamentos de eucalipto para produção de papel e celulose.
Para fazer frente aos dois setores, avaliam as organizações sociais, será preciso, acima de tudo, diagnosticar com profundidade a estratégia e a cadeia de investimentos do agronegócio. “A multinacional Cargill acaba de comprar o porto de Rosário, na Argentina, e já solicitaram ao governo permissão para importar soja do Brasil e do Uruguai assim que fizerem a drenagem do rio Paraná, já que a capacidade de processamento do complexo da empresa é maior do que toda a produção Argentina de soja. Isso é um indício”, explica a coordenadora do MST.
Segundo a advogada Maria Rita Reis, o primeiro passo da nova articulação contra o agronegócio será criar uma coordenações por país e trabalhar uma agenda comum para o ano de 2007. “Podem ser mobilizações coordenadas, pode ser um grande lobby junto a instâncias governamentais nos países, no Mercosul e demais foros regionais”, explica.
Por Verena Glass,
Agência Carta Maior