Clima projeta ano de muitas queimadas para Mato Grosso
2006-06-27
O cenário meteorológico previsto para os próximos meses deste ano traz o prenúncio da possibilidade de grandes incêndios florestais em Mato Grosso durante o período de seca. A umidade relativa do ar registrada nos últimos três meses já é menor do que a ocorrida no mesmo período de 2005. Aliado a isso, o Estado terá uma estiagem mais prolongada do que no ano anterior, tendo em vista que em 2006 o período de chuvas também foi maior, o que ainda trouxe como conseqüência um acúmulo elevado de vegetação. Todos esses fatores reúnem as condições ideais para, na ausência de ações de prevenção e combate do fogo, promover desastres, na opinião de pesquisadores.
“Pelo histórico que se tem, de Mato Grosso ser o campeão disparado e por muitos anos de focos de incêndio, e com as evidências apontadas para este ano, fica claro que teremos muitos problemas entre julho, agosto, setembro e, quiçá, outubro. Até agora, não vi o poder público fazer um palmo de aceiro (limpeza) nas margens das rodovias, ou formar brigadistas para os assentamentos rurais e as aldeias indígenas”, critica o pesquisador do fogo na região há mais de 20, ex-coordenador do programa Prevfogo do Ibama, Romildo Gonçalves.
Conforme o pesquisador, as ações para controle e combate a incêndios florestais, que segundo ele eram estabelecidas através do Comitê Estadual de Prevenção e Combate do Fogo até o ano passado, estão atrasadas. Membro titular do grupo representando a Universidade Federal (UFMT), Gonçalves afirma que nenhuma reunião do Comitê foi realizada em 2006, depois de estabelecido o pacto federativo entre Ibama e a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema). “Pelo menos não me chamaram oficialmente”, garante o funcionário licenciado do órgão federal.
A realização da limpeza na chamada área de domínio – faixa de aproximadamente 15 metros a partir das margens das rodovias -, estabelecida pela legislação que rege as políticas ambientais no país, é vista como uma das principais medidas para evitar incêndios. Para o Ibama, que liderou as ações de controle e combate do fogo em Mato Grosso até o ano passado, através do Prevfogo, 50% dos incêndios registrados aqui têm início a partir das rodovias.
Para rebater os questionamentos do pesquisador, a Secretaria Estadual de Infra-estrutura (Sinfra) e o Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes (Dnit) alegam que a realização dos aceiros está sendo providenciada. “Apesar de ser praticamente impossível fazer toda a faixa de domínio, por falta de recursos e pessoal, faremos a roçada no que é viável, em torno de quatro a cinco metros a partir da margem”, comenta o superintendente do Dnit no Estado, Laércio Coelho, segundo o qual as empreitadas já foram licitadas e o serviço iniciado em alguns dos 3.100 quilômetros de estradas federais do Estado. Coelho vê como prioritárias as rodovias que ligam Cuiabá a Rondonópolis e a Jangada.
Pela Sinfra, o processo também já está sendo realizado, prioritariamente na rodovia Emanuel Pinheiro (para Chapada), onde o risco de incêndio a partir da margem é bem maior, segundo o superintendente de Obras de Transportes, Nilton Brito. “Vamos fazer a roçada em todas as rodovias pavimentadas do Estado, o que já foi licitado e iniciado. Esperamos terminar tudo até outubro, apesar de acreditar que essa ação não impede o incêndio, já que o mato não é retirado por completo. Isso apenas ameniza”, avalia.
As chamadas áreas de servidão, faixas de cerca de 15 metros de vegetação abaixo de linhas de transmissão de energia, outra preocupação no período de seca, também são sistematicamente limpas pelas concessionárias em Mato Grosso – Rede Cemat (3,9 mil quilômetros de linha) e Eletronorte (2,53 mil quilômetros), informação repassadas pelas respectivas assessorias de imprensa.
A Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema), que a partir de 2005 entrou efetivamente no processo de controle do uso do fogo em Mato Grosso, através do pacto federativo com a União, diz estar ciente sobre o cenário propício para o acontecimento de muitos incêndios florestais neste período de seca, mas que desta vez não assistirá os fatos de ‘camarote’. De acordo com o coordenador de Atendimento a Acidentes Ambientais da Defesa Civil, major do Corpo de Bombeiros Abadio José da Cunha, uma série de normatizações estabelecidas pela Sema diante do uso do fogo podem impedir atos irresponsáveis que levem a desastres florestais.
“Hoje a legislação estadual proíbe a todos o uso do fogo entre 15 de julho e 15 de agosto. Com a portaria conjunta entre Sema e Ibama, o Estado também emite autorização para a queima controlada, o que facilitou a vida de produtores, que passaram a contar com 18 unidades regionais, além dos postos do Ibama, para pedir autorização. Além disso, só recebem autorização para a queima as propriedades que têm licenciamento ambiental, ou seja, todas, já que a lei estadual 233 estabelece que nenhuma propriedade é reconhecida sem o licenciamento”, pontua o coordenador.
