Aracruz, acusada de desmatar floresta, lança ofensiva publicitária
2006-06-23
Maior empresa do setor de produção de polpa de celulose no Brasil, a Aracruz Celulose costuma dar pouca importância às campanhas publicitárias na mídia. Os ares da Copa do Mundo da Alemanha, no entanto, fizeram com que a empresa resolvesse colocar de vez o time em campo para popularizar sua marca entre os brasileiros. O “esquema de jogo” publicitário, ofensivo, passa por diversos setores do “gramado midiático”, incluindo anúncios em jornais, rádios e revistas e, ponto alto, um filme comercial para a tevê que tem Pelé no “comando do ataque” e vem sendo exibido em horário nobre e no intervalo dos jogos da Seleção.
A tática parece boa, mas os “contra-ataques” começam a levar perigo à “meta” da Aracruz. Além das crescentes críticas às peças publicitárias, a empresa, nos últimos dias, também tem aparecido na mídia de forma negativa, seja no embate jurídico que trava com a Funai pela posse de terras indígenas no Espírito Santo, seja pela denúncia de desmatamento ilegal de Mata Atlântica no município de Linhares (ES). Em relação à Funai, o time da Aracruz passou a adotar tática defensiva, com a intenção de provar que as terras em disputa são de fato suas. No segundo caso, segundo relato de moradores confirmado pelo Ibama, os tratores da empresa chegaram a tentar derrubar árvores em pleno horário do jogo do Brasil, para minimizar a resistência popular. De uma hora pra outra, o esquema da empresa ficou com cara de “antijogo” e a partida já ameaça terminar em “gol contra”.
Em Linhares, segundo denúncia feita pelo Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), a Aracruz desmatou uma área de Mata Atlântica localizada na nascente do córrego Faria, no Vale Jacutinga, onde existiam árvores com mais de seis metros de altura. De acordo com o relato dos agricultores, a empresa utilizou 27 tratores que, em cerca de 20 minutos, teriam derrubado três hectares de vegetação nativa. A ação começou no dia 16 de junho, mas foi interrompida pela ação dos moradores da região. Dois dias depois, um domingo, os tratores tentarem retomar o trabalho enquanto a Seleção penava em campo contra a Austrália: “A derrubada começou por volta das duas e meia da tarde, quando todo mundo estava concentrado no jogo”, conta Elias Alves, coordenador estadual do MPA.
A ação mais uma vez foi impedida pela organização dos agricultores, que utilizaram idosos, crianças e gestantes para bloquear a “entrada da área” e, literalmente, garantir o empate. Segundo nota divulgada pelo MPA, uma das coordenadoras do movimento, grávida de nove meses, chegou a se sentar em frente aos tratores para impedir o desmatamento: “Os tratoristas disseram que tinham autorização do Ibama para a derrubada. Pedimos o documento e eles não mostraram. Então, entramos na frente das máquinas e impedimos a destruição”, conta Cristina Soprani. Diante da resistência, a Aracruz, segundo relato de Elias Alves, chamou a polícia: “Foram duas viaturas, dez policiais militares e quatro jagunços da empresa enviados para acabar com a mobilização. Também foram enviados uma ambulância e um caminhão pipa. A polícia disse que foram chamados para garantir o trabalho da empresa”, conta.
A Aracruz registrou ocorrência policial contra os agricultores, pois garante dispor de documentos e considera sua ação legal. A direção da empresa informou que tem autorização do Ibama para desmatar aquela área desde 2001. Segundo o atual superintendente estadual do Ibama, Ricardo Vereza, essa autorização, mesmo se for apresentada, não tem validade legal: “Mesmo que tenha recebido [a autorização], a Aracruz não poderá derrubar. A área foi embargada e, se for comprovado o crime, a empresa será autuada e a área deverá ser reflorestada”, disse.
PROPAGANDA ENGANOSA?
Os críticos do comercial que a Aracruz exibe na tevê afirmam que a empresa é oportunista ao tentar usar a imagem de Pelé e outras celebridades brasileiras para passar uma imagem de proximidade com o Brasil e o seu povo que, alegam, é falsa. Além do ex-craque de futebol, também aparecem na propaganda o pugilista Popó, a ginasta Daiane dos Santos, o músico Seu Jorge, o técnico de vôlei Bernardinho e o ex-astronauta Marcos Pontes. Como pano de fundo, a música “Balé de Berlim”, entoada pelo ministro da Cultura, Gilberto Gil.
O primeiro a dar o alarme para a tática publicitária da Aracruz foi o colunista Nelson de Sá, do jornal Folha de SP, que, citando matéria da CARTA MAIOR, ressaltou a coincidência da presença de afro-descendentes na propaganda ao mesmo tempo em que a empresa acabava de ser condenada no Tribunal Permanente dos Povos, realizado na Europa, por, entre outras coisas, “praticar violência contra quilombolas e descendentes de escravos”. Os bons observadores podem notar também que a escolha de Popó e Daiane busca agradar aos públicos da Bahia e do Rio Grande do Sul, dois estados onde a crescente presença da Aracruz vem sendo denunciada pelo movimento socioambientalista.
Diversas entidades ligadas ao Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais pelo Meio Ambiente (FBOMS) e à Rede Alerta Contra o Deserto Verde (que denuncia a expansão da monocultura do eucalipto no país) expressaram seu desagrado com a publicidade da Aracruz na tevê. O detalhe também não foi esquecido na nota do MPA que denuncia a ação da empresa em Linhares: “Enquanto a atenção dos brasileiros está nos jogos da Copa e na propaganda da Aracruz Celulose, a empresa destrói a Mata Atlântica. Durante a destruição da floresta, a peça publicitária que era veiculada na televisão tentava mostrar uma boa imagem da Aracruz, que esconde os crimes cometidos contra comunidades indígenas, quilombolas e camponesas”.
PV CRITICA GILBERTO GIL
No Congresso, a primeira reação veio do PV. Em nota oficial, o partido afirma que a peça publicitária da Aracruz causa “constrangimento nacional” e se aproveita da paixão do brasileiro por futebol: “De modo oportunista, a empresa multinacional, produtora de celulose, quer nos passar a impressão de que tem uma relação profunda com o povo e a nação brasileira. Eis que o nome da Aracruz aparece ao lado dos grandes mitos nacionais. Na prática, estes que representam o melhor do imaginário de nação brasileira, foram chamados para iludir o povo, fazendo-o crer que também a Aracruz é ‘coisa nossa’. Não é bem assim. O fato é que a Aracruz é uma multinacional instalada em várias partes do mundo com o objetivo de produzir celulose”, diz o documento.
Assinado pelo presidente nacional do PV, deputado federal Édson Duarte (BA), a nota surpreende por atacar frontalmente o ministro Gilberto Gil, que é um dos ícones do partido: “O que causa espanto, além da Aracruz fazer uso de símbolos do imaginário nacional, é o fato deste comercial, que tenta juntar uma marca multinacional ao que de melhor o Brasil produz, ter como trilha sonora a música ‘Balé de Berlim’, feita pelo ministro da Cultura e integrante do Partido Verde, Gilberto Gil. Para nós ambientalistas e membros do PV é constrangedor notar que um companheiro - e servidor do Estado brasileiro - aceitou cachê desta multinacional para ilustrar sua imagem junto ao povo brasileiro. Consideramos antiético e paradoxal que um membro do PV aceite participar desta publicidade”. O ministro não fez comentários sobre a nota do partido.
(Por Maurício Thuswohl, Agência Carta Maior, 23/06/2006)
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