Pará no epicentro da guerra ambiental
2006-06-26
Dos 685 conflitos em curso em toda Amazônia, 38%, ou seja, 260, estão no Pará. Esta é a principal constatação do Mapa dos Conflitos Socioambientais da Amazônia Legal: degradação ambiental, desigualdades sociais e injustiças ambientais vivenciadas pelos povos da Amazônia. O documento, que começou a ser elaborado em abril de 2005 por movimentos sociais, redes e ONGs da região, será entregue oficialmente ao Ministério Público Federal em audiência marcada para o dia 28 deste mês, último dia do seminário Amazônia Sustentável e Democrática: os desafios do desenvolvimento com garantia dos direitos humanos, que se inicia na próxima segunda-feira, 26, no hotel Beira Rio, em Belém.
O Mapa dos Conflitos Socioambientais na Amazônia Legal é um valioso instrumento de análise da relação entre degradação ambiental, desigualdade social e injustiça ambiental na Amazônia. Foi elaborado pelo esforço conjunto de cerca de 13 entidades voltadas às questões ambientais e sociais na região. “Buscamos com isso dar visibilidade à situação em que se encontram os segmentos vulneráveis frente ao modelo que avança e devasta o modo de vida na Amazônia, que é vista ainda como espaço de riquezas e biodiversidades naturais a serem economicamente exploradas”, diz Ângela Paiva, antropóloga, que coordenou o trabalho de construção do mapa.
Através da metodologia de construção do mapa foram identificados 685 focos de conflitos socioambientais que se estendem por todo o território da Amazônia Legal e concentram-se, sobretudo, nos Estados do Pará, que tem 260 conflitos em curso, 38% dos conflitos mapeados na região. Rondônia vem em segundo lugar, com 120 conflitos, o correspondente a 18%, seguido de Tocantins com aproximadamente 120 (13%), e Amapá, com 70 focos de conflitos (10%).
“Ao dar visibilidade a estes conflitos, o mapa será instrumento de pressão e denúncia, desmistificando o que tem sido chamado de desenvolvimento e progresso" para a região, uma vez que evidencia a degradação ambiental e o desrespeito aos modos de vida a que têm sido submetidos os povos amazônicos”, diz a pesquisadora.
A elaboração do mapa de conflitos é conseqüência da campanha a floresta tem direitos: Justiça Ambiental na Amazônia, elaboradas pelas ONGs. O eixo central da campanha é o fortalecimento da luta por justiça ambiental na Amazônia, entendida como o justo e eqüitativo acesso aos recursos ambientais, às informações, à democratização dos processos decisórios e a constituição de sujeitos coletivos de direitos. O mapa é um dos instrumentos pedagógicos da campanha, explica Ângela Vieira. Os conflitos socioambientais identificados, afirma Ângela, são aqueles gerados pelas conseqüências negativas de atividades econômicas que impedem que práticas tradicionais locais se desenvolvam.
Numa primeira fase de análise, o mapa identifica 14 tipos de conflitos socioambientais, que envolvem, além das questões de regularização fundiária e ordenamento territorial, atividades madeireiras ilegais, mineração, grandes projetos, pecuária, agronegócio monocultor - soja e arroz principalmente, queimadas, pesca e caça predatória, poluição e restrição no uso da água, dentre outros. A antropóloga resume: historicamente o modelo político e econômico reproduzido na Amazônia, de enorme concentração de poder na apropriação dos recursos naturais, carrega consigo, em grande parte, as chagas dos problemas sociais, ambientais e culturais da região. As desigualdades sócio-econômicas e políticas daí decorrentes se refletem na dimensão ambiental e cultural e produzem situações de injustiça ambiental, ou seja, situações em que se observa que a carga negativa dos danos do desenvolvimento recaem sobre as populações de baixa renda, os grupos raciais discriminados, os povos étnicos tradicionais, as populações marginalizadas e vulneráveis, do campo e da cidade.
(O Liberal, 25/06/2006)
http://www.oliberal.com.br/index.htm