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2006-06-20
Volta e meia a Amazônia é alvo de campanhas internacionais escamoteadas de bandeiras ecológicas que, na verdade, defendem fortes interesses econômicos. A tese é defendida pelo presidente do Instituto Brasil do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), desde 1991, o professor Haroldo Mattos de Lemos.

Ele diz que as críticas contra a entrada dos brasileiros na floresta devem ser avaliadas com cautela, a fim de garantir que o País possa usufruir das riquezas da biodiversidade amazônica, hoje, avaliadas em US$ 4 trilhões.

Nesta entrevista, a exploração dos recursos naturais para o desenvolvimento sócio-econômico das comunidades, mas com a preocupação da sustentabilidade, foi o foco do professor Lemos, que é engenheiro mecânico, sanitário e ambiental, acumula no currículo a vice-presidência do Comitê Técnico 207, da Organização Internacional de Normalização (ISO TC 207); a superintendência do Comitê Brasileiro de Gestão Ambiental da Associação Brasileira de Normatização Técnica (ABNT), desde 1999; e a vice-presidência do Conselho Empresarial de Meio Ambiente e Desenvolvimento da Associação Comercial do Rio de Janeiro. Ele também foi secretário de Meio Ambiente, do Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, entre 1994 e 1999; secretário de Estado de Desenvolvimento Urbano do RJ, entre 1987 e 1991; vice-diretor do Pnuma, de 1982 a 1987; diretor-geral do Instituto Nacional de Tecnologia (INT), do Ministério da Indústria e do Comércio, de 1980 a 1982; e presidente da Fundação Estadual de Engenharia de Meio Ambiente, do governo do Rio de Janeiro.

Quanto vale a Amazônia?

A Amazônia é a riqueza do País e do povo brasileiro. Até 20 anos atrás, achávamos que a maior riqueza (da Amazônia) era a mineral. Em 1991, o relatório da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) listou os recursos minerais e as jazidas existentes e a estimativa de preço no mercado internacional. Tivemos a idéia aproximada de quanto valia. Foi um susto: US$ 1,6 trilhão. Em Carajás, por exemplo, temos a maior mina de minério ferro do mundo, que é o mais puro (minério de ferro) do mundo, em 80%. Noutros lugares do planeta tem 40% a 50% de pureza, o que exige maior beneficiamento para aumentar a concentração.

Mas essa opinião mudou. Hoje, a maior riqueza da Amazônia é a biodiversidade. Há oito anos, o Ibama fez um cálculo muito preliminar do valor da biodiversidade da Amazônia: US$ 4 trilhões. Um valor maior que o das reservas minerais. 60% dos remédios produzidos pela indústria farmacêutica foram extraídos de recursos genéticos, principalmente dos países tropicais. A biopirataria é promovida, principalmente, por grandes laboratórios, que enviam pesquisadores para cá, disfarçados de turistas ou missionários e até clandestinamente, para investigar os conhecimentos dos povos sobre as ervas e roubar exemplares (de ervas). Depois, no país de origem, esmagam (as ervas) para descobrir qual componente cura a dor de cabeça, por exemplo, e começam a produzi-la (substância), sistematicamente, criam patente (de recursos genéticos) e ganham dinheiro com aquilo sem precisar de outros exemplares daqui. Há 50 anos não se tinha idéia do valor da biodiversidade e da riqueza que estava sendo perdida. Se o Brasil não usar essa riqueza, ela não vale de nada.

Como o País pode usufruir dessa riqueza sem danificar o meio ambiente?

É preciso considerar a sobrevivência do homem e dos ecossistemas. A legislação brasileira obriga as empresas a recomporem a área de que extraíram madeira, incluindo o solo e o reflorestamento, o que minimiza o impacto ambiental. Houve uma campanha internacional para que o Brasil não entrasse na Amazônia, há 20 anos. Mas se isso tivesse vingado, o País estaria na posição de não usar as suas riquezas por pressão de outros países, o que é inadmissível. Temos que usar (a Amazônia) de forma sustentável para o homem e para a natureza, sem destruir a floresta e instalando uma geração de renda que se perpetue. Destruir a floresta amazônica é acabar com a galinha dos ovos de ouro.

Como foi essa campanha internacional?

