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2006-06-09
O Ministério do Meio Ambiente (MMA) acabou de dar a receita de como criar mecanismos para proteger uma gigantesca área na Amazônia que, além da inquestionável importância para conservação, é rica no quesito diversidade de obstáculos: na marra.

Até a canetada presidencial que sacramentou o Parque Nacional do Juruena, o quarto maior do país com 1,9 milhões de hectares, o ministério driblou em primeiro lugar a geografia. Encravado numa área ainda intocada entre o norte do Mato Grosso e o sul do Amazonas, o desenho do parque foi elaborado para se conectar às outras áreas protegidas da região. Ele praticamente preenche os espaços vazios entre o mosaico de unidades de conservação estaduais de Apuí (AM), terras indígenas no Mato Grosso e no Pará, engloba a Reserva Ecológica de Apiacás (que protege a junção dos rios Juruena e Teles Pires), parte da Floresta Nacional de Jaturana e 60% da área do Parque Estadual Igarapés do Juruena (MT). Segundo dados do Ibama, entre unidades de conservação federais, estaduais e terras indígenas, são agora 44,5 milhões de hectares de áreas protegidas, uma das maiores barreiras verdes formadas para impedir o avanço das frentes de desmatamento impulsionadas pela agropecuária e exploração madeireira.

Sem dúvida, um complexo protegido digno de aplausos, por suas dimensões e pela importância estratégica para conservação. Embora tenha quase dois terços da área já titulada, o parque vai resguardar ambientes ainda intocados, com muitas espécies raras ou endêmicas, especialmente de primatas, répteis e anfíbios – isso sem falar na beleza dos rios e cachoeiras.

Via-crúcis
Desta vez, o ministério não quis arriscar perder a chance de encerrar a gestão Marina Silva sem ter criado, por méritos próprios, uma unidade de conservação desse porte, que, aliás, podia ter sido ainda maior. A proposta inicial, formulada em 2002, era fazer o Juruena com três milhões de hectares. Mas em 2004, uma decisão política de Marina Silva fez o Ibama recuar. Ela cedeu parte da área para o governo amazonense criar um mosaico com 9 unidades de conservação que totalizam três milhões de hectares.

Sobraram quase dois milhões de hectares para a criação do Juruena, que desde então estiveram prestes a sofrer mais uma boa mordida. Como as atenções do MMA foram desviadas para a criação de áreas protegidas no Pará depois do assassinato da freira Doroty Stang, em fevereiro de 2005, o parque do Juruena foi para a gaveta. E quando esse assunto ressurgiu com a marcação das consultas públicas, no início deste ano, lideranças municipais, empresários e deputados mato-grossenses apressaram-se para apresentar uma contra-proposta ao governo federal. Em vez do parque, queriam que parte da área fosse transformada em Floresta Estadual, categoria de unidade de conservação que abre uma brecha para exploração de madeira.

Dez dias antes da consulta pública em que o Ibama justificou a criação do Juruena para a população de Apiacás (município que teria metade da sua área transformada em parque), os deputados convocaram uma audiência para debater a demarcação da floresta estadual. Pouco lhes importou o fato de essa proposta sequer ter passado pela avaliação técnica da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema). Na verdade, o interesse era assegurar à população local que no norte de Mato Grosso ainda haveria áreas de reserva para exploração madeireira – ainda que, por conta das dificuldades de acesso, hoje a economia da região não dependa do uso daquela área. Por isso, durante as consultas marcadas pelo Ibama, a oposição era majoritária.

Debaixo dos panos, o MMA e os deputados estaduais tinham declarado uma guerra. E o governador Blairo Maggi ficou no meio dos dois, sem aparecer. Não podia contrariar a vontade de Marina Silva, com quem havia firmado acordo de cooperação para gestão florestal no estado e também para não afundar ainda mais sua imagem de vilão ambiental. Por outro lado, sabia que se apoiasse publicamente a criação do Juruena, poderia estar cometendo suicídio político, justo em ano eleitoral.

Para tentar resolver a questão, Marina Silva foi procurada pelas lideranças mato-grossenses, que exigiam compensações econômicas para os municípios afetados pelo parque. Nada feito. “Negociamos com as prefeituras ações para o desenvolvimento da região, mas a ministra sempre deixou claro que queria a área do Juruena com aqueles limites”, explicou Maurício Mercadante, diretor de Áreas Protegidas do MMA. Segundo ele, com a criação do parque, só o município de Apiacás passa a arrecadar cerca de R$ 90 mil só com ICMS ecológico.

Para sair do papel
Com o parque criado no papel, o desafio agora é transformá-lo em realidade. Segundo Sergio Brant, que desde 2002 esteve à frente dos estudos para criação da unidade, as prioridades agora são a regularização fundiária e o controle da região. “A gente parte do princípio de que as terras do Mato Grosso são todas privadas. Vamos iniciar um trabalho detalhado para levantar informações e fazer as indenizações necessárias”, diz. Para evitar desmatamentos e grilagem de terras na área já decretada, Brant explica que, a princípio, servidores de Sinop e Alta Floresta ficarão responsáveis pelo monitoramento do Juruena, mesmo sabendo das limitações locais de pessoal e recursos financeiros.

Mercadante garantiu que o MMA está negociando recursos com diversas fontes e já conta com um aporte do Programa de Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa). Com esse dinheiro pretende elaborar o plano de manejo do Parque Nacional do Juruena e começar a implementação da unidade já no próximo semestre.
(Andreia Fanzeres, O Eco , 07/06/2006)

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