Frente à fanfarra com que se está promovendo a inserção dos pequenos agricultores brasileiros na cadeia de produção de biodiesel, é imperativo que se chame a atenção para o fato de que esta é uma atividade de fronteira tecnológica, pautada pela pesquisa dos países avançados e pelas grandes companhias de sempre. O negócio dos combustíveis líquidos segue especificações sofisticadas e restritas, e se constitui em monopólio de grandes empresas, no Brasil e no mundo. Se a produção de biodiesel em larga escala é uma iniciativa nova na pauta política brasileira, não é um tema novo, e nem de longe esgotado, nos laboratórios de vanguarda do mundo e na agenda da grande indústria química mundial.
Para que os agricultores brasileiros não enveredem por trilhas de engodo, fiasco e frustração, talvez seja recomendável que a presente euforia empreendedora, dedicada ao biodiesel neste Estado e no país, seja apoiada por algumas providências elementares. Entre elas, quando da requisição de investimentos, esforços e terras para a produção de biodiesel, reconhecer que no Brasil são ainda incipientes as pesquisas agronômicas voltadas à produção de óleo vegetal para uso em motores de combustão. Os cultivares de plantas oleaginosas até hoje desenvolvidos no Brasil como alimento não serão necessariamente os mais adequados para a produção de combustíveis especificados. Novos cultivares apropriados à indústria de combustível deverão ser desenvolvidos. Por outro lado, o consórcio de culturas para fins energéticos e a atividade agropastoril para fins alimentares nem sempre são aceitos ou recomendáveis, quando se aplicam os princípios da segurança dos alimentos. Com freqüência, oleaginosas de escolha para fins energéticos são altamente tóxicas. Isso pode ser decisivo quando um pequeno agricultor que subsiste da sua terra considerar inserir-se na cadeia do biodiesel.
Por outro lado, as atuais plantas industriais de pequeno e médio portes, de reação química entre os óleos vegetais e o álcool para a produção do biodiesel, em instalação no Brasil, seguem, em regra, tecnologias básicas de domínio público, longe da sofisticação e do desempenho dos processos de vanguarda sob propriedade ou segredo industrial, que em breve determinarão os termos de qualidade e de rendimento do setor. A pesquisa brasileira neste setor ainda se restringe a um monopólio.
O projeto nacional do biodiesel é certamente uma iniciativa pública de enorme significado socioeconômico para a nação brasileira, que encerra elementos importantes de promoção de distribuição de riqueza. Entretanto, o compromisso dos gestores deste projeto com o bem-estar geral do povo brasileiro só se revelará sincero através de um vigoroso investimento público na pesquisa, em todas as etapas e elos da cadeia do biodiesel.
* Homero Dewes é professor do Centro de Estudos e Pesquisas em Agronegócios da UFRGS
(
Zero Hora, 24/06/2006)