Programa tira 10 mil famílias da coca na Colômbia
2006-06-14
Em todas as partes do mundo, substituição de cultivos ilícitos tem sido
historicamente sinônimo de fracasso. Quando muito, os programas oficiais
oferecem sementes, assistência técnica, insumos e crédito para os
agricultores trocarem suas plantações de coca por lavouras tradicionais de
milho, mandioca, etc. Quando dá tudo certo e conseguem vender, os camponeses
recebem dez vezes ou menos do que ganhariam com a coca - que tem preço e
comprador garantidos.
O francês Thierry Rostan, do Escritório das Nações Unidas contra a Droga e o
Crime (UNODC), está mudando essa história. Responsável por relações com o
setor privado e levantamento de fundos desde 1999, Rostan conduz uma
parceria entre camponeses, governo colombiano, países doadores e setor
privado que já fez 10 mil famílias colombianas trocarem a coca por produtos
de valor agregado, com venda garantida nas redes de supermercado colombianas
ou para exportação. Nesses sete anos, o programa consumiu US$ 10 milhões,
doados basicamente por EUA e Itália, e com ajuda também da França,
Dinamarca, Suécia, Áustria e Espanha.
Os dois diferenciais do programa dirigido por Rostan são esses: os
camponeses não se dedicam só a produtos agrícolas primários, de baixo valor,
mas com qualidade e beneficiamento, graças a usinas construídas com dinheiro
do programa; e, quando se lançam na produção, já têm comprador certo. "O
narcotraficante chega para o camponês e diz: Garanto a compra da sua coca,
porque tenho mercado", descreve o funcionário do UNODC, que ocupa um
edifício de cinco pavimentos no bairro de classe alta de Chicó, em Bogotá -
um dos 121 bens confiscados do narcotraficante Efraín Antonio Hernández, do
Cartel de Cali, morto em 1996. "Usamos a mesma estratégia. É uma solução de
mercado."
São cerca de 30 produtos, que vão de madeira e borracha a café gourmet,
jóias feitas de coco e roupas interiores, passando por iogurte com frutas
amazônicas e chocolate em barra, espalhados por 11 Departamentos (Estados)
do país (ver mapa na página ao lado). Alguns deles, como o café gourmet e o
palmito em conserva, são exportados para a Europa. A parceria começou com a
rede francesa Carrefour, com a qual Rostan tinha mais proximidade. Hoje, as
três maiores cadeias de supermercado colombianas também participam.
"Começamos a vender feijão a granel, depois em sacos para supermercados,
depois em lata, com toucinho", conta o francês. "Hoje, estamos competindo
com a marca nacional sem problemas." Inicialmente, ele negocia preços e
condições de entrega com os supermercados. Com o tempo, os produtores se
habituam e fecham os negócios diretamente. Os supermercados, que fazem
marketing com o valor social da substituição de cultivos, oferecem condições
especiais a esses camponeses. Os produtos são livres de impostos. No ano
passado, as vendas somaram US$ 6 milhões. A meta, este ano, é que alcancem
US$ 10 milhões.
Inquieto, Rostan urde planos maquiavélicos. "Você, como brasileiro, não vai
gostar disso", brinca ele, tirando da prateleira uma sandália Havaianas, com
as cores e bandeira do Brasil. "Vamos fazer uma sandália dessas, misturando
borracha com frutas amazônicas, 70% sintética e 30% natural, com bandeira da
Colômbia e um selo da paz." O slogan do marketing será algo do tipo:
Caminhando para a paz.
A também francesa Michelin está assistindo na melhoria da qualidade da
borracha. A suíça Nestlé investiu em tanques de armazenamento de leite, e
recebe em produção. "Todos saem ganhando", entusiasma-se Rostan, cuja equipe
tem apenas 12 integrantes. A mudança na vida dos camponeses, diz ele, é
visível. O francês se lembra de um camponês no Sul de Bolívar que, quando
conheceu, não tinha eletricidade nem água. Hoje gerente de produção de
chocolate e feijão, anda de terno e os filhos estão na universidade.
Segundo Rostan, não há registro de represália dos narcotraficantes, da
guerrilha e dos paramilitares, por eles financiados, contra os camponeses,
ou de tentativa de forçá-los a voltar a plantar coca. A razão disso é que os
arranjos produtivos envolvem associações de camponeses, não indivíduos.
"Eles não têm coragem de ir contra uma comunidade inteira."
(Agência Estado, 11/06/2006)
http://br.news.yahoo.com/060611/25/15o75.html