O Ministério do Meio Ambiente (MMA) acabou de dar a receita de como criar
mecanismos para proteger uma gigantesca área na Amazônia que, além da
inquestionável importância para conservação, é rica no quesito diversidade de
obstáculos: na marra.
Até a canetada presidencial que sacramentou o Parque Nacional do Juruena, o
quarto maior do país com 1,9 milhões de hectares, o ministério driblou em
primeiro lugar a geografia. Encravado numa área ainda intocada entre o norte do
Mato Grosso e o sul do Amazonas, o desenho do parque foi elaborado para se
conectar às outras áreas protegidas da região. Ele praticamente preenche os
espaços vazios entre o mosaico de unidades de conservação estaduais de Apuí (AM),
terras indígenas no Mato Grosso e no Pará, engloba a Reserva Ecológica de
Apiacás (que protege a junção dos rios Juruena e Teles Pires), parte da Floresta
Nacional de Jaturana e 60% da área do Parque Estadual Igarapés do Juruena
(MT). Segundo dados do Ibama, entre unidades de conservação federais, estaduais
e terras indígenas, são agora 44,5 milhões de hectares de áreas protegidas,
uma das maiores barreiras verdes formadas para impedir o avanço das frentes de
desmatamento impulsionadas pela agropecuária e exploração madeireira.
Sem dúvida, um complexo protegido digno de aplausos, por suas dimensões e pela
importância estratégica para conservação. Embora tenha quase dois terços da área
já titulada, o parque vai resguardar ambientes ainda intocados, com muitas
espécies raras ou endêmicas, especialmente de primatas, répteis e anfíbios – isso
sem falar na beleza dos rios e cachoeiras.
Via-crúcis
Desta vez, o ministério não quis arriscar perder a chance de encerrar a gestão
Marina Silva sem ter criado, por méritos próprios, uma unidade de conservação
desse porte, que, aliás, podia ter sido ainda maior. A proposta inicial,
formulada em 2002, era fazer o Juruena com três milhões de hectares. Mas em
2004, uma decisão política de Marina Silva fez o Ibama recuar. Ela cedeu parte
da área para o governo amazonense criar um mosaico com 9 unidades de conservação
que totalizam três milhões de hectares.
Sobraram quase dois milhões de hectares para a criação do Juruena, que desde
então estiveram prestes a sofrer mais uma boa mordida. Como as atenções do MMA
foram desviadas para a criação de áreas protegidas no Pará depois do assassinato
da freira Doroty Stang, em fevereiro de 2005, o parque do Juruena foi para a
gaveta. E quando esse assunto ressurgiu com a marcação das consultas públicas,
no início deste ano, lideranças municipais, empresários e deputados
mato-grossenses apressaram-se para apresentar uma contra-proposta ao governo
federal. Em vez do parque, queriam que parte da área fosse transformada em
Floresta Estadual, categoria de unidade de conservação que abre uma brecha para
exploração de madeira.
Dez dias antes da consulta pública em que o Ibama justificou a criação do
Juruena para a população de Apiacás (município que teria metade da sua área
transformada em parque), os deputados convocaram uma audiência para debater a
demarcação da floresta estadual. Pouco lhes importou o fato de essa proposta
sequer ter passado pela avaliação técnica da Secretaria Estadual de Meio
Ambiente (Sema). Na verdade, o interesse era assegurar à população local que no
norte de Mato Grosso ainda haveria áreas de reserva para exploração madeireira –
ainda que, por conta das dificuldades de acesso, hoje a economia da região não
dependa do uso daquela área. Por isso, durante as consultas marcadas pelo Ibama,
a oposição era majoritária.
Debaixo dos panos, o MMA e os deputados estaduais tinham declarado uma guerra. E
o governador Blairo Maggi ficou no meio dos dois, sem aparecer. Não podia
contrariar a vontade de Marina Silva, com quem havia firmado acordo de
cooperação para gestão florestal no estado e também para não afundar ainda mais
sua imagem de vilão ambiental. Por outro lado, sabia que se apoiasse
publicamente a criação do Juruena, poderia estar cometendo suicídio político,
justo em ano eleitoral.
Para tentar resolver a questão, Marina Silva foi procurada pelas lideranças
mato-grossenses, que exigiam compensações econômicas para os municípios afetados
pelo parque. Nada feito. “Negociamos com as prefeituras ações para o
desenvolvimento da região, mas a ministra sempre deixou claro que queria a área
do Juruena com aqueles limites”, explicou Maurício Mercadante, diretor de Áreas
Protegidas do MMA. Segundo ele, com a criação do parque, só o município de
Apiacás passa a arrecadar cerca de R$ 90 mil só com ICMS ecológico.
Para sair do papel
Com o parque criado no papel, o desafio agora é transformá-lo em realidade.
Segundo Sergio Brant, que desde 2002 esteve à frente dos estudos para criação
da unidade, as prioridades agora são a regularização fundiária e o controle da
região. “A gente parte do princípio de que as terras do Mato Grosso são todas
privadas. Vamos iniciar um trabalho detalhado para levantar informações e fazer
as indenizações necessárias”, diz. Para evitar desmatamentos e grilagem de
terras na área já decretada, Brant explica que, a princípio, servidores de Sinop
e Alta Floresta ficarão responsáveis pelo monitoramento do Juruena, mesmo
sabendo das limitações locais de pessoal e recursos financeiros.
Mercadante garantiu que o MMA está negociando recursos com diversas fontes e já
conta com um aporte do Programa de Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa). Com esse
dinheiro pretende elaborar o plano de manejo do Parque Nacional do Juruena e
começar a implementação da unidade já no próximo semestre.
(Andreia
Fanzeres,
O Eco , 07/06/2006)