O sauim-de-coleira (
Saguinus bicolor ) é um animal pequeno e ágil.
Mede menos de 40 centímetros de comprimento e pesa cerca de meio quilo
quando adulto. É fácil identificá-lo. A cabeça preta sem pelos contrasta
com a pelagem branca do pescoço e forma uma espécie de coleira. O resto
do corpo é negro. Ele pode ser encontrado a até 40 quilômetros ao Norte de
Manaus, em uma faixa que começa a Leste, no rio Caierias (afluente do rio
Negro), e a Oeste, no rio Urubu (afluente do Solimões), que passa por
Manaus, Rio Preto da Eva e Itacoatiara.
O sauim-de-coleira é considerado criticamente em perigo de extinção devido
à redução de seu habitat. Nas áreas rurais, o animal é ameaçado pela
expansão da agropecuária. Mas é na cidade de Manaus que o animal sofre as
maiores pressões. Embora o Amazonas ainda mantenha mais de 95% da
cobertura florestal preservada, a capital do estado vive a tendência
inversa.
Manaus perde, em média, 1,5 hectares de mata urbana por dia. Nos últimos
18 anos, foram derrubados 9.601 hectares de área verde dentro da cidade,
de acordo com os dados do Centro Operacional do Sistema de Proteção da
Amazônia em Manaus (Sipam). A equipe de Análise Ambiental do Sipam
comparou imagens do satélite Landsat 5, de 1986, 1995 e 2004 e divulgou na
última semana os números do desmatamento no perímetro da cidade.
Desmatamento em Manaus
De acordo com o estudo, a área urbana de Manaus, que ocupa 44.130 hectares
– o equivalente a 4% da área total do município – tinha 24.866 hectares
de florestas em 1986. Em 1995, este número tinha sido reduzido para 20.612
hectares. E em 2004, restava apenas 15.265 hectares de áreas verdes.
Isso significa que, apenas durante o período estudado, a cidade perdeu
22% de matas nativas.
As fotos de 1986 mostram que existiam grandes manchas verdes nas Zonas
Leste, Norte e Oeste da Cidade, justamente para onde a cidade avançou até
2004. Na Zona Leste, conforme o estudo, a área institucional da
Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), onde está o Distrito
Industrial, serve de barreira ao avanço do desmatamento. Na outra ponta
da cidade, Zona Oeste, embora esteja mais preservada, no bairro Tarumã, a
construção de condomínios está reduzindo a cobertura da florestal.
Além de identificar o desmatamento, o estudo procurou as origens do
problema. E para analisar melhor os dados em duas invasões na periferia
da cidade o Sipam recorreu ao Quickbird, satélite que oferece imagens com
mais precisão. Em menos de seis meses, áreas de 60 a 95 hectares foram
completamente devastadas e transformadas em bairros.
O verde que sobra do crescimento da cidade fica fragmentado em pequenas
porções, em verdadeiras ilhas que preservam o que resta de biodiversidade
e conferem maior qualidade de vida a quem mora nas proximidades.
Fragmentação das matas e dos sauins
Mas estas áreas também estão ameaçadas. Os pesquisadores do Sipam
visitaram outras duas áreas que ainda pareciam preservadas. Eram fundos
de vales, onde não é possível construir casas. No entanto, eram usados
pela população como lixeiras.
Segundo um levantamento de Sâmia Amorim, que estuda biologia na
Universidade Federal do Amazonas (Ufam), existem 214 fragmentos florestais
em Manaus com mais de três hectares. Se forem desprezados os cinco
parques municipais existentes no perímetro urbano e as Áreas de
Preservação Permanente (APPs), sobram 79 fragmentos. Ou seja, a maior
parte da área verde em Manaus não possui proteção legal.
Com a fragmentação da mata, os sauins ficam isolados e sujeitos a
problemas de alimentação, variabilidade genética e estresse. É o que
conclui um grupo de pesquisadores da Ufam, coordenado pelo biólogo Marcelo
Gordo, que estuda o macaquinho. Os estudos desenvolvidos pela equipe
indicam que, apesar do recente isolamento das populações de sauins, em 20
anos elas já começam a apresentar problemas na variabilidade genética, o
que ameaça o futuro da espécie, pois aumenta o risco de doenças genéticas.
Os pesquisadores usam equipamento de telemetria para acompanhar grupos de
sauins em diferentes ambientes, em áreas de mata primária com e sem
interferência humana, além de áreas de floresta secundária e outras
recentemente desmatadas, em recuperação.
Dificuldade para sobreviver
Na floresta contínua, os sauins enfrentam o perigo de predadores como
gaviões, gatos maracajás ou jibóias. Já na cidade, eles têm de fugir das
brincadeiras de mau-gosto de moleques armados com baladeiras, que
praticam tiro ao alvo nos ágeis macaquinhos. Isso em falar nas
perseguições por animais domésticos, como cães e gatos. “Eles correm o
risco de serem atropelados ou de morrerem eletrocutados na rede elétrica”,
afirma o biólogo Fabiano Calleia, que faz parte da equipe de
monitoramento dos sauins. Tais perigos, aliados ao barulho da cidade e ao
pouco espaço para sobreviver, deixam os sauins estressados. “O estresse
diminui a resistência imunológica dos sauins”, explica Marcelo Gordo.
Os pesquisadores já perceberam que nas áreas de floresta primária, os
grupos, formado de 5 a 8 indivíduos, ocupam áreas maiores, enquanto nos
fragmentos a densidade dos grupos é maior. Na floresta, o grupo
monitorado se desloca por cerca 100 hectares, mas no Campus da Ufam (mata
primária com interferência humana) os sagüis usam apenas 35 hectares. E
aos que vivem em áreas menores, ainda mais fragmentadas, resta apenas
andarem em círculos. Um dos objetivos da pesquisa é mostrar se as
distâncias percorridas são muito diferentes entre os grupos.
