Construção da represa El Tigre gera desavenças entre Honduras e El Salvador
2006-06-14
A construção da represa El Tigre, ao custo de US$ 1,5 milhão na fronteira que Honduras e El Salvador compartilham no Rio
Lempa, provocou uma onda de opiniões desencontradas. Alguns alegam perda de soberania sobre os recursos naturais,
outros consideram que a represa evitaria uma nova guerra entre os dois países, desta vez pela água. As primeiras
aproximações para implementar este megaprojeto hidrelétrico, que terá uma cortina de cem metros de altura e inundará 72
quilômetros quadrados, começaram há três semanas. As comunidades fronteiriças demandam maior informação e
participação no estudo.
A idéia de construir esta obra, para abastecer de energia 70% da população salvadorenha, surgiu em 1991, mas somente em
18 de abril deste ano os presidentes de Honduras e El Salvador – Manuel Zelaya e Antonio Saca, respectivamente –
formalizaram a decisão. Carlos Orbin Montoya, representante hondurenho junto ao Banco Centro-Americano de Integração
Econômica (BCIE), acredita que o projeto “chega em um bom momento, porque já acabou a demarcação fronteiriça” entre os
dois países, “e com a represa se busca produzir novas formas de energia limpa. Os dois países devem chegar a um
consenso. Eu digo às vozes contrárias que não se oponham. Este projeto estará pronto em dois anos; há tempo para
dialogar”, disse Montoya ao Terramérica.
Em 1969, Honduras e El Salvador mantiveram uma guerra de cem horas por questões fronteiriças, causando perdas
econômicas do lado hondurenho superiores a US$ 20 milhões, segundo dados oficiais. Foi chamada de “a guerra do futebol”,
pois aconteceu no contexto de um jogo entre as duas seleções. Este litígio levou os dois países a acertarem suas diferenças
no Tribunal de Haia, na Holanda, que em 1992 decidiu a favor de Honduras, concedendo-lhe dois terços dos territórios em
disputa e garantindo sua saída para o Oceano Pacífico. Desde então, o processo de demarcação fronteiriça foi lento, e só
terminou no dia em que os presidentes anunciaram sua disposição de iniciar as obras de El Tigre.
A represa estaria localizada nos departamentos que compreendem a região ocidental de Honduras, e do lado salvadorenho
incluiria o setentrional departamento de San Miguel, segundo projeções iniciais. Os primeiros a serem surpreendidos pelo
anúncio da construção da hidrelétrica foram os moradores limítrofes dos departamentos hondurenhos de Intibucá, Lempira e
La Paz, que protestaram publicamente na fronteira, e em Tegucigalpa, a capital. Estima-se que a represa afetará, pelo menos,
seis comunidades de Honduras. Ninguém sabe o que acontecerá com elas. Segundo Salvador Zúñiga, do Conselho Cívico de
Organizações Populares e Indígenas de Honduras (Copinh), o projeto provocará a retirada de aproximadamente 20 mil
pessoas, embora o governo afirme que seriam cerca de cinco mil.
“Estamos dispostos a dialogar, vamos indenizar, mas agora estamos nos estudos preparatórios que nos levem a uma
consulta permanente às populações afetadas dos dois países e demais líderes sociais”, explicou Jacobo Hernández,
comissário hondurenho para implementação do projeto, junto com seu colega de El Salvador, Eduardo Zablah. Neste país,
organizações sociais, como o Conselho Nacional de Trabalhadores do Campo (CNTC), disseram que a represa trará aos seus
povoados insegurança alimentar, migrações e desemprego. Victor Rivera, integrante do Conselho, afirmou que a construção
de El Tigre é uma afronta aos direitos humanos de hondurenhos e salvadorenhos.
Os potenciais efeitos negativos no entorno causados pela hidrelétrica também estão no centro das preocupações. “Os únicos
estudos de impacto ambiental existentes são de El Salvador e ninguém os conhece aqui”, disse ao Terramérica Rigoberto
Sandoval, ecologista hondurenho. No entanto, ele acredita que não se deve satanizar o projeto. “El Salvador tem grandes
problemas hídricos e essa represa não só vai resolvê-los, como também pode evitar uma guerra pela água”, afirmou. Sandoval
diz que se deve conseguir a documentação que El Salvador possui. “Os mais interessados no projeto devem propiciar um
estudo de impacto ambiental e fazer uma boa negociação onde as instalações da represa não fiquem do lado salvadorenho,
mas do nosso”, acrescentou.
Mario Ponce, especialista hondurenho em questões agrícolas, concorda que os problemas de água são tão fortes em El
Salvador que se deve “pensar em como evitar futuros conflitos” pelo líquido. Para o embaixador salvadorenho em Honduras,
Sigifredo Ochoa, a represa é uma oportunidade que, inclusive, “reivindicará o espírito integracionista que caracterizou” os dois
países “É um esforço que permitirá vencer obstáculos, inclusive os existentes nas linhas de fronteira”, acrescentou em
declarações à imprensa local. Adolfo Facussé, presidente da Associação Nacional de Industriais (Andi) de Honduras, afirmou
que a entidade apóia a construção da represa. “Deve-se debater mais, obter toda informação possível e conhecer experiências
semelhantes em outros países sul-americanos, porque a represa de El Tigre é, no momento, a melhor opção para os
salvadorenhos”, acrescentou.
(Por Thelma Mejía, o autor é colaborador do Terramérica, 12/06/2006)
http://www.envolverde.com.br/materia.php?cod=18391