Índios denunciam desmate e queimadas em Juína (MT)
2006-06-12
O garimpo, as queimadas e o desmatamento estão a destruir grandes extensões de terras localizadas na sub-bacia do rio Preto, no município de Juína (730 quilômetros ao norte de Cuiabá). O ritmo da devastação é acelerado e não poupa nem mesmo as áreas de preservação permanente, como beiras de rios e nascentes.
A denúncia foi feita semana passada ao Ministério Público Federal e à Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema) por um grupo de representantes da etnia enawenê nawê, que há 15 anos luta para que a área seja definitivamente incorporada ao seu atual território, demarcado em 1996.
“Antigamente, não existia isso de fazendeiro, garimpeiro e madeireiro no rio Preto. Aquilo ali era só aldeia. A cada ano que passa, porém, a região está mais destruída. Não estão respeitando nada da legislação ambiental. São desmatamentos, pontes, estradas, garimpos”, enumerou Kawalitiwalo Ene, uma das lideranças do grupo que desembarcou na Capital.
Dizendo-se “cansados” de levar o caso ao conhecimento da Funai (ver matéria), os enawenê pediram ao MPF e à Sema ações de emergência para, ao menos, assegurar a integridade da área. “Já fomos até em Brasília para cobrar uma atitude da Funai, mas a entidade está muito fraca. Já não agüentamos mais esperar”, justificou.
A área da bacia do rio Preto – um contribuinte da margem esquerda do rio Juruena – se estende por 161 mil hectares. Cenário de alguns mitos de origem (ver matéria), a região abriga uma modalidade de pesca coletiva feita por meio de barragens, que pode durar até dois meses e precede o ritual do Yãkwa, o mais longo e importante da etnia.
Além disso, é uma fonte segura de alimento e materiais para confecção de adornos e artesanato. “Ali há muito jenipapo e açaí. Tem muito peixe também”, diz o pajé Donese Ene, cujo pai nasceu em uma das aldeias localizadas ao longo do rio Preto.
Com o auxílio de um mapa, Donese é capaz de identificar uma dezena dessas antigas aldeias e de contar histórias e lendas a elas relacionadas. Segundo ele, é possível encontrar artefatos que remetem à ocupação tradicional daquele território. Até mesmo estes vestígios, contudo, estão ameaçados pelos atuais ocupantes.
“Estão abrindo estradas em cima de onde eram antigas aldeias”, denuncia Kawalitiwalo, que diz ser cada vez mais tensa a relação entre os índios da etnia e os atuais ocupantes.
No início deste ano, os acampamentos erguidos para a pesca ritual – que geralmente são preservados para os anos seguintes – estavam completamente destruídos. “Para fazer a pesca ritual, temos de avisar a Funai, para que converse com os fazendeiros e explique o que vamos fazer. Mesmo assim, quando entramos na área, é sempre com medo”.
Em 2004, a Funai iniciou a formação de um grupo técnico para estudar a situação da bacia do rio Preto. Um edital chegou a ser publicado, anunciando a contratação de técnicos para o trabalho – que, conforme a promessa oficial, seria iniciado ainda em 2005. Tudo em vão.
“O processo foi suspenso pela Funai e até hoje não conseguimos entender o que aconteceu”, lamenta o índio, que teme as conseqüências dessa decisão para o futuro da etnia. “Dá muita tristeza”.
(Por Geraldo Tavares, Diário de Cuiabá, 10/06/2006)
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