Filósofo Peter Singer condena que se mate animais para comer
2006-06-13
O filósofo Peter Singer é professor de bioética na Universidade de Princeton.
Vegetariano há 35 anos, um dos mais polêmicos pensadores da área. Mas diz que
sua filosofia é muito simples: “Evitar o sofrimento ao máximo, para seres
humanos e animais”.
Época: Não comer carne sempre foi uma questão ética para o senhor?
Peter Singer: Eu me tornei vegetariano faz 35 anos. Naquela época, esse tema
era totalmente ignorado pelos filósofos. Toda a questão moral em torno do
tratamento de animais não existia para a filosofia. Mas, para mim, essa já
era uma questão ética .
Época: Qual é exatamente a sua posição?
Peter Singer: Não acho que seja justificável submeter animais a sofrimento só
porque gostamos do sabor da carne ou porque estamos acostumados. Mas,
infelizmente, é isso que a gente faz quando compra um animal para comer.
Gostaria de esclarecer que isso só se aplica a pessoas que têm o suficiente
para uma dieta saudável composta só de vegetais. Nunca disse que populações
em condições de pobreza, que precisam comer o que puderem para se nutrir,
deveriam ser vegetarianas. Quem tem outras opções, no entanto, se continuar a
consumir carne, especialmente carne produzida segundo os métodos modernos de
criação de gado, será responsável por submeter os animais a um grande
sofrimento.
Época: O homem não é onívoro por natureza?
Peter Singer: Não sei o que isso dizer. Se quer dizer que não podemos fazer
outra coisa, com certeza, isso não é verdade. Há muitos milhões de pessoas
que não comem animais. Se quer dizer que essa é a forma como sempre fizemos,
é verdade. Mas é irrelevante para determinarmos o que fazer agora.
Época: Na natureza animais comem outros animais.
Peter Singer: Isso não é um argumento. Na natureza, o homem domina a mulher,
um homem escraviza o outro. Ninguém argumenta que essas coisas sejam certas.
Época: O que seria um argumento moral válido?
Peter Singer: Um argumento moral tem de ter algumas premissas, deve ser algo
que nos guia.
Época: Quem determina as premissas que devemos seguir?
Peter Singer: Ninguém determina. Cada um de nós determina para si próprio.
Devemos fazer isso pensando claramente sobre o que fazemos, nos perguntando,
por exemplo, se gostaríamos que fizessem conosco o que fazemos com o outro.
Época: Seu pensamento ético se encaixa em alguma escola filosófica ou tradição
moral?
Peter Singer: Minha visão moral vem da filosofia utilitária desenvolvida por
filósofos ingleses como Jeremy Bentham and John Stuart Mill no do século 19.
Mas não acho que, essencialmente, meus argumentos pelo vegetarianismo sejam
utilitários. São uma extensão de pensamentos que a maioria das pessoas tem,
como a rejeição ao racismo. Uma extensão disso é o que eu chamo de
especiesmos, preconceito contra aqueles que não são membros da nossa espécie.
Época: Esse preconceito se volta só contra algumas espécies? Por que comemos
bois e porcos e não comemos gatos e cachorros?
Peter Singer: Algumas pessoas comem gatos e cachorros. Isso é cultural. No
ocidente, nós não comemos gatos e cachorros, mas, ainda assim, somos
preconceituosos em relação a eles. Muitas vezes eles são muito maltratados.
Época: Um dos argumentos que o senhor coloca para não comermos animais é que
eles são auto-conscientes. Todo animal é consciente de si mesmo?
Peter Singer: Não. Os animais são conscientes no sentido de que são capazes
de sentir dor, pelo menos a maioria (ostras não devem sentir nada). Mas não
acredito que todos sejam conscientes de si mesmos. É difícil saber. Eu nunca
disse que galinhas, por exemplo, têm consciência de sua existência. Mas elas
sentem dor.
Época: O senhor comeria ostras?
Peter Singer: Acho que tudo bem comer uma ostra. Não creio que ostras sintam
dor.
Época: Algumas pessoas dizem que plantas têm sentimentos.
Peter Singer: Não há nenhuma evidência de que isso seja realmente verdade.
Época: E se a ciência provar que é verdade?
Peter Singer: Se a ciência provar que é verdade, precisaremos arrumar formas
de reduzir esse sofrimento. Claro que teremos de comer alguma coisa. Mas é
sempre bom lembrar que quando comemos animais somos responsáveis por destruir
cinco ou dez vezes mais plantas do que se as comêssemos diretamente.
Portanto, as plantas serem capazes de sofrer ainda não seria uma razão para
comer animais.
Época: É mais ético caçar do que criar animais?
Peter Singer: De alguma forma, sim, porque os animais têm uma vida normal. E,
se o caçador tiver boa pontaria, eles morrem instantaneamente e não sofrem.
É muito melhor do que ir a um supermercado e comprar um pedaço de carne que
vem de uma fazenda de produção industrial, onde os animais provavelmente
sofreram por toda a sua vida.
(Época online, 12/06/2006)
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG74453-5856-421,00.html