Após meses em discussão, o decreto que regulamenta a Lei 10.831 (sancionada
em dezembro de 2003) e estabelece parâmetros para o mercado brasileiro de
orgânicos deverá ser assinado pelo presidente Lula nos próximos dias.
Consideradas fundamentais para o desenvolvimento do segmento no país, as
regras tendem a estimular o aumento da produção e o barateamento desses
alimentos, cujos preços elevados ainda restringem o consumo no país às
classes de maior poder aquisitivo. Carla Romero/Valor
Segundo informações da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva da Agricultura
Orgânica - vinculada ao Ministério da Agricultura e formada por representantes
de órgãos públicos, produtores, empresas e ONGs -, o texto do decreto está
em fase final de ajustes na Casa Civil. Não há uma data definida para a
assinatura de Lula, mas a expectativa é que uma cerimônia para tal seja
realizada na 2ª Semana dos Alimentos Orgânicos (de 23 a 30 de junho).
Uma vez assinado o decreto, a regulamentação entra em vigor e os agentes
desse mercado terão dois anos para se adequar a ela. Além de definições sobre
os princípios da agricultura orgânica, as regras norteiam boas práticas da
produção, especificidades da certificação de um alimento orgânico,
credenciamento das certificadoras que farão esse trabalho e fiscalização,
entre outros pontos (ver www.agricultura.gov.br ).
"No máximo em 2009 estará tudo certo. O processo é longo. Na Europa, a lei,
de 1992, só passou a ter efeito em 1995", afirma Alexandre Harkaly,
vice-presidente executivo do Instituto Biodinâmico (IBD), empresa brasileira
sem fins lucrativos que iniciou seus trabalhos de certificação em 1990 e hoje
conta com cerca de 700 clientes. Harkaly lembra que, após a assinatura do
decreto, as instruções normativas relativas ao tema também terão de seguir
para consulta pública por até 60 dias.
O decreto tomou por base as normas para orgânicos contidas no Codex
Alimentarius, criado em 1963 pela Agência de Agricultura e Alimentação (FAO)
e pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Para Harkaly, contudo, isso não
significa que ele é infalível. "O mercado brasileiro é diversificado e é
preciso cuidado para não excluir segmentos. Não se pode deixar de fora o
pequeno produtor e são necessárias equivalências com regras de outros países".
Não há dados consolidados sobre o mercado de orgânicos no país, mas estima-se
que ele movimente de US$ 150 milhões a US$ 300 milhões por ano (incluindo
exportações), ante vendas globais de US$ 40 bilhões. Com o extrativismo
sustentável de culturas como castanha-do-Pará e palmito, a área plantada
supera 6,5 milhões de hectares. Sem o extrativismo, a área é calculada em 500
mil hectares. Para Harkaly, as exportações brasileiras de orgânicas somam de
US$ 100 milhões a US$ 110 milhões, e o mercado total alcança pouco mais de
US$ 150 milhões.
Incipiente, o mercado confia na regulamentação da lei para deslanchar no
Brasil, onde o potencial é enorme. E com os esperados ganhos de escala e
redução de custos, inclusive de transporte, viria a queda de preços. "Para o
aumento das vendas no mercado interno, o preço ainda é o principal problema.
Mas isso é uma questão de escala", reforça o executivo do IBD. Ainda que as
principais redes varejistas do país garantam que em suas gôndolas a diferença
de preços entre produtos orgânicos e convencionais venham diminuindo, há
muitos casos em que ela supera 100% - e isso, segundo produtores, "assusta" o
consumidor.
O Valor visitou esta semana uma loja de uma das grandes redes varejistas na
capital paulista e constatou que o pacote de 500 gramas do tomate orgânico
saía por R$ 5,20, enquanto o convencional estava a R$ 1,99 - o quilo. Já uma
conhecida marca de suco de laranja orgânico era vendida por R$ 8,10 o litro,
ante R$ 3,39 da bebida convencional. E o pacote de 250 gramas do café arábica
premium orgânico custava R$ 5,15, contra R$ 2,33 de uma marca de arábica
premium convencional.
Pão de Açúcar, Carrefour e Wal-Mart reconhecem que os preços coíbem o aumento
das vendas de orgânicos, crêem que a regulamentação da lei aliviará as
diferenças e dizem que elas ainda são grandes sobretudo por conta de escala e
logística. "A diferença vem caindo nos últimos anos. Superava 100% e hoje, em
média, está entre 25% e 30% no caso de frutas, verduras e legumes [FLV]", diz
Leonardo Miyao, diretor de FLV do Grupo Pão de Açúcar - que conta nas lojas
de sua bandeira em bairros mais abastados das grandes cidades do país com 100
itens orgânicos.
Mesma estratégia, inclusive com a concentração de produtos em espaços comuns,
segue o Carrefour, que tem em seu portfólio 200 itens. "Os preços incomodam
a cadeia, por isso sempre fazemos promoções para incentivar a venda de um
produto específico durante toda uma semana, por exemplo. O orgânico é mais
caro porque falta produtividade no campo e a logística, pela falta de escala,
chega a ser dez vezes mais cara", afirma Arnaldo Eijsink, diretor de
agronegócios da rede no país.
"No Brasil, o consumo é limitado às classes A e B, mas nos tornamos
referência mundial para o grupo pelo número de itens vendidos", diz Paulo
Oliveira, diretor de perecíveis do Wal-Mart. Nas lojas do Sudeste (incluindo
Curitiba) da bandeira, há 150 itens à disposição. Na semana dos orgânicos, as
três redes informam que cortarão margens de lucro, farão promoções e
promoverão atividades para incentivar as vendas. Com isso, espera-se salto de
pelo menos 50%. Para os produtores, o ideal é que as ações fossem permanentes.
(Por Fernando Lopes e Alda do Amaral Rocha,
Valor Econômico, 16/06/2006)