Urbanização acaba com os rios de Florianópolis
2006-06-09
Os cursos de água da Ilha de Santa Catarina continuam sendo tratados como os
primos-pobres dos ecossistemas, tendo suas margens ocupadas e sem a vegetação
protetora, recebendo toneladas de sedimentos, esgoto e lixo todos os dias. A
avaliação é da gerente de licenciamento e fiscalização da Fundação Municipal do
Meio Ambiente (Floram), Elisa Rehn, associando a degradação dos rios, córregos
e ribeirões ao avanço da urbanização.
"Sempre que há um rio preservado, com as águas limpas e a vegetação ciliar das
margens intacta, não existe ocupação humana por perto", salientou Elisa. Quando,
ao contrário, o curso está poluído com esgoto e outros líquidos, as águas
amareladas e com volume diminuído, sempre haverá por perto um núcleo de
edificações, por menor que seja. "Fica até ruim para a gente explicar a
necessidade de preservação das margens dos rios, pois há uma tradição cultural
que não vê problemas em morar perto de um rio", desabafou a gerente da Floram.
O Código Florestal de 1965, confirmando o anterior da década de 1930, já previa
uma margem de proteção de cinco metros ao longo dos cursos de água. Mais tarde,
a faixa subiu para 15 metros e, a partir de 1989, para 30 metros, aumentando
conforme a largura. "O rio pode ter pouca água ou mesmo ser temporário, surgindo
durante as chuvas, mas continuará a ser um curso dágua e por isso protegido",
destacou a representante da Fundação.
As mudanças nos tamanhos da faixa de proteção, onde a vegetação não pode ser
tocada, nem ser erguidas construções, "têm nos causado problemas", reforçou o
superintendente da Floram, Francisco Rzatki. "O fato de antes existir uma faixa
de proteção de 15 metros e depois haver passado para 30 metros faz com que
apareçam irregularidades nos alinhamentos das edificações próximas dos rios",
disse.
"Quando a gente vai autuar algum morador que chegou recentemente e está a menos
de 30 metros, ele alega estar havendo discriminação, apontando a casa de um
vizinho distante 15 me-tros da margem. A gente tenta explicar, mas eles não
entendem", complementou. Segundo Elisa Rehn, "as condições dos rios têm relação
direta com a balneabilidade das praias, pois os pontos mais críticos sempre
estão próximos de saídas de cursos de água".
Saiba mais
Principais cursos de água da Ilha de Santa Catarina
Bacias
· Ratones
· Saco Grande
· Lagoa da Conceição
· Itacorubi
· Rio Tavares
· Lagoa do Peri
Rios
· Naufragados
· das Pacas
· do Peri
· da Tapera
· Cachoeira Grande
· Tavares
· Itacorubi
· do Sertão
· Büchele
· Araújo
· Pau do Barco
· do Mel
· Veríssimo
· Ratones
· Papaquara
· Palha
· do Braz
· Sanga dos Bois
· Capivari
· Capivaras
Ribeirões
· Vargem Pequena
· Vadik
· do Porto
· Sertão da Fazenda
Córregos
· do Passarinho
· do Ramos
· Arroio dos Macacos
· Ana dAvila
Problemas mais graves são encontrados nos rios pequenos
Os dois rios de maior porte na área insular de Florianópolis estão sob a
responsabilidade do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais
Renováveis (Ibama), que administra a Estação Ecológica de Carijós (bacia do rio
Ratones) e a Reserva Extrativista Marinha de Pirajubaé (rio Tavares). Eles
também sofrem com o lançamento de poluentes e sedimentos que aceleram o processo
de assoreamento (Ratones), além de ocupações das margens (curso médio do
Tavares).
Como a vigilância é maior sobre eles, os de menor porte sofrem ainda mais. É o
caso do rio das Ostras, em Jurerê, onde a cor e mau cheiro denunciam que nele é
despejado esgotos, situação semelhante a do rio Doca ou Morto, em Cachoeira do
Bom Jesus. O rio do Braz, em Canasvieiras, compromete a balneabilidade da praia
quando se rompe durante períodos de chuva, indicando a péssima qualidade das
suas águas.
Outro exemplo é o rio Apa ou Riacho, com nascentes no morro da igreja da Lagoa
da Conceição e foz na altura do condomínio Saulo Ramos, onde a Casan deu
início à implantação de uma rede de coleta de esgoto. O rio Capivari nasce na
dunas do Rio Vermelho e avança pelo Sítio do Capivarí, onde desaparece,
ressurgindo mais à frente com o nome de Ingleses. "Ele some no ponto em que a
Casan capta água de poços e isso é normal", salientou a a gerente de
licenciamento e fiscalização, Elisa Rehn.
No Sul da Ilha de Santa Catarina os problemas se concentram no rio Sangradouro,
com nascentes na Lagoa do Peri e foz entre as praias do Matadeiro e Armação do
Pântano do Sul, separadas recentemente por um molhe de pedras. O rio Quincas
Antônio nasce no Pântano do Sul e desemboca no Sangradouro (afluente) - ambos
transformados em depósitos de lixo e esgoto.
"Todos esses cursos têm uma característica comum. Suas margens estão quase
todas sem cobertura vegetal, ocupadas por construções e recebendo diversos tipos
de poluentes", destacou Elisa Rehn. "Eles possuem seus afluentes, pequenos e sem
nomes, mas que são contribuintes de cursos maiores, integrantes de uma rede
hidrográfica que precisa ser preservada", complementou a gerente.
Menos peixe a cada ano
Os problemas am-bientais dos cursos de água apontados pela Floram são sentidos
de perto por Alcebíades da Silveira, 54 anos, residente nas imediações da ponte
sobre o rio Tavares, no Sul da Ilha. "Quando tem maré alta aparecem grandes
manchas de óleo e todo tipo de lixo", disse, enquanto aguardava a chegada dos
técnicos da Universidade do Vale do Itajaí (Univali) que monitoram a região do
aterro da Via-expressa Sul.
"Eu faço a coleta de amostras da água para eles analisarem em oito pontos do
aterro", explicou. Segundo Silveira, só existem dois pontos onde a água é de boa
qualidade: nas imediações da Ilha das Vinhas, no bairro José Mendes, e no
chamado Buraco da Draga, junto ao manguezal do rio Tavares. "Nos demais a
qualidade é a pior possível", revelou.
Independente das medições e análises feitas, o fato é que os problemas se
refletem na mesa. Até cerca de 15 anos atrás, o rio Tavares estava repleto de
tainhas e tainhotas, entre outros peixes, "mas de um tempo para cá elas estão
raras", constatou Silveira. Além da poluição, o assoreamento da foz do rio
impede a circulação dos pescados, das águas e das em-barcações. Com a maré alta,
o canal de navegação chega a ter 1,5 metro, di-minuindo para "não mais de 20
centímetros com a maré baixa", explicou.
Silveira ainda se lembra de quando a foz do rio possuía de quatro a cinco
metros de profundidade. Até mesmo o siri está desaparecido, assim como os
caranguejos do manguezal do rio Tavares. Menos mal que os berbigões estão
voltando no Buraco da Draga, onde havia um banco de areia usado no aterro da
Via Expressa Sul.
(Celso Martins, A Notícia, 08/06/2006)
http://portal.an.uol.com.br/ancapital/2006/jun/08/1ger.jsp