Ribeirinhos do Solimões usam tecnologias para sustentabilidade local
2006-06-09
As comunidades que vivem à beira do Rio Solimões, entre Coari e Manaus (AM), - trecho do transporte de petróleo e gás gerenciado pela estatal Petrobrás - passaram a usufruir tecnologias voltadas ao desenvolvimento auto-sustentável da região há cerca de um ano. Agricultura, pesca e uso de plantas medicinais foram os segmentos focalizados pelo Programa Desenvolvimento Rural e Sustentabilidade em Comunidades Ribeirinhas do Amazonas, através do projeto Potenciais Impactos e Riscos Ambientais na Indústria do Petróleo e Gás no Amazonas (Piatam), vinculado à empresa governamental. Pesquisadores e comunidades destacam que o projeto tem contribuído para uma maior agregação de valor aos produtos locais, bem como melhoria da qualidade de vida da população e do ambiente.
As tecnologias foram desenvolvidas a partir da coleta de dados, estudos e análises das condições socioeconômicas, culturais e ambientais das comunidades ribeirinhas, buscando atender as demandas regionais. A coordenadora do programa, Therezinha de Jesus Pinto Fraxe, professora da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), instituição parceira do Piatam, explica que a proposta inicial era tornar os agricultores independentes do mercado. “A preocupação foi criar tecnologias para que eles próprios possam, por exemplo, produzir suas sementes e controlar as pragas, tornando-os mais independentes de insumos externos e mais próximos da auto-sustentabilidade”, afirma.
Na produção agrícola, por exemplo, foi caracterizada uma ferramenta para o uso de repelentes naturais para o controle de pragas em plantações de fumo. Além disso, uma máquina de desfibrilar a malva e a juta foi adquirida para facilitar o trabalho dos agricultores. As comunidades também adotaram como fertilizante um húmus feito a partir da decomposição controlada de plantas aquáticas, que diminuem o uso de agrotóxicos nas lavouras. Por meio deste processo, incorporam-se nutrientes ao solo, o que permite obter resultados eficazes na produção de frutas, verduras e plantas ornamentais, explica Therezinha. “Nossa várzea possui lençol freático muito baixo, por causa disso é fácil de ser contaminado. Para evitar esse problema criamos tecnologias a partir do plantio orgânico”, completa.
Na produção pesqueira os moradores ribeirinhos aprendem a usar caixas de polietileno adequadas para o armazenamento de peixe e aprendem a manejar os lagos a partir de metodologias participativas. Com as novas ferramentas, os pescadores locais poderão comercializar mais peixe, sem interferir em seu processo reprodutivo, gregar mais valor ao seu trabalho e revitalizar seus conhecimentos acerca dos lagos. "Muitos desconsideravam a época de procriação nos lagos, o que levava a uma redução drástica de cardumes”, observa a coordenadora do programa, criado há mais de um ano.
Além disso, um campo pouco explorado pelas comunidades - o uso medicinal da biodiversidade de flora - também foi estimulado. Therezinha conta que muitas mulheres idosas fazem remédios caseiros, mas com certa limitação na fabricação. Os pesquisadores elaboraram algumas cartilhas sobre plantas medicinais e o poder dos princípios ativos das plantas, visando ampliar o etnoconhecimento sobre as plantas e seus usos.
A população ribeirinha do Solimões manteve-se desconfiada e resistente à implantação do programa inicialmente, conta Therezinha. Em sua opinião, essa barreira foi criada há muitos anos porque a região já serviu como experimento de tecnologias pré-fabricadas que trouxeram danos aos moradores, como mortes por intoxicação, mutilação por uso desordenado de moto-serra, entre outros. Preocupado em produzir pesquisas e desenvolver tecnologias em diálogo com os moradores e suas necessidades, o Projeto Piatam realizou durante quatro anos estudos na região. Nesse período, 30 profissionais, dentre eles, pesquisadores, mestrandos, doutores e graduandos, buscaram levantar os problemas enfrentados pelas comunidades e criar alternativas auto-sustentáveis. “Cada comunidade precisa de uma ferramenta tecnológica específica, desenvolvida conforme o tipo de estrutura socioambiental e o cultivo existente. Por isso precisamos desse tempo para a implantação do programa, afim de reduzir os impactos ambientais e agregar valores à produção local”, explica Therezinha.
A agente de saúde que vive na Comunidade Nossa Senhora das Graças, Maria Madalena de Souza Lima, 37 anos, é uma entre os moradores que se mostra otimista com o programa. Ela diz que após a implementação houve maior incentivo à produção local. “Nós estávamos muito parados aqui porque não tínhamos motivação e nem sabíamos como produzir alimentos para nossa subsistência. Hoje plantamos milho, criamos galinha e também fazemos adubo. Meu marido, que é pescador, também está aprendendo a comercializar o peixe. Com tudo isso nós reduzimos nossa dependência dos alimentos da cidade. É uma economia para nós! ”, relata.
Para criar as ferramentas tecnológicas, os pesquisadores também levaram em consideração as características da região, tais como: os múltiplos domínios paisagísticos e ecológicos; contrastes de terras altas e secas (firmes) e terras baixas e úmidas (várzeas); a biodiversidade de flora e fauna; e as diferenças socioculturais, que revelam os diversos modos de uso e apropriação dos recursos naturais da região. Ao todo, o Programa Desenvolvimento Rural e Sustentabilidade em Comunidades Ribeirinhas do Amazonas atende 20 grupos e cerca de dez mil pessoas. As populações estão em comunidades, como Santa Luzia do Buiuçuzinho, Esperança II, Lauro Sodré, Matrinxã, Santo Antonio, Bom Jesus, Nossa Senhora de Nazaré, Nossa Senhora das Graças e Santa Luzia do Baixio.
(Por Érika Blaudt, ComCiência, 08/06/2006)