Coordenador de Áreas Protegidas do WWF-Brasil defende políticas diferenciadas para a Amazônia
2006-06-12
A porção meridional da Amazônia Brasileira, que vai do norte do Tocantins até o sul do
Amazonas é uma região de destaque entre conversacionistas por dois motivos: sua rica
diversidade biológica e a forte pressão antrópica que vem sofrendo. A reunião em uma única
paisagem de porções de floresta seca, floresta úmida e cerrado por si só já justificaria a
atenção especial que vem ganhando do governo brasileiro e de organizações
não-governamentais.
Mas o agressivo avanço da fronteira agrícola, cujo desenho vem passando de arco para uma
lamentável cruz de destruição ao longo dos eixos da Transamazônica (BR-230) e da
Rodovia Cuiabá-Santarém, a BR-163 vem motivando a criação de uma série de unidades de
conservação, de diferentes categorias – um conjunto de ações e medidas para promover a
conservação desse rico pedaço do bioma amazônico que é parte do programa Corredores
Ecológicos do Ministério do Meio Ambiente/PPG7, conhecido como “Corredor dos
Ecótones Sul Amazônicos”.
Em entrevista à Agência de Notícias Estação Vida, o coordenador do Programa Áreas
Protegidas e Apoio ao Arpa Amazônia do WWF-Brasil Claudio Maretti detalha a importância
desse trabalho de conservação e afirma que a região pode dar mais lucro com floresta do
que com soja e gado, mas para isso precisa de políticas econômicas de base florestal.
“Não é possível imaginar um muro que pare o desmatamento, isso não funciona. A gente
precisa de 80% da Amazônia em pé e não vamos conseguir fazer isso através da proteção
integral”, diz Maretti, defendendo que para resolver o problema da destruição da floreta
Amazônia, mais que unidades de conservação, são necessárias políticas públicas
diferenciadas, presença do estado e regularização fundiária, entre outras medidas.
Como se mede a importância do Corredor de Conservação da Amazônia Meridional?
Cláudio Maretti – Para a conservação é importante que se tenha variedade, mas também
volume, nesse sentido, a biodiversidade pode ser um indicador, mas não é único. O recurso
floresta e os serviços ambientais que os ecossistemas naturais prestam não dependem
apenas da diversidade, mas esse é senão o mais importante, um dos mais importantes
indicadores da riqueza que temos na natureza. Ainda não temos conhecimentos suficientes
para dizer qual é a região mais importante da Amazônia, mas o que temos nos possibilita
dizer que o Sudoeste da Amazônia merece destaque. Além disso, é urgente a proteção
dessa região que é ainda configurada como a frente de desmatamento e degradação não só
da floresta mas dos ambientes aquáticos.
Há um conflito na região entre conservação e desenvolvimento. Um discurso de que criando
unidades de conservação se está acabando com as possibilidades de desenvolvimento
econônico de uma região que é bastante pobre. Como superar esse conflito?
CM – As pessoas estão acostumadas com um tipo de desenvolvimento e precisam ser
convencidas de que outras formas de desenvolvimento são viáveis. Tem o aspecto da
cultura, do desbravamento, o grande sonho das pessoas que vieram para essa região é se
tornar um promissor fazendeiro. Isso é muito forte. Um lado da superação desse conflito é
entender e trabalhar com a postura cultural desses chamados desbravadores, que são
importantes, a história do Brasil inteiro, desde 1500, foi desbravar. Mas está claro para
estudiosos de que algumas regiões podem dar mais rendimento econômico se preservadas.
Como se transforma floresta em produção econômica?
CM – A sociedade rural brasileira tem uma das maiores capacidades de lobby no Brasil,
mas no setor madeireiro você tem uma meia dúzia de empresas com interesse em
certificação e um grande número de pessoas trabalhando na ilegalidade. Como a maior
parte das terras são públicas – estaduais e federal – a não-presença do estado nessa
região é um fator que facilita essa ilegalidade. Há uma economia da degradação que é
viabilizada pela sequência de exploração tradicional em que a madeira de alto valor para
exportação abre as primeira estradas, em seguida vem a exploração das madeiras de baixo
valor, esgotado isso se aproveita as estradas já feitas para abrir novas áreas e fazer pasto e
depois vem ou a pecuária mais tecnificada ou a agricultura. Esse ciclo só se sustenta com
base no mercado negro da terra, cada passo desse ciclo se sustenta revendendo a terra,
criando uma expectativa de conquista da terra cada vez maior.
Precisamos de uma economia de base florestal para superar o conflito. Para conservar a
Amazônia, nós obrigatoriametne teremos que ter um modelo econômico de base florestal
de uso sustentável dos recursos naturais, com uma grande área de exploração comercial e
industrial, não só comunitaria, pois do contrário não temos como competir de forma
econômia com o interesse em plantar soja, cana, gado, etc. Os bancos não querem
financiar floresta porque não sabem fazer isso. E para conciliar desenvolvimento e
conservação, as atividades econômicas têm que ter mais cuidados ambientais.
Essas questões estão dentro da discussão do Plano BR-163 Sustentável, mas na prática o
plano andou muito pouco. Isso atrapalha?
CM – Houve uma mobilização social muito forte em torno dessa discussão que o governo
teve que respeitar, o que foi muito positivo. Mas o grande problema é que foi tanta
discussão que acabou estimulando a especulação antes que a rodovia fosse pavimentada.
E como o resto do mundo vê a importância da conservação da Amazônia?
CM – Quando a gente pensa que alguns bilhões de dólares foram gastos para pagar
indenizações e para reconstrução de Nova Orleans depois do furacão Katrina, a gente vê
que o impacto das mudanças climáticas tem mobilizado os outros países. Se a Amazônia
for desmatada, nós vamos acabar com o esforço de todos os países para barar as
mudanças climáticas. Isto está evidente na macro escala, o difícil é trazer isso para micro
escala. Precisamos de 80% da Amazônia em pé, protegida e não vamos conseguir fazer
isso através da progeção integral, vamos precisar de uso. Numa conta rápida, temos 15%
da Amazônia brasileira desmatada; vamos precisar manter de 20% a 25% de terras
indígenas; no máximo de 10% a 15% de áreas de proteção integral.
Talvez, com muito otimismo, entre 10% e 20% de áreas de uso sustentável comunitário,
considerando as reservas extrativistas e de desenvolvimento sustentável e algumas
comunidades em florestas nacionais. Depois teríamos mais 5% a 10% de projetos de
assentamentos que têm que ser dirigidos para serem sustentáveis, de base florestal, essas
não são áreas protegidas, mas áreas de atividade econõmica baseada na exploração dos
recursos naturais de forma equilibrada. E depois temos entre 20% e 30% de áreas de
exploração comercial, que podem ser melhoradas com a perspectiva das concessões de
exploração florestal em terras públicas. Hoje o madeireiro que faz manejo correatamente
não tem como competir com o comércio ilegal.
(Estação Vida, 09/06/2006)
http://www.estacaovida.com.br/