O governador de São Paulo, Cláudio Lembo (PFL), assinou no dia 17 de junho
um decreto nº 50.889 que regulamenta a obrigatoriedade da reserva legal
para as propriedades rurais do estado. Na prática, a resolução do
executivo não traz muitas novidades. Apenas cria mecanismos e define
critérios para que os donos de terras destinem 20% de suas áreas à
manutenção da floresta nativa. A regra existe desde a criação do Código
Florestal, em 1965, mas até hoje não é cumprida a contento. Mesmo com a
legislação vigente há mais de 40 anos, a ausência de instrumentos para a
aplicação – além da passividade dos sucessivos governos – permitiu a
consolidação da agricultura em até 100% de algumas propriedades.
O decreto tem como objetivo dar aplicabilidade ao Código Florestal,
alterado ao longo dos anos por outras leis e medidas provisórias. Ele
traça alguns caminhos para que os produtores rurais recuperem as matas
exauridas ao longo dos anos pela ocupação e uso das terras com a
agropecuária. Os proprietários têm prazo de 30 anos para a recomposição
das matas destruídas e a permissão de plantio de espécies exóticas em suas
terras.
Segundo o decreto, o produtor rural deverá apresentar ao Departamento
Estadual de Proteção de Recursos Naturais (DEPRN) um projeto técnico com
detalhes da recomposição ou regeneração da reserva legal a ser
implementada. Elaborado por profissional habilitado, o relatório deverá
conter a descrição da área que será averbada devidamente georreferenciada.
As pequenas propriedades deverão contar com o apoio técnico do DEPRN para
a elaboração dos estudos.
Na opinião de Marcelo Melo, diretor de Meio Ambiente do Instituto de
Registro Imobiliário do Brasil (Irib), o mecanismo de compensação da
reserva legal está entre os mais importantes que o decreto regulamenta.
Agora, o produtor rural que não dispõe de cobertura original em sua
propriedade pode compensá-la em outra região, equivalente em extensão e
relevância ecológica, na mesma microbacia hidrográfica.
Melo também destaca a criação do cadastro eletrônico de reservas legais,
indispensável para verificar se a lei está sendo cumprida. “Ele é
imprescindível para o controle e levantamento estatístico das reservas
florestais no estado. Pelo decreto, o cadastro deve ser implantado
preferencialmente por meio eletrônico, o que facilitará muito o fluxo de
informações.” Atualmente, é bastante difícil mapear a porcentagem média de
mata original nas reservas legais do estado todo.
O coordenador do Projeto Biota/Fapesp, Ricardo Rodrigues, informa que
existe um levantamento parcial de áreas verdes em propriedades canavieiras
de São Paulo. Finalizado recentemente, o estudo mapeia 700 mil hectares
das regiões norte e noroeste do estado, o equivalente a pouco mais de 10%
dos terrenos com plantações de cana-de-açúcar. “Constatamos cerca de 8% de
áreas destinadas à reserva legal nessas propriedades. Isso significa que,
nos terrenos avaliados, existe um déficit de aproximadamente 12% de mata”,
diz ele, que também é professor do Departamento de Ciências Biológicas da
Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq).
Em alguns pontos do estado, a situação é ainda mais crítica. De acordo com
Marcelo Melo, do Irib, existem locais em que a porcentagem de reservas
legais averbadas em cartórios não chega a 2%. Na região de Araçatuba,
onde é registrador imobiliário, ele constatou que menos de 3% das
propriedades rurais têm suas áreas registradas.
O procurador de Justiça Daniel Fink atesta que o decreto assinado pelo
governador é constitucional, mas tem alguns pontos que precisam de análise
mais cuidadosa. Um deles é o artigo 8º, que permite a isenção da
obrigatoriedade da reserva legal por 30 anos para proprietários que
comprarem terras dentro de uma área de preservação e as doarem para o
estado. “O decreto não especifica quase nada, nem se o terreno tem de
estar localizado na mesma microbacia do original.”
Divergência
A medida divide opiniões. De um lado, ambientalistas defendem a
implementação da reserva legal como forma de preservar o que ainda resta
da cobertura vegetal e da biodiversidade do estado. “Isso já deveria ter
sido feito. O decreto é útil no sentido de reconhecer aquele sujeito que
obedece a lei. É um resgate do compromisso com o meio ambiente”, diz Mário
Mantovani, diretor da Fundação SOS Mata Atlântica. Questionado sobre a
aplicabilidade da legislação, é incisivo. “Em São Paulo vai funcionar,
porque é um estado onde existe controle. Temos 3 mil policiais ambientais
para fiscalizar os proprietários. Agora que o estado fez a lição de casa,
a importância disso será sinalizada para o resto do país.”
Antônio Luiz Lima de Queiroz, assessor técnico do DEPRN, defende que a
manutenção da reserva legal é benéfica até mesmo para as plantações. “A
monocultura é bastante propensa à proliferação de pragas. Quando existem
áreas de mata próximas às plantações, naturalmente haverá predadores
naturais para controlá-las.” Ele lembra ainda que as florestas exercem
influência sobre microclimas locais e regime de chuvas. “Sem contar com a
possibilidade de abatimento da área florestal no ITR (Imposto Territorial
Rural), além da prioridade na obtenção de crédito rural.”
Não é esta a opinião dos produtores rurais. No setor agropecuário, o
decreto já está causando certo reboliço. O principal argumento é a
ausência de um estudo detalhado que explique como se chegou à necessidade
de 20% de terras preservadas. “O decreto não tem fundamentação técnica e
veio num momento de crise econômica. O estado de São Paulo, assim como o
Brasil, depende da agricultura para se sustentar financeiramente”,
argumenta Tiberio Guitton, assessor técnico para assuntos ambientais da
Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
Para ele, o decreto está em desacordo com a realidade brasileira. “Estamos
falando de um país que tem história baseada na alteração da cobertura
florestal. Já fomos exportadores de pau-brasil, cana-de-açúcar, café”,
reforça. A reserva legal não é exclusividade do estado. A lei determina
um índice de área preservada para cada bioma (são 50% para o cerrado e 80%
para a Amazônia).
Guitton diz acreditar que a política ideal para a preservação dos
remanescentes de floresta baseia-se na criação de unidades de conservação
e no incentivo financeiro aos donos de matas originais. “Conservar o meio
ambiente não é algo que se faça gratuitamente. Os bairros aprazíveis para
se morar, com mais áreas verde, têm o m² mais caro”, exemplifica.
(Por Aline Ribeiro,
O Eco, 24/06/2006)