SP quer ressuscitar a reserva legal
2006-06-13
Uma minuta de decreto está no Palácio dos Bandeirantes, e a previsão é que um parecer saia nesta semana. O texto regulamenta o Código Florestal, de 1965, que obriga a manutenção da cobertura natural em áreas de mata atlântica em pelo menos 20% do terreno. (O índice varia de acordo com o bioma: para o cerrado, são 50%, e para a Amazônia, 80%). E também define regras e instrumentos para os proprietários rurais recuperarem a mata destruída, como um prazo de 30 anos, permissão de plantio de espécies exóticas e do uso do espaço e recuperação em outra área na mesma microbacia.
Na teoria, isso já deveria ser feito desde 1965. Mas a prática é outra, há muito tempo, antes mesmo do código. No interior do Sul e do Sudeste, as árvores de floresta úmida já deram espaço para café, gado, cana-de-açúcar e estradas, sempre em prol do desenvolvimento.
"A posição da secretaria (de Meio Ambiente) é legalista. O interesse é regulamentar o dispositivo legal. Não estamos criando nada novo", diz o assessor técnico Antônio Luiz Lima de Queiroz, do Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais.
Mesmo sem novidades, se o texto for assinado pelo governador Cláudio Lembo, provocará uma grita dos produtores rurais. Apesar de a lei federal ter 40 anos, a falta de regulamentação e a liberdade concedida por sucessivos governos permitiram que a agricultura se consolidasse em até 100% das propriedades.
A reação já está em curso. A Associação Brasileira de Agribusiness (Abag) é contra o texto, e tem conversado com a Secretaria de Agricultura de São Paulo. Segundo Mônika Bergamaschi, da Abag Ribeirão Preto (uma das regiões do Estado com extensas áreas cultivadas), a proposta é "economicamente inviável e tira a pessoa de seu estado de direito".
O secretário de Agricultura e Abastecimento, Alberto José Macedo Filho, afirma que espera um levantamento da real situação das propriedades rurais para se posicionar. "Não se tem idéia de quanto há de áreas de proteção permanente (APPs) e reservas legais no Estado. Há implicações desta regulamentação nas produções."
Mônika, da Abag, está especialmente preocupada com os proprietários que adquiriram a terra antes da publicação do Código Florestal, situação comum em um Estado com histórico secular de produção agrícola. Atualmente, apenas 14% do Estado, ou 3,4 milhões de hectares, ainda tem cobertura natural, entre mata, cerrado, campo, várzea, restinga e mangue, a grande maioria fragmentada. Nesta conta entram as unidades de conservação particulares, municipais, estaduais e federais, APPs, como topos de morro e margem de corpos dágua, além das reservas legais.
Ela calcula que o gasto de recuperação da mata - R$ 10 mil por hectare -, somado a uma redução na área produtiva, se choca com a "vocação agroindustrial do País", com impactos econômicos e sociais. E compara a terra com uma casa. "Você tem cinco quartos, e dizem que um deles você não pode usar. Em cima de que dados técnicos 20% não podem ser usados?", pergunta.
Mônika também afirma que a recuperação da mata não será efetiva, uma vez que a biodiversidade já foi perdida. "O que a gente vai fazer? Replantar? Brincar de Deus?" Segundo ela, não há nenhum estudo técnico que explique a razão do índice de 20%. A afirmação é compartilhada por Queiroz. "Realmente poderia ser 30% ou 15%, mas a lei estabelece 20%. É estranho que ninguém tenha questionado antes."
(Por Cristina Amorim, O Estado de S. Paulo, 12/06/2006)
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