Nos fragmentos, os sauins sofrem também de déficit alimentar. Nas áreas
em que a floresta está se recuperando, eles encontram alimento o ano
inteiro graças às espécies pioneiras, como melastomatáceas e clusiáceas.
Mas não basta ter frutos, é preciso que eles existam em quantidade
suficiente, estejam disponíveis e tenham boa qualidade.
Os pesquisadores estudam outro fenômeno que ameaça os sauins. Mesmo onde
a cidade ainda não chegou, a área de distribuição da espécie está
diminuindo. O limite norte de onde ele é encontrado vem encolhendo. Ainda
não se sabe por que, mas especula-se que seja devido à concorrência de
outra espécie de sauins, o midas. "Não sabemos se é devido à concorrência,
até porque já encontramos grupos de midas e bicolor juntos, sem brigar.
Então não sabemos se há realmente a concorrência ou se, por exemplo, ela
ocorre só durante alguns meses, quando falta comida", explica o biólogo.
As pesquisas demonstraram que eles hoje têm uma alimentação mais variada
do que se acreditava. Se antes eram conhecidas entre 20 e 30 variedades de
frutos usados pelo macaquinho, hoje já se conhecem quase 100 espécies.
"Eles preferem cipoais ou bainhas de palmeiras, como inajás. Eventualmente,
usam oco de árvores", explica Gordo, sobre os locais preferidos dos
macaquinhos.
O estudo com os sauins começou com o acompanhamento dos animais no campus
da Ufam e no Parque Municipal do Mindu, uma área de 33 hectares com
floresta primária e áreas já alteradas. Em 2001, conseguiu financiamento
de quase 300 mil reais do Ministério do Meio Ambiente e dinheiro foi usado
em equipamentos de telemetria, carro e contratação de bolsistas para a
pesquisa.
Depois de dois anos, o projeto conseguiu outro financiamento, desta vez
para implementar um plano de manejo da espécie. Com pouco mais de 300 mil
reais, estão sendo construídos recintos de uso temporários dos animais
(onde eles podem ficar em quarentena ou enquanto se readaptam antes de
serem soltos) laboratórios e comprados novos equipamentos. A idéia do
projeto é transferir grupos ou animais em áreas ameaçadas para regiões
onde estarão protegidos e acompanhá-los, para saber se conseguem se
adaptar.
Marcelo Gordo faz estudos também para a criação de uma unidade de
conservação para o sauim em outras regiões. "Quanto maior o local, melhor.
Mas estamos prevendo uma área de 40 ou 50 mil hectares, onde acreditamos
que a unidade possa ser criada", diz Gordo. Essa área deve ficar em
municípios próximos a Manaus, como Rio Preto da Eva e Itacoatiara.
Corredor ecológico
Apesar das ameaças, este ano, o sauim-de-coleira ganhou mais espaço para
viver dentro da cidade. A prefeitura de Manaus começou a implantar um
corredor ecológico que vai unir vários fragmentos de mata existentes ao
longo de um dos principais igarapés da cidade, o Mindu. O igarapé Mindu
que corta a cidade no sentido Nordeste-Sudeste, e hoje está completamente
poluído. Mesmo assim, abriga alguma vida selvagem.
"Ao longo do Mindu, vivem mais de uma centena de espécies de aves, além
do sauim-de-coleira, que ocorre justamente na área da cidade de Manaus”,
conta Carlos César Durigan, coordenador da Fundação Vitória Amazônica,
organização não-governamental que prestou assistência técnica durante os
estudos para a expansão do parque do Mindu. Na área prevista para a
ampliação do parque, podem ser encontrados ainda buritizais, onde papagaios
e araras se refugiam. Entre os animais que vivem nestes fragmentos, estão
também gatos maracajás, cotias, porcos-espinho, dois tipos de preguiça e
tamanduaís.
O corredor ecológico pode salvar fragmentos ameaçados por empreendimentos
imobiliários e pelo projeto do governo do estado de construir uma avenida
marginal ao igarapé. Além disso, pode ser o primeiro passo para limpar o
rio, poluído pelos dejetos que recebe de casas e empresas existentes ao
longo do percurso.
Graças a Lei Municipal 886, de 14 de outubro de 2005, que regulamenta as
Reservas Particulares do Patrimônio Natural dentro de perímetro urbano de
Manaus, pelo menos duas grandes áreas privadas serão incorporadas ao
corredor ecológico. A regulamentação da lei para a criação dos corredores
urbanos era uma exigência para incluir o Mindu no Projeto Corredores
Ecológicos da Amazônia. A previsão é que o corredor chegue a 218 hectares,
entre terrenos particulares, públicos e as APPs do igarapé.
A idéia de criar corredores ecológicos dentro da cidade não é nova. O
Plano Diretor da Cidade, do início da década de 90, previa a criação de
cinco deles para unir diversos fragmentos florestais. Os corredores
serviriam para manter o fluxo genético entre populações de animais e
plantas quase isoladas no perímetro urbano de Manaus e a floresta que
existe fora da cidade. “A ligação destes fragmentos poderia, além de
manter as populações de espécies ameaçadas, até incrementar a população
de algumas espécies”, afirma Durigan. E quem sabe, reduzir o estresse dos
sauins de Manaus.
(Por Vandré Fonseca,
O Eco, 24/06/2006)