Governo brasileiro deve retomar as obras da usina nuclear de Angra 3?
2006-06-18
Artigo
O PRINCIPAL ARGUMENTO dos defensores de Angra 3 é o de que "já foram gastos
US$ 750 milhões na obra, quantia que será desperdiçada, caso se rejeite a
conclusão do projeto". Esse argumento é superficial, pois, se Angra 3 entrar
em operação, o prejuízo aumentará na medida da diferença entre seus custos
de geração e os das hidrelétricas.
Cálculos feitos por técnicos do ONS (Operador Nacional do Sistema) indicam
que o custo marginal médio para a expansão do sistema hidrelétrico é de
aproximadamente R$ 80/MWh, enquanto o custo de geração de Angra 3 está em
torno de R$ 144/MWh. Assim, em cada ano de operação, Angra 3 oneraria o
sistema com um acréscimo de custos da ordem de R$ 470 milhões, em relação ao
que seria gasto na construção de novas hidrelétricas, com uma potência
equivalente.
E nem falemos que o investimento na construção de uma obra desse porte
sempre excede o valor orçado, o qual, para Angra 3 é de US$ 1,8 bilhão.
O Brasil não precisa macaquear o exemplo da França, onde quase 80% da
eletricidade vêm de usinas nucleares, que, aliás, estão chegando ao fim de
suas vidas úteis. Para isso, desenvolveu-se naquele país um modelo de reator
que, além de ser intrinsecamente seguro, é mais econômico. Ainda assim, é
claro que, se pudessem, os franceses, que sempre se destacaram pela
inteligência, prefeririam instalar usinas hidrelétricas, que são ainda mais
seguras e econômicas. Mas isso é impossível, porque eles já aproveitaram
todo o seu potencial hidrelétrico, enquanto nós aproveitamos apenas 30% do
nosso.
Os interessados em Angra 3 afirmam que "a decisão de concluir a obra é
fundamental para treinar pessoal e dar continuidade ao programa nuclear
brasileiro". Ocorre que usinas nucleares são construídas para gerar
eletricidade e, para isso, basta que sejam operadas por profissionais
qualificados, como os que operam Angra 1 e Angra 2, não cabendo a eles a
atribuição de projetar novas usinas.
Diga-se de passagem que esses profissionais são permanentemente renovados,
com os novos que chegam e são treinados pelos "sêniors".
Construir Angra 3 equivaleria a comprar um moderno Boeing, que pode ser
muito bem pilotado por pilotos formados no Brasil. Mas esses pilotos não têm
preparo para projetar e construir aviões. De fato, as companhias aéreas
brasileiras sempre compraram e operaram aviões modernos, mas a indústria
aeronáutica brasileira só nasceu com a criação do Instituto Tecnológico da
Aeronáutica, que estimulou a criação da Embraer.
Analogamente, a capacitação brasileira para fazer o projeto básico,
desenvolver os materiais, desenhar e construir uma usina nuclear, só virá
quando o governo, em vez de comprar projetos no exterior, como o de Angra 3,
entregar aos nossos centros de excelência a responsabilidade de desenvolver
e construir um protótipo e adaptá-lo para escala industrial.
Os centros de que falo são, especialmente, o Ipen (Instituto de Pesquisas
Energéticas e Nucleares de São Paulo) e o CTM-SP (Centro Tecnológico da
Marinha) em Aramar, nos quais desenvolveu-se a tecnologia brasileira de
enriquecimento de urânio. Por fim, alegam os defensores de Angra 3 que "o
término da obra permitirá que o país complete a fábrica de enriquecimento de
urânio, em Rezende, e alcance a auto-suficiência na produção do combustível
nuclear".
Nada impede que a fábrica seja completada e que o governo compre parte de
sua produção, para acumular estoque estratégico de urânio enriquecido a 3%,
que é impróprio para construir bombas, porém importantíssimo para ser usado
mais tarde, nas usinas desenvolvidas em um legítimo programa nuclear
brasileiro.
Por Joaquim Francisco de Carvalho
mestre em engenharia nuclear, foi diretor da
Nuclen (atual Eletronuclear)
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1706200609.htm