A nova era do carvão em SC depende de plano ambiental
2006-06-28
Um novo ciclo da polêmica extração de carvão começa a ganhar corpo no Sul do Estado. Matéria-prima que maior impacto teve sozinha na história recente de Santa Catarina, o minério, hoje, apesar de representar praticamente um terço do que já foi, ainda é responsável pelo sustento de 130 mil famílias e pode ter sua trajetória reescrita. O governo tem planos para mais que dobrar a participação do carvão na geração de energia no Brasil. A maior contribuição viria do Sul do Estado, onde nove minas podem ser abertas em 10 anos. Para comparação: atualmente existem 13 minas em operação.
Mas existem barreiras difíceis de serem transpostas. Uma delas é que as 11 carboníferas do Sul têm quatro meses para complementar e atualizar os Planos de Recuperação de Áreas Degradadas (Prads) pelo carvão.
A determinação da Justiça, que prevê também o monitoramento dessas áreas e o tratamento de recursos hídricos, integra a reformulação da sentença proferida em maio deste ano sobre os projetos de recuperação de passivos ambientais, determinada em 2000 pelo Ministério Público Federal (MPF).
A única empresa a recorrer da decisão foi a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Entretanto, o recurso foi negado pelo desembargador federal Carlos Eduardo Thompson Lenz, do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª região.
Apesar de desativada em Criciúma, a empresa ainda tem áreas degradadas a recuperar. Na região carbonífera, há 5,5 mil hectares de passivo ambiental.
Destes, apenas 30% estão em trabalho de renovação ou concluídos, o equivalente a 1,5 mil hectares. E 500 hectares estão urbanizados, com a população já estabelecida.
- Ou a indústria carbonífera se acerta ou desaparece de vez - sentencia o engenheiro de minas Cleber Gomes.
Empresas empenhadas em ações responsáveis
A empresa carbonífera Rio Deserto tem cerca de 140 hectares de áreas recuperadas, 60 hectares em trabalho de restabelecimento e 100 hectares de passivo ambiental. De acordo com o engenheiro de minas André Smaniotto, algumas áreas estão sendo usadas para estudos sobre o que pode evoluir nesses terrenos.
- A cobrança é boa, pois leva a efeitos práticos de investimentos para estudos sobre o mineral e à procura por soluções ambientais.
O engenheiro Mário Possa, do Centro de Tecnologia Mineral (Cetem), diz que a atividade extrativa está legalmente amparada. Ele considera que há maior controle técnico e consciência da importância econômica do carvão mineral.
Setor ganha verba para se adequar
O Comitê Gestor do Fundo Setorial de Energia Elétrica aprovou na última semana a liberação de R$ 3,7 milhões para o setor carbonífero.
O recurso deverá fomentar e apoiar a capacitação laboratorial de universidades, institutos e centros de pesquisas para o desenvolvimento de pesquisa científica e tecnológica do carvão mineral. A pretensão do governo é expandir a participação de geração termelétrica no Brasil a partir do carvão mineral de 2% para 5% em 2015.
O engenheiro de mina Cleber Gomes informa que o Conselho Mundial de Energia prevê que, até 2030, 90% do consumo energético estarão a cargo de petróleo, carvão, gás natural e nuclear, relacionados à termeletricidade.
O Siecesc planeja a construção de um Centro Tecnológico de Estudos do Carvão, segundo o secretário executivo, Fernando Zancan.
Apesar de ainda não ter um projeto, a Petrobras e o Grupo Votorantim garantiram apoio à iniciativa. O Siecesc irá em busca de aporte financeiro fixo com o governo do Estado e indústrias carboníferas.
O temor por conflitos ambientais com as comunidades e, por outro lado, por uma crise energética com o fim da exploração de carvão levaram o Sindicato da Indústria de Extração de Carvão do Estado de Santa Catarina (Siecesc) a um debate com os prefeitos da Associação dos Municípios da Região Carbonífera (Amerc).
Na última semana, o presidente do Siecesc, Rui Hülse, apresentou as potencialidades ainda existentes na região e deixou claro que é preciso criar novas fontes de exploração do carvão mineral. Hülse pediu apoio aos representantes dos municípios.
A maioria dos prefeitos é favorável, desde que as mineradoras trabalhem dentro das normas da legislação ambiental.
- O carvão trouxe problemas ambientais no passado, mas hoje não existe mais esta concepção para aqueles que conhecem o assunto. Para se ter uma idéia, a China produz em 40 horas o que Santa Catarina produz em um ano - disse Hulse.
