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2006-06-12
Às vésperas de um possível sinal verde do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) para a construção da usina nuclear de Angra 3, analistas do setor de energia divergem sobre a idéia de retomar o projeto que foi interrompido há quase 20 anos. Para o consultor e engenheiro civil Humberto Viana Guimarães, caso a reunião do CNPE, que deverá ocorrer nos próximos dias 21 e 22, resolva retirar do papel Angra 3, a medida representará um "grande retrocesso para o Brasil", justamente num momento em que o país começa a se destacar no mundo pela produção - e pelo domínio da tecnologia - de combustíveis renováveis e ambientalmente corretos, como o álcool de cana-de-açúcar e o biodiesel.

"Os que defendem Angra 3 parecem desconhecer os inúmeros problemas ocorridos com as outras duas usinas nucleares, sobretudo a primeira, que demorou 14 anos para entrar em operação e, por causa de suas muitas paralisações, ganhou o apelido de ‘usina vaga-lume’, diz Guimarães.

Na avaliação do consultor, Angra 1 e Angra 2 tiveram "custos extremamente altos na fase de construção", de US$ 1,08 bilhão e US$ 5,28 bilhões, respectivamente, para "gerar irrisórios 675 megawatt e 1.307 MW" em cada uma delas. "Essas centrais já deram demonstração que têm custos muito alto para um benefício muito pequeno", enfatiza o analista.

Segundo cálculos do consultor, cada megawatt gerado por Angra 1 custou ao governo US$ 1,6 milhão. "Na usina de Itaipu, o governo gastou US$ 16 bilhões, para gerar 12.600 MW, ou seja, US$ 1,27 milhão por megawatt", compara. Já o valor por megawatt de uma usina de cogeração de energia a partir do bagaço de cana ou de Pequena Central Hidrelétrica (PCH), de acordo com Guimarães, não passa de US$ 800 mil.

No entanto, o professor Sérgio Valdir Bajay, do departamento de energia da Faculdade de Engenharia Mecânica da Universidade de Campinas (Unicamp), vê com simpatia a idéia do governo em reativar Angra 3. "Trata-se de um negócio "economicamente viável", afirma Bajay, que diz ter feito uma análise minuciosa do projeto na época em que exerceu o cargo de diretor do Departamento Nacional de Política Energética, do Ministério de Minas e Energia, entre os anos de 2001 e 2002.

De onde sairá o dinheiro?
Porém, segundo o professor da Unicamp, apesar da viabilidade do projeto, a terceira usina nuclear não saiu do gaveta durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso sobretudo pela dificuldade do governo em levantar recursos para a retomada das obras, paralisadas em 1987. "Como a lei não permite que o setor privado tenha participação majoritária em negócios que envolvam a geração de energia nuclear, o dinheiro de Angra 3 teria de ser retirado do orçamento do governo", explica. Assim, a gestão FHC acabou descartando a idéia de cortar verbas de outros ministérios, como os da Saúde e Educação, para priorizar Angra 3, empurrando o problema para o governo Lula.

"Acredito que o governo atual esteja enfrentando o mesmo tipo de problema (dificuldade financeira) para conseguir colocar em prática o projeto", diz o professor, que, por causa disso, vê com certo ceticismo as previsões de que Angra 3 começará a ser construída já a partir do ano que vem.

Investimentos de US$ 2,55 bi
A construção da usina foi orçada pelo atual ministério de Minas e Energia em US$ 1,8 bilhão. Todo o projeto custará, segundo o governo, US$ 2,55 bilhões - a soma do valor da obras mais o montante (US$ 750 milhões) gasto com a compra de equipamentos, adquiridos da Alemanha há mais de 15 anos e que, desde então, estão armazenados em local especial, com direito a ar-condicionado (para conservação do material), "ao custo de US$ 20 milhões por ano", de acordo Guimarães. Porém, assim como ocorreu com as outras usinas nucleares, Angra 3 terá um custo bem superior ao valor projetado pelo governo, na avaliação do engenheiro civil. "Na melhor das hipóteses, o custo total para colocar a usina em operação será de cerca de US$ 3,45 bilhões, sendo US$ 2,7 bilhões para obras em geral", estima o consultor.

Diversificação da matriz
O analista Adriano Pires, presidente do Centro-Brasileiro de Infra-estrutura (CBIE), também é favorável à construção de Angra 3, mas desde que o governo desista de levar adiante os projetos que prevêem a instalação das hidrelétricas de Belo Monte, no Pará, e do rio Madeira, em Rondônia. "O governo não terá recursos suficientes para colocar em prática esses três megaprojetos", diz Pires. Segundo o presidente do CBIE, a escolha por Angra 3 seria uma opção "estrategicamente correta", pois resultaria na "diversificação da matriz energética brasileira", enquanto a construção de novas hidrelétricas teria efeito contrário, ou seja, ampliaria a concentração desse tipo de fonte no ranking geral de oferta de energia do País.

O professor da Unicamp, Sérgio Valdir Bajay, ressalta ainda que a construção de Angra 3 também ajudaria a reforçar o parque brasileiro de geração de energia nuclear, aumentando a escala de produção do combustível e, consequentemente, diminuindo o custo do insumo no mercado interno. "Com uma terceira usina nuclear em operação no País, é possível até começar a vislumbra o mercado externo", diz Bajay, para quem o Brasil poderá se tornar um grande exportador do combustível nuclear.

Lixo radioativo
O consultor Humberto também questiona a respeito de onde será depositado o lixo de baixa, média e alta radioatividade gerado em Angra 3. "Os depósitos atuais são suficientes ou a Eletronuclear (estatal que opera as usinas nucleares do País) tem problema de local para estoque?", indaga.

Outro ponto que a Eletronuclear precisa esclarecer, de acordo com Guimarães, é se os equipamentos que foram comprados para Angra 3 no passado estão em perfeito estado de conservação. "Sendo afirmativa a resposta, eles ainda poderão ser totalmente utilizados ou parte deles já está obsoleta?, pergunta.
(Denis Cardoso, Gazeta Mercantil , 12/06/2006)

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