No meio do fogo cruzado das acusações mútuas entre defensores e opositores dos transgênicos, a procuradora da República Maria Soares Cordioli, indicada pelo Ministério Público Federal para monitorar as reuniões da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), disse que o colegiado "não está muito consciente" de seu papel e "assustado" com suas atribuições para decidir temas ambientais.
"A CTNBio não está muito consciente de seu papel. Parece que a preocupação é mais tecnológica e não com o meio ambiente. O ponto que eles consideram mais importante é a ciência", afirmou ao Valor. "Não é só [a CTNBio] dizer se um produto será autorizado cientificamente, mas também tem que avaliar o viés ambiental, trabalhista e dos direitos do consumidor".
Na primeira entrevista depois de ser indicada pela 4ª Câmara de Meio Ambiente do MPF para a tarefa, a procuradora defendeu a instituição das acusações de "intervenção branca" na CTNBio e considerou "indispensável" sua participação no colegiado responsável pela liberação comercial dos transgênicos. "Não vêem com bons olhos [a participação] porque defendemos teses contrárias ao entendimento da CTNBio." O Ministério Público entrou com uma ação de inconstitucionalidade contra a parte da Lei de Biossegurança que dá poder à comissão para decidir sobre os impactos ambientais dos transgênicos. "É uma atribuição inconstitucional, que viola a Constituição e o sistema nacional de meio ambiente", disse. O MP também tem uma ação contra a liberação comercial da soja transgênica Roundup Ready, da multinacional Monsanto.
A procuradora afirmou não acreditar que o procurador-geral, Antonio Fernando de Souza, atenda a pedidos de alguns membros da CTNBio para rever a participação do MP. "Não vejo essa possibilidade. Seria um retrocesso porque não vamos obstaculizar. Defendemos que ela [a CTNBio] funcione. Quando não funcionar é que é um problema", disse.
Como forma de justificar sua participação no colegiado, a procuradora afirmou que o MP está disposto a "apurar responsabilidades" por meio de ações judiciais em casos de "incidentes e acidentes" com a liberação de transgênicos. "Isso pode dar ação civil pública ou criminal", disse. Cordioli disse que "só agora a CTNBio começou, de fato, a funcionar porque antes [da nova Lei de Biossegurança, editada no fim de 2005] havia conflitos de atribuições na lei que a criou". De acordo com ela, sua participação será entendida "com o tempo" porque dará "mais credibilidade à instituição", já que o MP "está para defender não a posição de A ou B, mas a ordem jurídica e os interesses da sociedade".
A procuradora também garantiu que o MP fiscalizará a tramitação de processos e "a correção e a regularidade" dos procedimentos adotados pela CTNBio. Na reunião de maio, o MP obrigou os membros da comissão a assinar uma declaração de conduta explicitando eventuais conflitos de interesse nos julgamentos de processos. Prevista no regimento interno, a obrigação não tinha sido cumprida até então. Cordioli avisou que as próximas determinações do MP serão a publicação das atas de reunião e o completo funcionamento do sistema de informações públicas, obrigações ainda não cumpridas pelo colegiado.
Algodão transgênico ilegal na mira
Pressionada pelo acompanhamento formal do Ministério Público em suas reuniões mensais, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) decidiu terça-feira (20/06) recomendar a destruição química e mecânica, além do acompanhamento por seis meses, das lavouras plantadas ilegalmente com algodão transgênico.
O Ministério da Agricultura informou ao colegiado ter interditado 16 mil hectares de lavouras plantadas com sementes contrabandeadas em 20 propriedades nos estados de Mato Grosso, Goiás, Bahia, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais. A fiscalização do ministério avalia, entretanto, que a área de plantio de algodão deve chegar a 200 mil hectares, segundo apurou o Valor. A única semente de algodão transgênico aprovada pela CTNBio até agora é a variedade Bollgard, da multinacional Monsanto, que é resistente a insetos. No campo desde o início de maio, os fiscais federais detectaram, porém, tipos diferentes de Bollgard e o Roundup Ready, também produzido pela multinacional americana.
A destruição do algodão ilegal deve ser feita por meio da aplicação de um agrotóxico dessecante e a trituração de todas as plantas encontradas, além da gradagem das áreas para incorporação do material orgânico ao solo.
Na reunião, que não teve a participação da procuradora da República Maria Soares Cordioli, a CTNBio também decidiu as normas para a liberação planejada de milho transgênico para experimentos. Quatorze dos 20 membros da Setorial Vegetal votaram pelo isolamento das lavouras por 30 dias após a fase de emergência das plantas e o respeito de uma distância mínima de 300 metros de outras variedades de milho. Com isso, voltou a valer o Comunicado nº 100 da própria CTNBio. Há 14 processos para esse tipo de liberação em análise na comissão. Com a decisão do plenário, as empresas produtoras das sementes terão que cumprir as normas.
Em clima tenso, a CTNBio viveu terça-feira mais um dia de embates entre defensores e opositores dos transgênicos. Foram registrados três pedidos de retratação de declarações públicas feitas por dois membros do colegiado. A medida é o primeiro passo para a abertura de um processo de perda de mandato. Os alvos são o pesquisador da Embrapa Milho e Sorgo, Edilson Paiva, e o representante do Ministério do Meio Ambiente na comissão, Rubens Nodari.
(Por Mauro Zanatta,
Valor Econômico, 21/06/2006)