Foi uma campanha para os brasileiros não entrarem na Amazônia. Sempre que surge uma bandeira ambiental tem que ver se não tem interesse comercial por trás. Em 1986, eu era vice-diretor do Pnuma e estava em Nairobi, no Quênia (na conferência da ONU) quando a revista Time publicou uma reportagem sobre o desmatamento e as queimadas na Amazônia. Quando se lia, tinha-se a impressão de que os loucos da Amazônia estavam queimando as últimas árvores da região. Eu era o único brasileiro lá e fui procurado para comentar. Eu expliquei que, segundo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), 12% da floresta tinham sido destruídos até então. Nenhum país do mundo tinha 88% de sua floresta intacta. Depois fui ao Itamaraty, que me abriu os olhos com a carta de uma ONG missionária holandesa, que, de forma arrogante, exigia que o Brasil declarasse como intactas algumas áreas indígenas na Amazônia, impedindo o acesso de qualquer brasileiro. Só que essas áreas coincidiam em mais de 90% com o mapa das reservas minerais mais ricas do país. Na década de 70, a Vale do Rio Doce começou a exportar o minério de ferro e outros países perderam competitividade, algumas minas fecharam porque não tinham minério de tão boa qualidade. O setor mineral do mundo inteiro ficou apavorado com a possibilidade de o Brasil ampliar a exploração de seus minérios. Quando se falou que a Amazônia era o pulmão do mundo, também foi outra mentira para o brasileiro não usar a riqueza da Amazônia.

Qual o meio mais eficaz de controlar a exploração da floresta, mantendo o caráter sustentável?

É preciso aprovar o mais rápido possível o Zoneamento Econômico Ecológico para a Amazônia, que já vem sendo discutido há muitos anos. O zoneamento determina as áreas para as atividades agropecuárias, extrativistas, minerais e para a preservação permanente da biodiversidade etc. É sabido que o plano de manejo não compete com a extração ilegal. É necessário apertar a fiscalização para evitar a extração clandestina para mudar isso. Também é muito importante que se dê prioridade para a educação, com enfoque regional para que o homem possa entender as riquezas naturais da Amazônia e como usá-las de forma sustentável, elevando o nível sócio-econômico das populações.

Mas o Ibama atua com recursos humanos e financeiros insuficientes. Como fiscalizar o cumprimento das leis desse jeito?

Fica difícil impedir a biopirataria e o desmatamento. Uma alternativa para o Brasil é fazer um esforço para conhecer a sua biodiversidade e patentear seus recursos genéticos. Grandes desmatamentos já foram descobertos pelo Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia, via satélite), quando ainda estavam sendo feitos. Outro procedimento que já está acontecendo e vai ajudar a coibir a extração ilegal de madeira nobre é a exigência de certificação do produto pelos Estados Unidos, Japão e Europa, que são grandes importadores.

Quanto já foi devastado na Amazônia?

Quando a população aumenta, tende a crescer a devastação. Cerca de 18% a 19% já foi devastado. Às margens da ferrovia de Carajás surgiram guseiras que desmatam a vegetação natural para alimentar os fornos. A alternativa é plantar eucalipto, mas para replantar, pois é uma espécie de crescimento rápido no Brasil, com o clima e solo permitindo o corte em seis anos. Não se pode destruir a floresta nativa para plantar eucalipto. Apenas 1/3 da madeira usada no Brasil vem de floresta plantada e o resto de floresta nativa. É preciso incentivar a plantação de florestas econômicas, o que só se pode permitir em florestas plantadas. O Brasil tem grande competitividade comercial em biomassa em geral, incluindo a madeira, com solos bons e em grande quantidade. No Canadá, Suécia e Finlândia, que são grandes produtores de celulose, a árvore demora 60 a 70 anos para cortar. O mito de que a floresta de eucalipto é prejudicial porque não tem animais silvestres e nem mosquito, esconde outro interesse econômico forte por trás da campanha para o Brasil não plantar eucalipto. Não existe monocultura de eucalipto aqui. Há mais de 20 anos as empresas intercalam a produção com espécies de florestas nativas replantadas e que recriam o ecossistema e a biodiversidade locais.

O senhor defende o encarecimento da água para otimizar o consumo e coibir o desperdício?

Antes de chegarmos à crise mundial da água, acreditávamos que o processo de dessalinização seria mais acessível economicamente. As coisas estão melhores no mundo todo, com grandes avanços na redução da poluição industrial. As empresas são obrigadas a reduzir a emissão de poluentes. O setor de papel e celulose usava oitenta metros cúbicos de água dos rios para produzir uma tonelada de celulose; hoje, as empresas estão tendo que pagar para tirar a água do rio; com isso, o Sudeste já reduziu o consumo (de água) pela metade. A meta é chegar a 25 metros cúbicos em cinco anos. No rio Tietê (em São Paulo), a poluição reduziu se reduziu muito. A Amazônia dificilmente vai transferir água para outras localidades. Já se falou em transpor o rio Tapajós para o Nordeste, mas vai gerar impactos ambientais. A melhor solução é gerir melhor a água que se tem, reduzindo o desperdício na irrigação e na indústria.
(Por Enize Vidigal, O Liberal de Belém do Pará, 19/06/2006)
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