Embrapa congela sementes e deixa o Brasil fora de risco de escassez de alimentos
2006-06-20
As maiores geladeiras em laboratórios do Brasil estão em um complexo de
pesquisa científica localizado a 30 quilômetros do Palácio do Planalto, na
estrada que une Brasília a Goiânia. Nesse complexo funciona a Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), internacionalmente
reconhecida pelo rigor de sua produtividade. Em um de seus edifícios existe
uma supergeladeira de 100 metros quadrados cujo termômetro marca dez graus
Celsius negativos – ela armazena cerca de três mil mudas de legumes. Em
outro de seus departamentos está instalado um mega-freezer com temperatura
de 20 graus Celsius abaixo de zero – e é responsável pelo congelamento de
aproximadamente dez mil sementes de frutas, verduras e legumes, formando o
maior banco de alimentos do Brasil. São duas geladeiras da vida. “Ali
guardamos a origem genética das espécies produzidas e consumidas”, diz
Leonardo Boiteux, pesquisador da unidade da Embrapa que se dedica às
hortaliças. “Se acontecer um desastre ambiental que leve à escassez desses
vegetais, podemos recuperá-los em laboratório e introduzi-los novamente no
campo.”
Essa “coleção de alimentos” começou há 31 anos com o objetivo de garantir
que as frutas, verduras e hortaliças que brotam em solo nacional não
desapareçam, como quase aconteceu, por exemplo, com a cenoura no
Afeganistão. “Pela falta de cultivo, especialmente depois da guerra, ela
entrou em escassez e corre o risco de desaparecer”, diz Boiteux. Se os
afegãos tivessem um banco de sementes como o da Embrapa, eles poderiam
criar novas mudas e evitar o extermínio da cenoura. A recuperação dos
alimentos funciona da seguinte maneira: antes de preservar uma determinada
muda na geladeira, os peritos levam as folhas por ela geradas para um
laboratório onde decodificam o seu DNA. Decifram assim as características
nutricionais de cada variedade. O mapeamento de milhares de vegetais foi
também o ponto de partida para que os especialistas da Embrapa
desenvolvessem novas espécies a partir do cruzamento de diversos alimentos.
O aprimoramento genético permitiu, por exemplo, que eles gerassem o tomate
San Vito, que tem mais licopenos que os tomates tradicionais – o licopeno
atua no organismo como um auxiliar natural na prevenção do câncer da
próstata.
Os pesquisadores da Embrapa produziram, pelo mesmo método, uma cenoura com
80% a mais de betacaroteno, substância que, ingerida, é convertida pelo
organismo em vitamina A. Para desenvolvê-la, os agrônomos criaram um
berçário apenas com sementes que resultam numa raiz de coloração mais
intensa – segundo a análise laboratorial, quanto mais forte for a cor da
raiz, maior será a concentração de betacaroteno. A partir daí, os
cientistas deixam que as cenouras cresçam e dêem flores no campo. Abelhas e
moscas responsabilizam-se, então, por espalhar o pólen dessas mudas
“vitaminadas”. A melancia também ganhou novas versões: laranja, amarela e,
sobretudo, uma espécie sem sementes. As amarelas são ricas em betacaroteno
e as alaranjadas, em licopeno. Ambas preservam o sabor da melancia
tradicional, de coloração avermelhada. Para chegarem à melancia sem
sementes, os pesquisadores usaram um outro método. “Aplicamos uma
substância química chamada colchicina e alteramos a melancia geneticamente”,
explica Flávio de França, da Embrapa de Rondônia. O resultado é uma fruta
pesando em média quatro quilos (oito a menos que a melancia tradicional) e
enriquecida com vitamina A e antioxidantes que amenizam o processo de
envelhecimento da pele.
Outro caso de manipulação genética é o da alface resistente a pragas. Para
obtê-la, os cientistas transferiram para ela um gene de resistência a
viroses que existe no tomate e criaram, assim, uma verdura fortificada – ou
seja, ainda que as pragas infestem as plantações, o Brasil não corre mais o
risco de ficar sem essa verdura. Todos esses avanços são tão promissores
que os pesquisadores se deram ao luxo de entrar no clima da Copa do Mundo:
eles anunciam na próxima semana a obtenção de uma abóbora verde e amarela.
Além do visual diferente, tipicamente nacional, ela possui um alto teor de
carotenóides, substância cuja ação no organismo humano está relacionada à
redução do risco de degeneração macular senil, uma das causas mais
freqüentes de cegueira após os 70 anos. As fórmulas de tudo isso estão
guardadas nos laboratórios da Embrapa. O material genético, mudas e sementes
para tais estudos e prevenção de uma eventual escassez estão armazenados
nas mais possantes geladeiras do País – e, sem elas, jamais conseguiriam
sobreviver.
(Por Luciana Sgarbi, IstoÉ, 21/06/2006)
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