A agricultura familiar será capaz, sozinha, de cumprir a meta de substituir 2%
do diesel por biocombustível em 2008 mesmo sem conceder nenhum incentivo fiscal
à agricultura empresarial ou aos fabricantes de óleo de soja. A opinião é de
José Zílio, executivo que por 38 anos pertenceu aos quadros da maior esmagadora
de soja do mundo, a Bunge Ltd., Hoje é dono de sua própria consultoria, a ALF
International.
"Nos leilões da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis
(ANP) deste ano já foram leiloados 300 milhões de litros de biodiesel. Por isso,
não acredito que haverá problema em cumprir a meta de produção de 800 milhões
de litros para 2008", disse Zílio, que participou no 4 Congresso Brasileiro de
Soja, promovido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa Soja)
em Londrina, no Paraná. "O governo transformou o programa de biodiesel em um
programa de inclusão social para os pequenos produtores. Sozinha, a agricultura
familiar será capaz de atender à demanda inicial, embora isso signifique que o
programa de biocombustíveis levará mais tempo para ser implementado", disse.
O programa brasileiro garante isenção de PIS e Cofins para o biodiesel produzido
com matéria-prima da agricultura familiar. Caso a matéria-prima seja
proveniente da agricultura empresarial - caso da soja -, a indústria tem de
arcar com a carga completa de impostos, o que, segundo as esmagadoras,
praticamente inviabiliza a produção no Brasil. Segundo dados da Associação
Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), o diesel custou, em média,
R$ 1,24 o litro em 2005. O biodiesel, com impostos, tinha preço de mercado de
R$ 1,23, enquanto o sem impostos era mais competitivo, negociado a R$ 1,02 o
litro.
Para Zílio, o programa de biodiesel já nasceria maduro em termos de oferta se
fossem concedidas isenções tributárias aos fabricantes de óleo de soja. Ao mesmo
tempo, isso não inviabilizaria a produção de biodiesel da agricultura familiar.
Se a prioridade à agricultura familiar não compromete a oferta futura de
biodiesel, ela pode afetar a corrida brasileira em termos de tecnologia, já que
concorrentes onde o biodiesel está em estágio mais avançado (como Europa e
Estados Unidos), teriam mais tempo e condições de "vender" sua tecnologia de
extração para outros países.
O consultor diz que hoje o maior problema enfrentando pelo biodiesel da
agricultura familiar é a desconfiança dos investidores em trabalhar com o
pequeno produtor. "O investidor precisa de garantias de fornecimento e pode
ficar seguro de trabalhar com um número grande de pequenos fornecedores",
afirmou. Afinal, o investimento na construção de uma fábrica não é pequeno: são
US$ 15 milhões para erguer uma fábrica com capacidade de produzir 100 milhões
de litros de biodiesel.
Por outro lado, um incentivo à produção do biodiesel da agricultura empresarial,
diz, poderia ser uma alternativa de renda aos produtores de soja, já que a
produção do biocombustível seria uma forma de enxugar a oferta interna da
oleaginosa, criando condições para a elevação dos preços.
Fator glicerina
Zílio lembra que a produção de biodiesel, seja de soja, sebo, palma, mamona ou
qualquer outra matéria-prima gera um subproduto, a glicerina, para a qual o
mercado terá que encontrar novas utilizações. Atualmente a glicerina só é
utilizada pelas indústrias de tintas, remédios e cosméticos.
"O mercado mundial consome 1 milhão de toneladas de glicerina. Só a Europa
produz 400 mil toneladas de glicerina como subproduto da fabricação do biodiesel.
A entrada do Brasil criará um excedente mundial ainda maior", lembrou.
O Brasil consome perto de 35 mil toneladas. A produção atual de biodiesel, de
300 milhões de litros, resultou em 30 mil toneladas de glicerina. Em 2008,
quando o País estiver produzindo 800 milhões de litros de combustível, serão
fabricadas 80 mil toneladas de glicerina.
(Lucia Kassai,
Gazeta Mercantil , 08/06/2006)