De acordo com o secretário executivo do Siecesc, Fernando Zancan, a Tractebel (compradora de 200 mil toneladas/mês) exige das mineradoras o Certificado ISO 14000. Se as minas não receberem este certificado, não vão poder fornecer carvão. Zancan afirma que ainda há 3 bilhões de toneladas de reservas conhecidas de carvão na região.
Os prefeitos reconhecem que não há como desconsiderar a importância econômica do carvão. O presidente da Amrec e prefeito de Nova Veneza, Rogério Frigo afirma que existe a consciência do minério como fomentador do desenvolvimento, mas entende que a degradação deve ser a menor possível.
Imagem negativa do minério permanece
- Hoje, o município, que não tem mina, paga as conseqüências da exploração em outros municípios. O Rio Mãe Luzia é poluído e não serve nem como ponto turístico. Espero que as carboníferas consigam usar a tecnologia para extração e também para recuperação ambiental.
Assim como as empresas de transporte e metalurgia, outras vivem em função da atividade extrativista. De acordo com o prefeito de Siderópolis, Douglas Warmling, 20% da população do município depende da mineração.
- Sou a favor do carvão, desde que a água seja assunto prioritário. Acredito que só com responsabilidade ambiental se poderá viver uma nova fase da extração mineral - condiciona Warmling.
Em Içara, os agricultores de Santa Cruz, Espigão da Pedra e Esperança lutam contra a abertura de uma mina. De acordo com o advogado do grupo, Valternei Réus, há um impasse, pois nem mineradoras nem comunidade abrem mão.
Mineradoras estão sob pressão
A sentença para reformulação dos Planos de Recuperação de Áreas Degradas (Prads) contempla alterações que prevêem maior rigor no monitoramento da recuperação de áreas físicas (qualidade da vegetação e da água superficial e subterrânea) e de recursos hídricos. Apontou também deficiência no sistema de cobertura das áreas e falta de caracterização da área quanto a sua localização.
De acordo com o procurador da República do Ministério Público Federal (MPF), Darlan Dias, caso a lei seja descumprida, foi fixada multa no valor de R$ 2 mil ao dia por área até o limite de R$ 60 mil. Se houver atraso na entrega dos projetos após o quinto mês, a empresa mineradora deverá terceirizar a elaboração do projeto.
- Apesar de existir a preocupação ambiental nas mineradoras, isso não é prioridade. É uma pena, pois o Siecesc e a maioria das empresas têm conhecimento técnico de recuperação e deve ser aproveitado. A lei não proíbe a exploração, requer que seja feita de maneira responsável.
Prefeitos se debatem entre água e mineral
O presidente da Cooperminas, Edilson Medeiros, afirma que anualmente são investidos R$ 7 milhões em trabalhos de recuperação de passivos ambientais e áreas degradas. Ele reconhece que se não houver firmeza nas determinações do MPF, as mineradoras relaxam no cumprimento das exigências.
Em Cocal do Sul, a reserva de carvão mineral está localizada na região onde pretende-se construir uma barragem. O prefeito, Jarvis Gaidzinski Filho, que é contra a abertura de novas minas de carvão no município, considera a água é mais importante que o mineral.
- Se for aberta uma mina nas proximidades da barragem a água será contaminada - alerta o prefeito.
- Vamos aproveitar essa abertura ao diálogo das carboníferas. Vejo a atitude com bons olhos, mas com pé atrás - diz o presidente da Organização Não Governamental (ONG) Sócios da Natureza, Tadeu dos Santos.
Crise do petróleo, o último boom
A exploração do carvão na região de Criciúma iniciou-se em 1885, com o primeiro trecho da ferrovia Dona Tereza Cristina, ligando Lauro Müller ao Porto de Laguna.
Durante a Primeira Guerra Mundial, o produto catarinense assistiu seu primeiro surto de exploração, época em que foram ampliados os ramais ferroviários no Sul do Estado e inauguradas novas empresas mineradoras.
Nos anos 1940 e 1950 várias minas operavam na região e pertenciam a pequenos proprietários locais, grandes empreendedores cariocas e uma estatal, a Companhia Próspera, subsidiária da CSN. Ao longo dos anos 1960 ocorrem mudanças no setor e, no início dos anos 1970 estavam em atividades apenas 11 mineradoras, a maioria pertencente a empresários locais.
O último boom no setor foi com a crise do petróleo em 1973, com as atenções voltadas novamente para o uso do carvão nacional. No início da década de 90 o setor é desregulamentado por decreto do governo federal, mergulhando toda a Região Sul catarinense em profunda crise que culminou no Governo Collor.
Boa parte das empresas teve queda de 60% no faturamento, como conseqüência a maioria delas faliu, e os rejeitos de pirita ficaram "sem proprietários".
(Por Ana Paula Cardoso, Diário Catarinense, 27/06/2006)
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