O custo é a preocupação principal do turista convencional antes de
programar seu passeio ou viagem. Mas há uma modalidade de turista que não
se esquenta se o dinheiro está curto para a aventura. Tudo que ele precisa
é tempo, disposição e boas pernas. O cicloturismo, tipo de viagem feita de
bicicleta, é um esporte e um lazer que vem ganhando adeptos e já conta com
histórias de dar água na boca. Nem o oceano é obstáculo para esses
ciclistas.
Muitos países da Europa, como França, Alemanha, Holanda e Áustria, possuem
tradição na prática de viagens à bicicleta. Lá, isso é considerado normal.
Famílias inteiras se preparam nas férias para rodar por seus países, e até
fora deles, apenas com a força das pernas. Um estilo de viagem barata e
saudável. No Brasil, a idéia ainda não é tão disseminada e a
infra-estrutura, segundo os praticantes, está para lá de insuficiente. Mas
quem gosta mesmo do negócio só tem história boa para contar.
Eliana Brito Garcia fez sua primeira viagem, a Estrada Rio-Santos, em 1988.
Hoje tem a modalidade como profissão. É fundadora do Clube de Cicloturismo
do Brasil e se tornou dona de uma fábrica de alforjes, nome dado às malas
que se encaixam nos lados da bicicleta. Adepta das aventuras radicais,
Eliana recomenda locais como Pantanal, Serra da Canastra, Chapada Diamantina
e dos Veadeiros como bons roteiros de viagens de bicicleta. “Comecei a
viajar pensando em ter maior contato com a natureza e acabei descobrindo
que, além disso, a bicicleta abre portas para o contato com as pessoas
também”, conta Eliana.
Os conselhos da ciclista para quem está começando é sempre fazer um bom
planejamento da viagem. “Se num treino a pessoa é capaz de rodar 80
quilômetros em um dia, ela deve calcular para a viagem uns 40, 50
quilômetros. Não é preciso estabelecer metas, mas é importante conhecer a
sua própria capacidade. Outra dica importante é saber como é o caminho,
onde estão as áreas de subida e descida e, principalmente, onde estão as
estradas de terra. O Brasil não oferece estrutura para que a gente rode no
asfalto por muito tempo”, explica a viajante. Para tanto, mapas e cartas
topográficas do site do IBGE não saem da mão dos ciclo-viajantes. O site
organizado por ela divulga sete roteiros já testados.
Em sua primeira aventura, Eliana conta que errou em muitos detalhes.
Colocou todas as malas no bagageiro (o que desequilibra a bicicleta), andou
pelo acostamento (o que resultava em pneu furado o tempo todo) e ainda por
cima saiu de casa a bordo de uma Caloi que não tinha as marchas corretas.
Tudo serviu de aprendizado que hoje ela passa adiante. “De preferência leve
sua barraca de acampar, para ter mais liberdade. Sempre pode acontecer um
imprevisto e é bom ter onde dormir. Atente para o peso da sua bagagem, eu
viajo geralmente com 35 quilos. Além disso, tenha sempre à mão um
hodômetro, que é o computador que marca a quilometragem”, aconselha.
Equipamentos e Roteiros
Zélia Cascardo, dona da loja de bicicletas All Track, no Rio de Janeiro,
enumera os ítens que são necessários para uma boa clicloviagem. Suporte para
bagageiro, alforjes, farol, hodômetro, mochila de hidratação (para beber
pedalando), computador com marcador de tempo, distância percorrida e
velocidades, capa de chuva, calça de tactel, capacete, luva, bomba de ar,
câmara reserva e kits de reparo e remendo de pneus. O investimento inicial
com esses assessórios não sai por menos de R$500, estima Zélia. “Os tipos
de bicicleta adequados são dois: Bicicletas de asfalto, que são as de
ciclismo, ou híbridas e de terra, que é a de mountain bike. As híbridas
são iguais as de ciclismo, só que possuem um guidon reto, para que o
viajante não fique com a postura abaixada, que nem o esportista”, explica
Zélia.
Walter Magalhães fez sua primeira viagem em 1991 para a França, na época em
que todos esses equipamentos só existiam na Europa. Hoje, ele que é
analista de sistemas, já considera a bicicleta como sendo sua segunda
profissão. Ele dá palestras sobre cicloturismo para incentivar as pessoas a
tirarem a bicicleta da garagem. “Minhas dicas são usar roupas claras para
sempre ser visto, não pedalar durante a noite e nunca insistir em pedalar
mais do que a sua capacidade. Eu, por exemplo, fui parar no hospital no
Chile por que fui teimoso e acabei ficando doente”, conta Walter.
