A difusão do álcool de cana-de-açúcar brasileiro como alternativa
energética global esbarra na preocupação sócio-ambiental de governos e
Organizações Não-Governamentais (ONGs) europeus. Além de questionar o
impacto agrário das extensas plantações de cana do Brasil, especialistas da
França temem reproduzir com o álcool a dependência vivida hoje em relação à
Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep).
Reunidos na última semana, em Paris, pela francesa Michelin para o 7º
Michelin Challenge Bibendum, especialistas temem que a adoção do modelo
brasileiro possa contribuir para esgotar os mananciais de água disponíveis
no planeta. Teme-se principalmente que a adoção do álcool combustível,
baseado nas grandes lavouras, comprometa a sustentabilidade, a longo prazo,
do insumo como alternativa ao petróleo.
Reconhecido como uma arena de discussão de alternativas energéticas globais,
o Challenge Bibendum não deixou, contudo, de consagrar, este ano, o álcool
brasileiro como a única alternativa disponível em escala comercial. Como
ficou claro nos debates do evento, o problema é que, apesar dos avanços,
persiste a desconfiança quanto aos impactos ambientais do processo de
cultivo da cana-de-açúcar.
Um dos participantes, o diretor-presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (Embrapa), Silvio Crestana, confirma a existência do que
classificou de preconceito dos especialistas europeus com relação ao
programa brasileiro do álcool. Tanto que em sua apresentação, para um
auditório lotado, foi obrigado a mostrar uma transparência na qual fica
claro que a Amazônia legal será poupada da expansão da área plantada da
cana, prevista para os próximos anos no Brasil.
Outro participante brasileiro, o professor Eduardo Cavalcanti, que coordena
o Programa RioBiodiesel, admite que o programa brasileiro do biodiesel ainda
engatinha, mas se encaminha para se tornar uma das grandes alternativas,
no futuro, para reduzir a dependência brasileira de óleo diesel sintético.
Desenvolvido em parceria pelo governo do estado do Rio com universidades, o
programa prevê a geração de energia a partir da queima de resíduos sólidos.
"As discussões do Challenge Bibendum deixam claro que a preocupação de
evitar uma nova dependência energética tem contribuído para que cada país
tenha trabalhado isoladamente para alcançar uma alternativa própria", afirma
Cavalcanti. "Isso tem dificultado uma maior cooperação entre os vários
países e alimentado uma desconfiança em relação ao programa do Brasil".
Para Jeffrey Seisler, da Associação Européia do Gás Natural Veicular, o GNV
ainda pode ser considerada a melhor alternativa para a Europa, que também
já utiliza o biogás, gerado a partir da queima do metano, no sistema de
transporte.
"De 22% a 25% da rede de transporte da Europa é movida a biogás", afirma o
especialista, que se queixa, no entanto, do ainda fraco volume de
financiamento dos bancos europeus para projetos de novas tecnologias
energéticas. "Nesse aspecto, os bancos americanos estão mais adiantados",
afirma Seisler.
(Por Ricardo Rego Monteiro,
Gazeta Mercantil, 19/06/2006)