Ratos tomando conta dos pátios, um cheiro de podre no ar, crianças brincando em
meio ao esgoto que corre a céu aberto. Esse poderia ser um cenário daqueles
filmes que mostram a miséria dos países que viveram anos de guerra e não sabem
de onde vão tirar recursos para se reerguer. Mas, a realidade está bem aqui,
em Santa Maria, e tem endereço certo: Rua Coronel Valença, Vila Oliveira, bairro
Passo D Areia.
Assim como nas guerras em que as mortes acabam despertando a opinião pública,
foi a morte da dona-de-casa Glaedes Maria Barbosa Cortes, 46 anos, no último
domingo, que chamou a atenção para velhos problemas da comunidade. No dia 24,
Glaedes saía de casa com uma sacola de lixo e, ao passar por cima de uma das
pontes improvisadas, sobre a vala por onde corre o esgoto, acabou caindo e
aspirando a água suja.
Segundo o médico pneumologista que atendeu Glaedes, Fernando Schwarcke, a causa
da morte foi o afogamento. Mas, o fato de ela ter aspirado o esgoto, piorou
muito a situação da vítima.
- Não se sabe ao certo quanto tempo ela ficou sem respirar. É certo que ter
aspirado a água extremamente contaminada foi a causa da pneumonia. Ela teve uma
infecção muito grave, que comprometeu totalmente o pulmão - diz Schwarcke.
Mas, longe de resolver o problema, a morte de Glaedes apenas despertou medos
adormecidos de boa parte dos moradores. Muitos deles cresceram ali, vendo os
problemas aumentarem à medida que mais famílias chegavam ao local, que se
transformou em ocupação, e que a água da sanga virou esgoto a céu aberto. Agora,
temem pelos filhos.
- A gente fica de olho porque as crianças estão sempre jogando bola em volta da
sanga. Quando a bola cai lá, fazemos elas lavarem as mãos. Mas não dá para ficar
o dia todo vigiando. É comum ver ratos e cobras - diz Caren Cavalheiro, 30 anos,
vizinha de Glaedes.
Atestado fala em "morte violenta"
Ontem, enquanto os pais tentavam aumentar a vigilância sobre seus filhos para
evitar que uma nova tragédia voltasse a acontecer na Coronel Valença, a família
de Glaedes tentava recuperar as forças para voltar à vida normal. Mas, alguns
fatos, como a frase "morte violenta", no atestado de óbito dela, acabavam
roubando a paz dos parentes, que não se conformam com o que aconteceu.
- Que tragédias ainda irão acontecer até que se tome uma providência? Não me
conformo que usem o fato de essa parte ser uma invasão para não darem esgoto
para nós - afirma Veridiana, filha de Glaedes.
Para complicar a onda de más notícias na Coronel Valença, não há previsão para
que obras de canalização do esgoto saiam ali.
As vítimas da sanga se multiplicam
A morte da dona-de-casa Glaedes é a situação mais trágica que os moradores
viram na Coronel Valença. Mas não é a primeira vez que alguém que mora na rua
vive o desespero por cair na sanga por onde corre o esgoto. Há cerca de três
meses, Tales Barroso Tavares, 6 anos, foi retirado às pressas da sanga, que tem
mais de dois metros de profundidade. Como engoliu muita água, ele precisou ser
levado ao Pronto-Atendimento da Medianeira.
- Foi um desespero só quando vimos ele cair. Ainda bem que as coisas não ficaram
piores - diz a mãe de Tales, Elizabete Barroso.
Outro garoto, Érique da Conceição Cauduro, 4 anos, também já teve de
fazer exames depois de cair na sanga.
(Marilice Daronco,
Diário de Santa Maria , 06/06/2006)