No 1º Evento sobre Gripe Aviária para Jornalistas, Pesquisadores e Divulgadores Científicos,
realizado em São Paulo, no último dia 8, o virologista Paolo Zanotto, professor do Instituto
de Ciências Biomédicas da USP, disse que eles são parecidos geneticamente e têm a
capacidade de infectar vários tecidos do organismo e não só o respiratório e intestinal,
como ocorre na gripe comum. Alguém contaminado pela gripe das aves, como ocorria com
os doentes da espanhola, pode morrer de crise renal em vez de complicações pulmonares,
por exemplo. Estudos sugerem, inclusive, uma origem comum: as aves.
- Esses dois vírus provavelmente não precisam de uma adaptação em outros mamíferos,
como os porcos, para poder se propagar entre humanos - afirma Zanotto.
Sem a necessidade de intermediários, o vírus passaria diretamente das aves para os
humanos. Nossa vantagem hoje em relação à pandemia de 1918, diz Zanotto, é o
acompanhamento em tempo real da evolução do vírus, o que proporciona uma situação
melhor para tentar eliminar os focos de transmissão de homem para homem. Esses focos
seriam isolados, e todos os moradores do perímetro receberiam vacina para o H5N1 e
antivirais.
- Caso isso não seja controlável, não teremos uma situação mais vantajosa do que eles
tinham lá em 1918 - crê o especialista da USP.
Todos os anos ocorrem epidemias amplamente difundidas de vírus da gripe, que acabam
despercebidas devido ao seu índice de mortalidade relativamente baixo - 0,1% dos cerca de
65 milhões de infectados anualmente. O H5N1 é apenas uma - e a mais mortífera - das
linhagens de influenza circulando pelo mundo.
- Alguma pandemia vai acontecer, não tem como impedir. A gripe das aves é assustadora
pela altíssima letalidade, mas não é a única - diz Zanotto.
Hoje, o vírus já consegue entrar na célula humana. Basta apenas uma mutação para que
consiga sair - e infectar outras pessoas.
Gripe das aves é ameaça silenciosa
Dezenas de milhares de pessoas mortas por uma doença que se espalha rapidamente e,
em apenas um dia, transforma pessoas aparentemente saudáveis em moribundas.
Hospitais superlotados, falência do sistema de saúde pública, gente que acaba morrendo
de fome por não conseguir alimento em cidades praticamente fantasmas pelo medo do
contágio.
Esse cenário nefasto se materializou há cerca 90 anos, durante a pandemia de gripe
espanhola de 1918, principalmente no Hemisfério Norte. Mas pode se repetir nos próximos
tempos, de acordo com previsões mais pessimistas de especialistas americanos. Se um
tipo tão letal do vírus da gripe - ou influenza - chegar às regiões mais frias dos EUA durante
o inverno, não haveria plano de contingência capaz de atender a população. Esta temida
variante do influenza pode ser a H5N1, responsável pela gripe das aves.
No outono (primavera no Hemisfério Sul) de 1918, quando a I Guerra Mundial se
encaminhava para o fim, a gripe espanhola atingiu todos os exércitos como um inimigo sem
bandeira. Famoso por sua crueldade, o conflito teve nos quilômetros de trincheiras cavadas
na Europa a característica principal de seus combates. As condições de higiene eram
precárias no front, onde milhares de homens viviam espremidos nos buracos e se moviam
em grandes grupos, o que teria facilitado a circulação do vírus.
Ficou conhecida como "espanhola" devido à atenção que a imprensa da Espanha deu à
epidemia, uma vez que o país não estava envolvido na guerra. Por isso, seus jornais não
sofriam qualquer tipo de censura, comum em tempos de guerra.
Geralmente, a pessoa apresentava sintomas da doença quatro dias após o contágio. E,
quando os sintomas surgiam, uma pessoa que aparentava boa saúde pela manhã já poderia
estar sem forças para levantar da cama na noite do mesmo dia.
Uma das peculiaridades dessa doença era o alto índice de incidência entre pessoas jovens
e saudáveis, ao contrário da gripe comum, que afeta principalmente recém-nascidos e
idosos. Nos EUA, a taxa de mortalidade de pessoas dos 15 aos 34 anos foi 20 vezes maior
em 1918 do que nos anos anteriores.
Até 100 milhões de pessoas podem ter morrido
Relatos da época dão conta de pessoas que morriam horas depois de apresentarem os
primeiros sintomas - que iam desde de uma coloração azul no rosto à tosse acompanhada
de sangue. Nos estágios mais avançados, o vírus causava uma hemorragia incontrolável
que inundava os pulmões, levando a pessoa à morte. Um médico da época descreveu a
agonia de seus pacientes como "simplesmente uma luta por ar até o sufocamento". Entre
20 e 40 milhões de pessoas teriam morrido no mundo vítimas da gripe espanhola.
Estimativas recentes falam em até 100 milhões de mortes.
(Por Daniel Lopes,
Zero Hora, 18/06/2006)