Um estudo realizado por pesquisadores do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e do Museu Emílio Goeldi, a pedido do Ministério do Meio Ambiente, traçou um mapa da grilagem de terras públicas no Pará – ou mais especificamente na área de influência da BR-163, que engloba os municípios de Pacajá, Anapu, Altamira, Brasil Novo, Medicilândia, Uruará, Rurópolis, Itaituba, Trairão, Santarém, Marabá, Xinguara, Castelo dos Sonhos, São Félix do Xingu e Vila Planaltina – para avaliar os impactos socioambientais da prática e possíveis formas de inibição. Os resultados foram publicados no livro “Grilagem de terras públicas na Amazônia brasileira”, lançado em Belém nesta terça (6/6).
O estudo, que chegou ao número de 30 milhões de hectares grilados no Estado, não buscou tanto esmiuçar o imbróglio jurídico da documentação das terras, mas detectar o tipo de irregularidade na posse das áreas, a origem dos grileiros, seu modus operandi e medidas de combate a ser adotadas pelo poder público.
Segundo José Heder Benatti, pesquisador do Ipam e um dos coordenadores do trabalho, existem na Amazônia basicamente dois tipos de apropriação ilegal de terras: as ocupações irregulares e as grilagens. As primeiras são caracterizadas por pequenas extensões onde o posseiro reside e produz através do trabalho familiar, e são passíveis de regulamentação legal.
Já as grilagens são grandes áreas, ocupadas por fazendeiros que muitas vezes possuem outras terras, têm antecedentes de apropriação ilegal, comumente utilizaram métodos violentos contra pequenos posseiros ou proprietários para se apossar das áreas, e buscaram fraudar ou forjar documentos junto a funcionários do Incra ou a cartórios (“quem estivesse mais suscetível a ser corrompido”). “Sobre o sujeito (grileiro), tem os que querem produzir, os que querem a madeira, outros buscam as terras apenas para pegar crédito no banco, e outros para vender e especular”, resume Benatti.
Um dado interessante do estudo do MMA aponta que, segundo o Incra, 45% do território da Amazônia não têm titulação ou destinação. Já no Pará 67% das terras não têm registro ou têm registro fraudulento. Esta situação favorece o mercado ilegal de terras, que tem sido utilizado em grande medida para acessar financiamentos junto aos bancos. Segundo Roberto Araújo, pesquisador do Museu Emilio Goeldi e também coordenador do projeto, um simples contrato de compra e venda tem sido aceito por cartórios que emitem o registro através do qual é possível acessar os créditos bancários.
Atividades como extração ilegal de madeira, pecuária e agricultura intensiva em áreas irregulares receberam altos financiamentos estatais, principalmente nos tempos da antiga Sudam (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia), e são ainda responsáveis pela maior parte dos danos ambientais e conflitos sociais da região. “As grandes derrubadas [de mata] têm relação direta com a grilagem, assim como o trabalho escravo”, aponta o pesquisador. Segundo ele, São Felix do Xingu, um dos municípios campeões de grilagem no Pará, concentra hoje 10% do rebanho bovino do Estado.
A relação entre o poder financeiro, advindo da ocupação ilegal das terras, e o poder político também foi um ponto importante do estudo. De acordo com Araújo, é comum que a grilagem atraia trabalhadores, forme pequenas vilas que se desenvolvem e adquirem importância política. A relação entre grileiros e políticos acaba sendo estreita, mesmo porque as grandes fazendas têm importância fundamental nas economias locais. Segundo o pesquisador, de fato a grilagem tem sido uma forma de emergência política nos municípios, ou seja, não é raro que atuais prefeitos são ou foram fazendeiros irregulares.
Combate
De acordo com José Benatti, para o governo federal o único caminho a trilhar agora é a criação de políticas públicas para a região, e a destinação das terras. “Pela ordem: regulamentar as Terras Indígenas na região, onde 15% ainda não forma demarcadas. Depois tem que ordenar as terras quilombolas: na Amazônia, são cerca de 800 áreas. Depois vem a criação de Unidades de Conservação, a regularização dos territórios das comunidades tradicionais, os assentamentos rurais e o ordenamento fundiário das grandes propriedades, com a concomitante regulamentação do passivo ambiental”.
Marcos Kowarik, chefe da Diretoria de Ordenamento da Estrutura Fundiária do Incra, criado em março deste ano, explica que, a partir da viabilização deste órgão, está sendo feito um cruzamento dos dados do Sistema Nacional de Cadastro Rural, da cartografia e do sistema de georreferenciamento do Incra, alem de ter sido retomado o Programa de Regularização Fundiária do governo federal, abandonado nos últimos 15 anos.
Segundo Kowarik, apenas a Portaria 10 do Incra, editada no final de 2004 e que exige aos proprietários de áreas maiores de 100 hectares a apresentação da documentação das terras e o georreferenciamento do imóvel, mais de 60 mild ocumentos de posse foram inibidos, ou seja, invalidados para tomada de crédito junto aos bancos. “Hoje também não sai mais financiamento para madeireiro sem o aprovo do Ibama”, afirma.
No momento, garante Kowarik, o Incra está fazendo um grande investimento no trabalho de campo para analisar a malha fundiária no Pará. “Hoje o Incra tem 400 funcionários no Estado, e já recuperamos cerca de 10 milhões de hectares de terra grilada”.
Por Verena Glass,
Agência Carta Maior