Às vésperas de um possível sinal verde do Conselho Nacional de Política
Energética (CNPE) para a construção da usina nuclear de Angra 3, analistas do
setor de energia divergem sobre a idéia de retomar o projeto que foi
interrompido há quase 20 anos. Para o consultor e engenheiro civil Humberto
Viana Guimarães, caso a reunião do CNPE, que deverá ocorrer nos próximos dias
21 e 22, resolva retirar do papel Angra 3, a medida representará um "grande
retrocesso para o Brasil", justamente num momento em que o país começa a se
destacar no mundo pela produção - e pelo domínio da tecnologia - de combustíveis
renováveis e ambientalmente corretos, como o álcool de cana-de-açúcar e o
biodiesel.
"Os que defendem Angra 3 parecem desconhecer os inúmeros problemas ocorridos
com as outras duas usinas nucleares, sobretudo a primeira, que demorou 14 anos
para entrar em operação e, por causa de suas muitas paralisações, ganhou o
apelido de ‘usina vaga-lume’, diz Guimarães.
Na avaliação do consultor, Angra 1 e Angra 2 tiveram "custos extremamente altos
na fase de construção", de US$ 1,08 bilhão e US$ 5,28 bilhões, respectivamente,
para "gerar irrisórios 675 megawatt e 1.307 MW" em cada uma delas. "Essas
centrais já deram demonstração que têm custos muito alto para um benefício
muito pequeno", enfatiza o analista.
Segundo cálculos do consultor, cada megawatt gerado por Angra 1 custou ao
governo US$ 1,6 milhão. "Na usina de Itaipu, o governo gastou US$ 16 bilhões,
para gerar 12.600 MW, ou seja, US$ 1,27 milhão por megawatt", compara. Já o
valor por megawatt de uma usina de cogeração de energia a partir do bagaço de
cana ou de Pequena Central Hidrelétrica (PCH), de acordo com Guimarães, não
passa de US$ 800 mil.
No entanto, o professor Sérgio Valdir Bajay, do departamento de energia da
Faculdade de Engenharia Mecânica da Universidade de Campinas (Unicamp), vê com
simpatia a idéia do governo em reativar Angra 3. "Trata-se de um negócio
"economicamente viável", afirma Bajay, que diz ter feito uma análise minuciosa
do projeto na época em que exerceu o cargo de diretor do Departamento Nacional
de Política Energética, do Ministério de Minas e Energia, entre os anos de 2001
e 2002.
De onde sairá o dinheiro?
Porém, segundo o professor da Unicamp, apesar da viabilidade do projeto, a
terceira usina nuclear não saiu do gaveta durante a gestão de Fernando Henrique
Cardoso sobretudo pela dificuldade do governo em levantar recursos para a
retomada das obras, paralisadas em 1987. "Como a lei não permite que o setor
privado tenha participação majoritária em negócios que envolvam a geração de
energia nuclear, o dinheiro de Angra 3 teria de ser retirado do orçamento do
governo", explica. Assim, a gestão FHC acabou descartando a idéia de cortar
verbas de outros ministérios, como os da Saúde e Educação, para priorizar Angra
3, empurrando o problema para o governo Lula.
"Acredito que o governo atual esteja enfrentando o mesmo tipo de problema
(dificuldade financeira) para conseguir colocar em prática o projeto", diz o
professor, que, por causa disso, vê com certo ceticismo as previsões de que
Angra 3 começará a ser construída já a partir do ano que vem.
Investimentos de US$ 2,55 bi
A construção da usina foi orçada pelo atual ministério de Minas e Energia em US$
1,8 bilhão. Todo o projeto custará, segundo o governo, US$ 2,55 bilhões - a soma
do valor da obras mais o montante (US$ 750 milhões) gasto com a compra de
equipamentos, adquiridos da Alemanha há mais de 15 anos e que, desde então,
estão armazenados em local especial, com direito a ar-condicionado (para
conservação do material), "ao custo de US$ 20 milhões por ano", de acordo
Guimarães. Porém, assim como ocorreu com as outras usinas nucleares, Angra 3
terá um custo bem superior ao valor projetado pelo governo, na avaliação do
engenheiro civil. "Na melhor das hipóteses, o custo total para colocar a usina
em operação será de cerca de US$ 3,45 bilhões, sendo US$ 2,7 bilhões para obras
em geral", estima o consultor.
Diversificação da matriz
O analista Adriano Pires, presidente do Centro-Brasileiro de Infra-estrutura
(CBIE), também é favorável à construção de Angra 3, mas desde que o governo
desista de levar adiante os projetos que prevêem a instalação das hidrelétricas
de Belo Monte, no Pará, e do rio Madeira, em Rondônia. "O governo não terá
recursos suficientes para colocar em prática esses três megaprojetos", diz Pires.
Segundo o presidente do CBIE, a escolha por Angra 3 seria uma opção
"estrategicamente correta", pois resultaria na "diversificação da matriz
energética brasileira", enquanto a construção de novas hidrelétricas teria
efeito contrário, ou seja, ampliaria a concentração desse tipo de fonte no
ranking geral de oferta de energia do País.
O professor da Unicamp, Sérgio Valdir Bajay, ressalta ainda que a construção de
Angra 3 também ajudaria a reforçar o parque brasileiro de geração de energia
nuclear, aumentando a escala de produção do combustível e, consequentemente,
diminuindo o custo do insumo no mercado interno. "Com uma terceira usina nuclear
em operação no País, é possível até começar a vislumbra o mercado externo",
diz Bajay, para quem o Brasil poderá se tornar um grande exportador do
combustível nuclear.
Lixo radioativo
O consultor Humberto também questiona a respeito de onde será depositado o lixo
de baixa, média e alta radioatividade gerado em Angra 3. "Os depósitos atuais
são suficientes ou a Eletronuclear (estatal que opera as usinas nucleares do
País) tem problema de local para estoque?", indaga.
Outro ponto que a Eletronuclear precisa esclarecer, de acordo com Guimarães, é
se os equipamentos que foram comprados para Angra 3 no passado estão em perfeito
estado de conservação. "Sendo afirmativa a resposta, eles ainda poderão ser
totalmente utilizados ou parte deles já está obsoleta?, pergunta.
(Denis Cardoso,
Gazeta Mercantil , 12/06/2006)