Enquanto turistas se deslumbram com as pedras expostas nas Cataratas do Iguaçu, os
responsáveis pelo setor elétrico acompanham a mais baixa média de chuvas na Região Sul
dos últimos 75 anos. Assim como as quedas de água, a seca esvaziou reservatórios de
hidrelétricas. As preocupações cresceram a ponto de o ministro de Minas e Energia, Silas
Rondeau, achar que estava na hora de dar peso institucional à garantia: - Não estamos em
situação de risco. O tamanho da preocupação também é indicado pela radicalidade das
soluções. Entre as opções, está a de fazer a usina térmica de Uruguaiana, abastecida com
gás argentino, operar com óleo combustível, como ocorreu no verão de 2000, quando o
Estado vivia uma situação emergencial. Veja os principais trechos da entrevista do
ministro concedida por telefone na sexta-feira à tarde.
Zero Hora - Os reservatórios das hidrelétricas da Região Sul estão abaixo de 30%. Há
risco de desabastecimento?
Silas Rondeau - Não estamos em situação de risco. O país está dividido em quatro regiões
eletrogeográficas. Neste momento, estamos bem no Norte, no Nordeste e no
Sudeste/Centro-Oeste. O Sul está na pior situação dos últimos 75 anos, conforme nossos
registros. Nunca tivemos um junho tão ruim em toda a série, desde 1931. Depois da lição
amarga que tivemos no apagão, desde 2003, quando o ministério era conduzido pela ministra
Dilma, uma das primeiras ações foi reforçar o sistema de transmissão. Em 2001, quando
faltou energia no país, no Sul sobrava e não havia linhas de transmissão.
ZH - Quais os resultados?
Silas - Não vai haver racionamento na Região Sul. A capacidade de transferir energia
entre as regiões, em 2001, era de 2,4 mil megawatts médios. Em setembro de 2006, no
momento que pode ser mais crítico, estaremos com capacidade instalada de 5,3 mil MW
médios, ou seja, 120% de aumento. Com mais capacidade de transmissão e trabalhando para
garantir o funcionamento das térmicas de Araucária e Uruguaiana, podemos ficar
tranqüilos. Se São Pedro fosse tão ruim com o RS - e não vai ser - e mantiver a pior
situação já registrada, que é 20% da média, mesmo assim o abastecimento estaria
garantido.
ZH - Quando as providências começaram a ser tomadas?
Silas - O que tem de diferente é o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico, que se
reúne todo mês e avaliamos o que vai ocorrer olhando dois anos à frente. Em janeiro, nós
identificamos que o Sul estava ficando preocupante. Começamos a aumentar o intercâmbio do
Sudeste para o Sul, para começar a poupar os reservatórios. Aumentamos a geração nas
térmicas. Também houve reforços para que as usinas do Sudeste estivessem prontas para
sustentar. Não adiantava só ter o caminho, era preciso ter produto. Também verificamos o
calendário de manutenção e cancelamos as que não comprometessem a segurança para que
todas estivessem disponíveis num período crítico.
ZH - Mesmo com dados ruins, então, há tranqüilidade?
Silas - Não há nenhum motivo para se preocupar com respeito a um desabastecimento de
energia no Sul porque todas as medidas técnicas necessárias no sistema nacional estão
sendo tomadas em tempo para evitar qualquer surpresa. A situação está sob controle e
monitorada permanentemente. A população pode ficar tranqüila. Estamos precisando nos
comunicar de forma transparente, para que não se crie a situação de mostrar as imagens
das Cataratas do Iguaçu e provocar pânico com expectativa de problemas nas hidrelétricas.
ZH - Como é possível garantir o funcionamento de Uruguaiana, que costuma parar no inverno
por falta de gás na Argentina?
Silas - Tive uma conversa com o ministro argentino na sexta-feira (23/06), já havíamos
falado antes. Mas mesmo que ocorra um problema maior com gás, aquela usina é
bicombustível. Se estivermos no limite, a usina pode gerar com óleo combustível, da mesma
forma como estamos limpando as máquinas de Alegrete (usina desativada há anos). Isso foi
possível porque estamos com o farol alto, o que permitiu preparar antes as providências.