Quem está começando agora, pode optar por roteiros mais simples. Walter
recomenda o caminho da Estrada Real, que sai de Diamantina(MG) e vai até
Parati (RJ), com mil quilômetros e dificuldade média a leve. O Caminho do
Sol segue de Tambaú(SP) até Aparecida(SP), tem 450 quilômetros e exige um
pouco mais de preparo físico por causa das subidas. O Caminho das Missões
percorre o litoral baiano, mas vai costeando a praia, o que pode ser mais
difícil para quem não é acotumado a pedalar na areia. Jorge Blanquer é
membro do Clube de Cicloturista e escreve colunas sobre o assunto. Ele
recomenda o sul do Brasil para bonitas viagens. “De Curitiba até
Florianópolis, o Caminho de Lagamar, que é o litoral de São Paulo e a Serra
Gaúcha, de Uribici, em Santa Catarina, à Gramado, no Rio Grande do Sul”,
sugere.
Um Zé pelo mundo
Conhecido como Zé do Pedal, o mineiro José Geraldo de Souza Castro morava
no Rio de Janeiro, na favela da Perereca, em Bonsucesso, quando revelou ao
irmão Vicente seu sonho de ir a Europa. “Mas eu ganhava dois salários
mínimos”, conta. Foi o irmão que deu a idéia: Por que você não vai de
bicicleta? José topou e em 1981 partiu em direção à Espanha, para assistir
à Copa do Mundo. Atravessou a América Latina e Central, o México e chegou
aos Estados Unidos. De avião, alcançou Londres, percorreu a passeio mais
alguns paises europeus, assistiu aos jogos e retornou de barco. A
experiência foi apenas o começo de uma vida dedicada à modalidade.
Em 1983 deu a volta ao mundo. Foram 56 países em quatro anos. Por onde
passava, Zé vendia fotos, ou pedia patrocínio em lojas de bicicleta, de
equipamentos, de refrigerante, de tênis, o que aparecesse. Depois, corria
atrás dos meios de imprensa para divulgar sua aventura. Na bagagem, o item
principal era a camisa do Brasil. “É o meu cartão de visita. Quando cheguei
em Bangkok, na Tailândia, passei um mês morando com um taxista com quem
fiz amizade. Ele abriu as portas da casa dele assim que viu que eu era
brasileiro e carregava comigo uma foto com o Pelé”.
Zé do Pedal encontrou nessa viagem até uma causa para lutar. “Quando estive
na Etiópia, descobri que crianças percorriam 20 quilômetros a pé para
encontrar água. Resolvi então que lutar por esse recurso natural seria minha
bandeira”, revela. Como acreditava que as crianças eram as únicas que
ainda estariam abertas a mudanças de comportamento, Zé optou por chamar a
atenção do público infantil. Primeiro cruzou a Ilha de Honshu, no Japão, e
mais tarde, percorreu mais de 3 mil quilômetros, do Chuí à Brasília, de
velocípede. Por onde passava, dava palestras.
Seus equipamentos básicos eram faróis para pedalar a noite, máquina
fotográfica e muito jornal. “Quando o frio apertava, eu recheava minha roupa
com jornal para aquecer. Quando comecei, tudo era mais difícil, só a barraca
pesava 6 a 7 quilos. Eu aconselho a todos que partirem em viagens como
essas, a planejarem sempre pontos de apoio nas cidades por onde vão passar”,
conta. “Fora isso, ter sempre muita humildade para lidar com as pessoas”.
Nas águas
Sua primeira investida aquática veio em 2002, quando desceu num barco a
pedal o Rio São Francisco. “Saí no dia 22 de março, que é o Dia da Água.
Queria chamar atenção para a importância natural e histórica do rio e para
o problema da água no Nordeste. A viagem rendeu mais de mil fotos. “Fui
chamado de doido, apanhei até de policial”, relembra Zé.
A sintonia com o barco funcionou e em 2004, também no dia 22 de março, a
uma temperatura de 2 graus negativos, Zé partiu com uma pequena embarcação
de 4 metros e apenas um assento, de Nova Iorque em direção ao Brasil. Há
120 quilômetros de Cancún, depois de 1 ano e 6 meses de viagem, Zé do
Pedal foi atingido pelo furacão Rita e teve seu barco destruído. “Quando
liguei para o meu irmão contando do barco ele me disse: Você estava mesmo
precisando de um descanso. É o que estou fazendo. Vou recomeçar minha
viagem em breve, partindo do México”, revela.
(Por Juliana Tinoco,
O Eco, 17/06/2006)