O polêmico projeto de pavimentação da BR-163, rodovia que corta a Amazônia ligando os municípios de Cuiabá (MT) a Santarém (PA), é o principal alvo do pacote de políticas ambientais anunciado pelo governo federal na Semana do Meio Ambiente. Durante solenidade realizada na segunda-feira (5/6), quando foi comemorado o Dia Internacional do Meio Ambiente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a ministra Marina Silva (Meio Ambiente) lançaram o Plano BR-163 Sustentável, que visa reduzir os impactos ambientais e sociais que serão provocados pelo asfaltamento da rodovia federal numa das regiões que apresenta os maiores índices de diversidade cultural e biológica da Amazônia, mas também apresenta um dos maiores índices de desmatamento.
Nos últimos meses, o governo conseguiu desatar os nós políticos que emperravam temas delicados da pauta ambiental, como a aprovação das leis de Biossegurança e de Gestão de Florestas no Congresso ou a adoção de uma posição unitária do Brasil na reunião de cúpula da Convenção sobre Diversidade Biológica da ONU. Ao sinalizarem com uma possível solução para o projeto de pavimentação da BR-163, Lula e Marina demonstram mais uma vez a opção que faz o governo de aprofundar uma política de conciliação entre os interesses ambientais e econômicos na região amazônica. Apesar dos riscos, a maioria das organizações do movimento socioambientalista apóia o plano, ressaltando que a grande questão agora é efetivar sua implementação.
O Plano BR-163 Sustentável foi elaborado durante dois anos, num trabalho que reuniu 21 ministérios e teve a participação de diversas organizações da sociedade civil. Após a realização de consultas públicas em todo o país, foram definidas as 54 prioridades que compõem o plano. Essas prioridades se desdobram em uma série de ações, algumas delas implementadas desde fevereiro deste ano, quando Lula transformou em Distrito Florestal Sustentável as terras da região Oeste do Pará que margeiam a rodovia. Segundo Marina Silva, o plano vai “marcar um novo paradigma de desenvolvimento na região”. Uma nota divulgada pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) afirma que, com a adoção do plano, “o governo associa pela primeira vez o asfaltamento de uma rodovia a uma série de medidas de inclusão social, ordenamento fundiário e gestão ambiental”.
Segundo o governo, o Plano BR-163 Sustentável prevê que a rodovia “será asfaltada com regularização fundiária, para evitar a grilagem de terras, com ordenamento territorial e com a criação de Unidades de Conservação, para impedir que o desmatamento avance ainda mais sobre a floresta”. O principal objetivo do plano, segundo o governo, é “fortalecer políticas de gestão, associadas à criação e implementação de áreas protegidas, à viabilização de oportunidades econômicas em bases sustentáveis e à consolidação de políticas de monitoramento e controle ambiental para coibir a degradação dos recursos naturais”.
Na verdade, o que o governo espera com o plano é equacionar as pressões exercidas tanto pelos setores que exploram economicamente a região quanto pelo movimento socioambientalista. Ao mesmo tempo em que vai retomar as obras de asfaltamento da rodovia para atender a uma antiga demanda de produtores de soja e madeireiros, o governo busca se precaver dos impactos predatórios dessas atividades em termos ambientais e sociais. O Distrito Florestal Sustentável criando em torno da BR-163 abrange mais de 16 milhões de hectares de terra e, segundo o governo, possibilitará a criação de até cem mil novos empregos diretos e uma produção anual entre quatro e seis milhões de metros cúbicos de toras, além da geração de até 800 MW de energia.
ONGs querem efetivação
O Plano BR-163 Sustentável recebeu o apoio da maioria das organizações do movimento socioambientalista. Coordenadora de Políticas Públicas do Instituto Socioambiental (ISA), Adriana Ramos destacou a forma participativa a partir da qual ele foi concebido: “Estamos satisfeitos pelo plano ter chegado a esse formato final. O trabalho realizado pelo governo e pela sociedade civil ao longo de dois anos possibilitou a elaboração de um plano diferenciado para uma região muito sensível”, avalia.
A ambientalista afirma que o plano pode se impor como “um modelo para obras de infra-estrutura na Amazônia”, uma vez que prevê uma série de medidas para salvaguardar o meio ambiente e as populações: “Nos mecanismos de licenciamento ambiental não cabem uma série de medidas para que as populações se beneficiem com a gestão sustentável da área impactada. O plano prevê isso e pode servir como exemplo”, disse.
Segundo as ONGs, a principal tarefa do governo passa a ser a efetivação da retomada das obras na BR-163, que estão orçadas em R$ 1,1 bilhão: “Nossa preocupação agora é que a obra não saia do papel e o plano acabe não sendo implementado de fato por outros ministérios”, alerta Adriana Ramos. Ela explica a posição do ISA: “Parece contraditório, mas as entidades do movimento socioambientalista agora querem que a BR-163 seja asfaltada logo, pois isso facilitaria a implementação de ações pelo desenvolvimento sustentável. Se o dinheiro para a pavimentação demorar a aparecer, isso será um estímulo para as atividades predatórias”, disse.
Coordenador da Campanha Amazônia do Greenpeace, Paulo Adário também manifestou apoio ao Plano BR-163 Sustentável e preocupação com sua efetivação pelo governo federal: “As Unidades de Conservação têm que ter pessoal, dinheiro e vigilância. Ou seja, a máquina do Estado deve estar presente. É verdade que temos de dar um crédito ao governo pelo grande esforço de criar o plano de preservação e ouvir a sociedade. Mas, o desafio agora é garantir que o plano se concretize”, disse, em entrevista ao jornal O Globo. A BR-163 tem 1.765 km, sendo que cerca de 800 km já estão asfaltados. Aproximadamente dois milhões de pessoas vivem na área de influência da rodovia que corta dois biomas (Cerrado e Floresta Amazônica) e três bacias hidrográficas (Teles Pires/Tapajós, Xingu e Amazonas).
Por Maurício Thuswohl,
Agência Carta Maior