ZH - Os reservatórios do Sul são muito instáveis. É uma situação com a qual temos de nos
habituar?
Silas - Não adianta tratar uma topologia no Sul, que tem rios encaixados (situados entre
montanhas), uma característica própria, que não permite grandes reservatórios. É
diferente dos rios Tocantins e Xingu. Se quiser fazer uma barragem de cem metros de
altura, destrói uma região, sacrifica a agricultura. O reservatório do sistema está no
Sudeste. Numa situação como esta, é possível compartilhar água pelos fios.
ZH - Depois do apagão, tivemos mais consciência da fragilidade da energia hídrica, mas
agora também temos problemas com o gás natural. Há alternativas?
Silas - Neste momento, é um compromisso nosso retomar a política para o carvão, que
impacta diretamente o Rio Grande do Sul, por ter a maior reserva. Eu estive na China, e
eles estão animados para fazer a segunda, a terceira planta. Nós temos carvão para gerar
energia equivalente a duas Itaipus durante 50 anos. É ótimo ter base hidráulica, que tem
o custo mais barato do mundo, mas precisamos compor com a térmica. E a térmica vai
crescer com gás natural, óleo combustível, carvão, nuclear. Também temos etanol,
biodiesel. Com o programa do etanol, teremos mais biomassa (que usa bagaço de cana). Até
porque sou barrageiro de origem, sou defensor da energia hídrica, mas reconheço que se
ficarmos dependentes há riscos, que vocês estão vendo aí. Tudo isso vai ficar mais claro
no plano nacional de energia que vamos apresentar em outubro.
ZH - Já está definido um prazo para Angra 3?
Silas - Não. Colocamos dentro do plano decenal. Angra 3 é uma alternativa econômica se
não conseguirmos tornar viáveis projetos hidráulicos. Tivemos embates que não conseguimos
resolver em tempo, principalmente de licenciamento ambiental. Como Angra 3 está no centro
de carga (onde há grande consumo), não tem muito custo de transporte, em termos de preço
final, é competitiva.
ZH - E a segurança, não é mais um problema?
Silas - Todo o mundo está olhando a questão nuclear de forma diferente. A Alemanha
retomou, os Estados Unidos têm vários projetos. O preço do urânio subiu umas 10 vezes. A
segurança de operação melhorou bastante, até com o que se aprendeu com os erros. O risco
sempre existe, mas a tecnologia está mais avançada.
ZH - Qual a expectativa para o leilão de quinta-feira (29/06)?
Silas - Estamos aguardando sucesso, porque a procura foi grande. A aposta é positiva
porque nosso papel é conseguir que o consumidor final deixe de pagar mais, porque
estimulamos a disputa. Agora temos projetos mais simples, não devemos ter problemas como
no leilão passado.
Menos geração
Chuvas em relação à média de longo prazo
Jan : 58%
Fev : 46%
Mar: 56%
Abr : 47%
Mai : 20%
Nível das barragens no Sul
Jan: 71,85%
Fev: 63,04%
Mar: 48,92%
Abr: 41,21%
Mai: 31,09%
Reservatórios por região*
Norte: 95,87%
Nordeste: 91,73%
Sudeste/Centro-Oeste: 80,16%
Sul : 29,56%
(*) Situação do dia 22 de junho
Fonte: Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS)
Na ponta do lápis
A Região Sul precisa de 7,5 mil megawatts médios de energia, supridos por 1,05 mil MW de
geração térmica, 5,1 mil MW de geração hídrica e mais 1,5 mil MW transferidos pelo
sistema nacional. No plano de emergência, o sistema vai elevar para até 5,5 mil a
transferência e haverá um reforço de geração térmica de 1.123 MW
(Por Marta Sfredo,
Zero Hora , 25/06/2006)