Quanto às ações de prevenção, além das medidas regulamentares para o uso do fogo, a Defesa Civil informa ainda estarem a cargo do Comitê Estadual, que foi reformulado em 2006. Segundo o major Cunha, a estrutura que compõe o grupo foi alterada, mantendo como parte integrante apenas as instituições que estão diretamente ligadas à atividade.
“Fazia parte do Comitê antes a Seduc (Secretaria Estadual de Educação). Qual a contribuição que poderia dar na hora de decidir se determinada propriedade poderia queimar ou não? Ela não faz parte do processo do fogo”, questionou o bombeiro. A deliberação do presidente do Comitê, que passou a ser chamado de Comitê Estadual de Gestão do Fogo, o secretário Marcos Machado, estabeleceu 10 entidades estaduais como efetivas do grupo e 13 instituições convidadas, dentre elas as federais e as não-governamentais.
A Defesa Civil também firmou convênios com 54 municípios, prioritariamente da região norte - onde o número de incêndios geralmente é maior -, para a distribuição de formulários sobre a regularização do uso do fogo. Nesta documentação, o produtor tem que apresentar as coordenadas da área que pretende queimar, o que é monitorado por GPS pelo órgão.
“Fazemos o monitoramento dos focos de calor diariamente, o que permite que cruzemos os dados para saber se é fogo autorizado ou não, usando o satélite. Ao local, é enviado um fiscal para verificar a legalidade do fogo, fiscalização que será intensificada no período da seca, em que todos estão proibidos de queimar”, afirma Cunha, informando que cerca de R$ 400 mil estão destinados à prevenção e combate neste ano, que também estão sendo empregados em ações de educação ambiental em assentamentos rurais. (NW)
Autoridades temem pelo Pantanal
A área do Pantanal configura-se com uma das principais preocupações das autoridades. De acordo com Romildo Gonçalves, não existe um trabalho de conscientização ao produtor e morador da área acerca do manejo do fogo, fato que aliado à extensa vegetação existente no local propicia a repetição dos enormes incêndios que ocorreram lá no ano passado.
“A roçadeira do Pantanal sempre foi o gado. Mas antes, existia uma cabeça de boi para cada hectare. Hoje esse número é infinitamente menor, o que faz com que o acúmulo de biomassa aumente muito. Como lá não se faz manejo do fogo, posso chamar qualquer foco de incêndio ali como um desastre”, avaliou o pesquisador.
A maior parte da competência para controle e combate do fogo dentro do Pantanal cabe ao Ibama, por ser tratar de uma área com diversos parques nacionais. Ainda assim, dentro da reserva existem áreas estaduais. Na opinião de Gonçalves, deveria haver um esforço conjunto entre as duas esferas de governo para impedir incêndios florestais na região, tendo em vista que ela se constitui uma reserva da biosfera.
O atual coordenador do Prevfogo do Ibama, Rodrigo Falleiro, informa que as ações do órgão programadas para o Pantanal não divergem do que ocorreu nos anos anteriores. “Nas unidades de conservação federais temos um programa de mais de cinco anos, que consiste na contratação de brigadistas para permanecerem lá pelo período de seis meses. Aqui, fazemos o monitoramento dos focos de incêndio e nas brigadas, o pessoal age com a prevenção e o controle”, explica, lembrando que apenas um incêndio ocorrido no Pantanal ano passado destruiu 237 mil hectares. “Talvez o Panantal não seja uma grande preocupação neste ano”, completa
A crise no setor agropecuário brasileiro tem favorecido, segundo especialistas, a diminuição dos focos de incêndio registrados no país, neste ano. Conforme dados fornecidos pelo Ibama, houve uma redução de 75% dos focos de calor entre janeiro e junho (575 focos em Mato Grosso até dia 19), quando comparado com o mesmo período do ano passado (4.378 focos no Estado).
“A crise no agronegócio contribuiu, além do clima, porque tivemos chuvas todos os dias até abril. Outro fator que também ajudou foi a fiscalização intensificada na região chamada de arco do desmatamento, a fronteira agrícola do país, que envolve municípios do norte de Mato Grosso, onde se diminuiu a quantidade de desmate e, conseqüentemente, o uso do fogo”, afirma o coordenador do Prevefogo, Rodrigo Falleiro.
Mesmo diante da queda no número de focos de calor, o prognóstico de muita seca, e por um longo período, deixa o funcionário do órgão temerário sobre a possibilidade de incêndios. “Pelas condições climáticas que estão se desenhando, com o espaçamento grande entre as chuvas, vai aumentando a susceptibilidade de queima. Esse vai ser um ano muito complicado, com muito incêndio e uma péssima qualidade do ar, porque o que já está sendo queimado agora, a fumaça permanece até novembro”, prevê, admitindo as poucas condições que o Ibama tem para contornar a situação, principalmente pelo atraso na abertura do orçamento da União, ocorrido já em maio.
Ainda assim, o Prevefogo diz ter buscado parceiros nos municípios do norte do Estado, região de maior risco de incêndio na opinião do especialista, para a formação de multiplicadores de brigadistas em assentamentos rurais, bem como a viabilização de equipamentos de combate. (
(Por Natacha Wogel/Diário de Cuiabá, 26/06/2006)
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