Exportadores de soja financiados por corporações norte-americanas estão na mira do Greenpeace
2006-06-16
Financiado por corporações norte-americanas de agronegócios, como a Cargill, o cultivo de soja é uma das principais causas do desmatamento na Amazônia brasileira, denunciam ativistas do grupo ambientalista Greenpeace, que lidera uma campanha internacional contra a plantação desta oleaginosa. Este e outros grupos ecologistas rechaçam a construção de estradas, ferrovias e canais para transportar a soja até portos como o da Cargill, em Santarém, no Estado do Pará. A polêmica aumentou depois do anúncio do governo brasileiro, feito no dia 5, de que vai pavimentar a estrada amazônica BR-163, que unirá Santarém ao Mato Grosso ao longo de 1,7 mil quilômetros, permitindo o rápido escoamento da produção dos produtores de soja.
“A Amazônia é uma das áreas de maior biodiversidade da Terra e necessitamos dela para estabilizar o planeta, mas a Cargill está destruindo a selva para plantar soja que serve de alimento para os animais criados na Europa”, disse Thomas Henningsen, coordenador da campanha global do Greenpeace para o Amazonas. Ativistas da organização fecharam a principal unidade exportadora de soja da empresa, no Amazonas, e bloquearam suas instalações no Reino Unido e na França, em protestos feitos entre os dias 19 e 22 de maio contra a atuação da companhia, a qual responsabilizam pela destruição de 1,2 milhão de hectares de selva tropical para plantar soja.
Boa parte do financiamento do cultivo desse grão procede de firmas comerciais fora do Brasil. A Cargill e outros gigantes do agronegócio, Archer Daniels Midland (ADM) e Bunge, são responsáveis por 60% dos investimentos financeiros na produção de soja no país, afirma o Greenpeace. Estas três empresas controlam quase 80% do processamento de soja da União Européia. A Cargill também é dona da avícola Sun Valley, na França, que fornece milhões de frangos a supermercados e restaurantes tipo fast food de toda a Europa, que são alimentados com base na soja cultivada ilegalmente na região amazônica, segundo o Greenpeace.
Esta organização também denuncia que vários dos grandes estabelecimentos que usam a soja da Cargill estão “vinculados ao uso de mão-de-obra escrava, apropriação ilegal de terras e desmatamento maciço”. O Brasil é o segundo maior produtor de soja, atrás dos Estados Unidos, com mais de 30% da produção mundial. “A Cargill reconhece a importância da Amazônia, mas rechaça a demanda do Greenpeace no sentido de proibir a agricultura comercial na região”, explicou ao Terramérica Afonso Champi, diretor de Relações Públicas da empresa, na cidade de São Paulo. Com sede no Estado norte-americano de Minnesota, a Cargill é uma das maiores companhias privadas do mundo. No ano passado faturou US$ 71 bilhões. “Começando com o próximo cultivo, compraremos soja somente dos produtores que cumprem o Código Florestal Brasileiro”, afirmou Champi. Por esse código, 80% da selva deve ser conservada.
A Cargill aliou-se à não-governamental Nature Conservancy, que ajuda os proprietários de terra a cumprir essa norma, afirmou Champi. “O Brasil tem boas leis ambientais, que são muito mal aplicadas”, disse ao Terramérica Bill Laurance, ecologista do Instituto Smithsonian de Pesquisas Tropicais, em Balboa, Panamá. “O desmatamento foi o pior dos últimos anos, com uma redução anual entre dois milhões e 2,4 milhões de hectares”, acrescentou. Maior do que a Europa, a selva amazônica abriga quase 10% dos mamíferos do mundo e 15% das espécies vegetais terrestres conhecidas. Um único hectare pode conter 300 espécies de árvores.
O Brasil é o quarto maior emissor de gases causadores do efeito estufa, responsáveis pelo aquecimento do planeta, principalmente por causa do desmatamento amazônico, segundo o Greenpeace. Os especialistas coincidem em responsabilizar o cultivo de soja. Este grão é cultivado principalmente nas pradarias da região, onde antes se criava gado, afirmou Laurance. Após vender sua terra, freqüentemente os produtores passam a desmatar novas áreas para continuar na pecuária. Com o anúncio da construção de novas estradas “enormes faixas de selva são desmatadas. É quase um convite ao desmatamento e à especulação”, advertiu o especialista.
Entretanto, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva assegurou que o asfaltamento da BR-163 não provocará desmatamento, já que conta com um plano de sustentabilidade que garantirá todos os controles ambientais. segundo Adalberto Veríssimo, pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). A chamada “rodovia verde”,
que ficará pronta no prazo de três anos, ao custo de US$ 450 milhões, depende do êxito em apoiar uma “economia de florestas em pé”, obtendo apoio de boa parte do mercado. “É impossível manter o controle apenas pela inspeção governamental”, acrescentou.
Laurance disse que a necessidade de cumprir enormes pagamentos de dívida externa está fomentando a exportação de soja. “O Brasil quer desesperadamente exportar para vir à superfície respirar, e isso dá a quem pressiona pela soja uma enorme influência política em níveis regional e nacional”, afirmou. Segundo o Greenpeace, não será de se estranhar que multinacionais como a Cargill entrem com parte do financiamento para asfaltar a BR-163.
(Por Stephen Leahy, Terramérica, 10/06/2006)
http://www.tierramerica.org/portugues/2006/0610/particulo.shtml